São Paulo, quinta-feira, 09 de novembro de 2000

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CELSO PINTO
As restrições para além de 2002

O PT ficou indignado com a sugestão do ministro da Fazenda, Pedro Malan, de que a oposição assumisse um compromisso público em favor da estabilidade monetária e fiscal, válido para o próximo presidente. A verdade, contudo, é que, com ou sem um compromisso formal, este governo está fazendo o possível para reduzir o espaço para mudanças bruscas no futuro.
Mesmo considerando que é improvável a negociação de um novo acordo com o FMI, para além de 2002, outras restrições existem. Algumas são conhecidas. O próximo presidente já encontrará definidas, para o início de sua gestão, metas inflacionárias fixadas pelo Banco Central, metas para as contas públicas transformadas em lei pelo Congresso e um conjunto de limites impostos pela Lei de Responsabilidade Fiscal a todos os níveis de governo. Se depender da equipe econômica, haverá ainda um esforço para dar maior independência para o BC até 2002.
Outra faceta menos conhecida do mesmo esforço está sendo construída no âmbito do Mercosul. São as metas macroeconômicas que Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai devem definir até dezembro e que já valerão para o próximo ano.
O primeiro passo foi unificar os critérios de apuração dos dados. O segundo será definir que metas para quais variáveis deverão ser fixadas. O desenho mais provável deverá ser o de fixar tetos para as três variáveis mais importantes: contas públicas, estoque da dívida pública líquida e inflação.
Ao fixar tetos, o Mercosul dará flexibilidade para cada país da região fixar metas mais apertadas, se quiser. Ao mesmo tempo, o teto funcionará como o objetivo a alcançar.
No caso do objetivo inflacionário, uma idéia é fixar a meta e exigir que cada país que ainda esteja acima dela diminua em pelo menos 30% a distância a cada ano. Já no caso da meta para o estoque da dívida, uma variável cuja redução é muito mais difícil, o provável é que se fixe um objetivo e que cada país defina como e em quanto tempo pretende chegar lá.
Em nenhuma reunião, até agora, se falou em números -mas eles, obviamente, estão na cabeça dos negociadores. Tanto Brasil quanto Argentina já deram indicações de que, dado o problema histórico de credibilidade da região, seria importante fixar metas mais ambiciosas para o Mercosul do que aquelas acertadas entre os europeus pelo Acordo de Maastricht. O teto europeu é de um déficit público de 3% do PIB anual e o estoque de dívida aceito é de 60% do PIB. É provável que, no Mercosul, discuta-se algo como 2,5% para o déficit e 40% a 45% para o estoque da dívida.
Os países do Mercosul, hoje, não estão tão longe desses números. Em junho, o déficit do setor público em 12 meses estava em 4,2% no Brasil, 3,2% na Argentina e 3,8% no Paraguai, conforme os dados harmonizados divulgados pelo BC. O estoque da dívida, excluídas as reservas, era de 52,2% do PIB no Brasil, 44,3% na Argentina, 16,9% no Paraguai e 26,6% no Uruguai.
Um problema óbvio é como fazer com que os países cumpram as metas acertadas. A fórmula européia prevê, no caso das metas fiscais, multas aos países delinquentes; aqui, isso seria impensável. Pode-se discutir algum tipo de mecanismo de pressão entre os pares. O mais provável, contudo, é que a principal punição para os faltosos seja a chamada "sanção moral": o mercado puniria, na prática, quem não cumprisse o prometido.
Existe uma comissão parlamentar acompanhando a discussão. Uma deputada argentina, Beatriz Nofal, defende que todos os Congressos ratifiquem as metas e acompanhem sua execução. Isso daria uma peso muito maior às decisões. Ela defende, ainda, a presença do Chile no acerto, pela credibilidade adquirida, na última década, pelo BC chileno.
Tanto o governo argentino quanto o brasileiro estão interessados nas metas. Seria um mecanismo a mais para tentar provar aos mercados as boas intenções macroeconômicas da região. Com o tempo, se as metas fossem cumpridas, haveria um ganho de credibilidade que acabaria se traduzindo em juros mais baixos.
É claro que o próximo presidente do Brasil poderá desrespeitar qualquer uma dessas restrições. Ignorar o Mercosul, eliminar o sistema de metas inflacionárias e induzir o Congresso a rever as metas para o superávit fiscal. Só que ele vai pagar um alto preço se fizer isso, especialmente num sistema de câmbio flutuante. Ou seja, se quiser dar uma guinada, ela terá que ser realmente enorme e, provavelmente, envolver também o sistema cambial.

A aposta Argentina
A equipe econômica argentina está apostando forte em obter a Linha de Crédito Contingente no FMI, algo acima de US$ 7 bilhões, e mais algo do Banco Mundial e de outras linhas, num total de até uns US$ 9 bilhões. O financiamento das contas deste ano está fechado. Para 2001, o país precisa de US$ 19,5 bilhões, nos cálculos do banco JP Morgan, sendo US$ 6,2 bilhões no primeiro trimestre.
Se esse pacote sair, além de garantir a rolagem do primeiro trimestre, o governo estaria garantindo quase toda a necessidade no ano de captação externa em bônus, estimada em US$ 9,4 bilhões. Outros US$ 8,5 bilhões seriam levantados em bônus internos, sobre os quais o poder de pressão do BC é maior. Para fechar a conta de US$ 19,5 bilhões, o Morgan calcula que outro US$ 1,6 bilhão viria de privatizações, recompra de títulos da dívida e empréstimos multilaterais. O argumento argentino para obter o crédito do FMI é que o país foi vítima de um choque externo de "aversão ao risco", que elevou os juros, inclusive no mercado de "junk bonds" americano.
Acalmaria os mercados, ganharia tempo, mas deixaria uma questão em aberto: seria suficiente para fazer a economia crescer? Se não for, as contas futuras não fecharão.
E-mail
CelPinto@uol.com.br


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