São Paulo, segunda, 9 de novembro de 1998

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ENTREVISTA DA 2ª
Governo negocia "manual de qualidade' com emissoras

DANIEL CASTRO
da Reportagem Local

O secretário nacional dos Direitos Humanos, José Gregori, 64, tenta a partir desta quinta-feira implantar o que chama de "manual de qualidade" contra o baixo nível da programação da televisão.
Em reuniões com representantes das emissoras, o ganhador do prêmio de direitos humanos da ONU vai propor que cada rede elabore seu próprio código de ética -algo como os manuais de redação de jornais.
A idéia é que cada emissora estabeleça em documento público seus próprios limites sobre qualidade da informação, sexo e violência. A inspiração vem da Itália, onde experiência semelhante vigora há um ano e meio.
As primeiras emissoras a serem ouvidas serão a TV Cultura e as educativas. Depois -não necessariamente nesta ordem- virão Globo, SBT, Record, Bandeirantes, CNT e Manchete. Até meados de dezembro, Gregori pretende concluir as negociações.
A seguir, os principais trechos de entrevista concedida sexta-feira:

Folha - Qual é a posição do governo diante da qualidade da programação da televisão brasileira?
José Gregori -
Praticamente não há um dia em que eu não receba um fax ou um telefonema com queixas sobre a qualidade da programação da TV.
Folha - As reclamações são contra alguns programas específicos?
Gregori -
As queixas cifram-se a alguns exemplares da zoologia (refere-se ao "Programa do Ratinho" e ao "Leão Livre"). Mas, de fato, o governo não tem uma posição de censurar. A censura foi uma das piores experiências do regime fechado. Ninguém quer restabelecer a censura, nem engessamento ou monitoramento de certos programas, porque a democracia exige uma televisão livre.
Nossa idéia é começar um diálogo com os responsáveis pela programação, para ver se, de comum acordo, não se pode melhorar o nível e aproveitar ao máximo a grande potencialidade da TV, que, mesmo em entretenimento, não precisa ir para a baixaria, para a apelação.
Queremos ver se conseguimos implantar no Brasil a experiência italiana, em que as televisões -não os órgãos associativos, mas cada uma delas- criaram seu manual, como a Folha, por exemplo, tem o seu "Manual da Redação". O que queremos é que cada emissora crie o seu regulamento, numa perspectiva de responsabilidade social, que elas definam como tratar com respeito o sexo, a violência e a informação sem cair no sensacionalismo, na acusação gratuita.
Essa experiência italiana está dando certo. É uma auto-regulamentação, mas não a partir de um código que obriga toda a categoria.
Folha - O sr. já agendou os encontros com as emissoras?
Gregori -
Quinta-feira eu começo com as TVs educativas. Elas vão me fornecer os parâmetros.
Nessas reuniões, eu quero também entender o problemas das TVs. Eu não parto do princípio de que as televisões tenham prazer em servir esse peixe podre. Por que esse peixe podre está sendo consumido? Ibope significa, necessariamente, baixa qualidade do produto? É importante fazer um exame mais profundo.
Folha - O que o sr. considera produto de baixa qualidade?
Gregori -
O programa que leva as coisas para a apelação, para a baixaria, para a total falta de classe, a vulgaridade, a banalização de assuntos sérios, como os direitos humanos.
Até que ponto a televisão influencia o telespectador?
Gregori -
Acho que não podemos maximizar a influência da televisão, ela não tem uma relação de causa e efeito. Mas é evidente que ela influi. Ela seria totalmente inofensiva se fosse uma chanchada e lida como uma chanchada. Mas não é assim. Portanto, ela precisa ter responsabilidade para que possa servir como fermento cultural.
Eu entendo que a TV deve servir às massas, mas, se colocarmos toda a programação da televisão brasileira em uma mesa, veremos que não ela não eleva minimamente a consciência cultural, cívica e social da população.
Como homem que vive 24 horas em contato com a violência, eu não percebo muita influência da TV nessa violência. Mas também não enxergo nenhuma contribuição da televisão no sentido de diminuir a violência.
Folha - Essa crítica também cabe às telenovelas?
Gregori -
Eu não quero personalizar. No seu conjunto, a televisão não contribui para reduzir a violência.
Folha - O sr. crê que as TVs tiram proveito da violência?
Gregori -
As TVs têm tido atitude de aliamento com a violência, de tirar partido dela. Mesmo que a TV não queira a violência, ela está desperdiçando a potencialidade de contribuir para a não-violência.
Folha - A Associação Brasileira das Emissoras de Rádio e Televisão tem um código de ética. Esse código serve para alguma coisa?
Gregori -
A julgar pelas reclamações que me fazem, tenho impressão de que é peça decorativa.
Folha - O sr. realmente acredita que se pode melhorar a qualidade da TV?
Gregori -
Acho que sim.
Folha - Não é contraditório dizer que não se quer tirar programa do ar e, ao mesmo tempo, tentar inibir a exploração barata da violência? Tem programa que vive disso?
Gregori -
É por isso que vamos dialogar.
Folha - Esse manual de qualidade teria que ter alguns princípios básicos. Quais seriam?
Gregori -
Como aconteceu na Itália, o governo forneceria um núcleo de normas básicas.
Folha - Quais normas?
Gregori -
Eu quero discutir isso com as emissoras, mas devem ser no sentido da responsabilidade social, cultural e de cidadania. As TVs têm de suprimir todo o excesso, aquilo que a gente chama de apelação. Em uma reportagem, você precisa dizer que tal pessoa foi morta, mas não é necessário o esquartejamento dessa pessoa, de forma crua, para chocar. É possível informar sem chocar de forma aviltante. Não queremos suprimir assuntos, dizer o que pode ou o que não pode, mas estabelecer limites.
Folha - Por que o governo não incentiva a regulamentação de princípios constitucionais sobre a programação de televisão?
Gregori -
Porque o que já existe já norteia as emissoras a se auto-regulamentarem.
Folha - Esses programas que exploram o mundo-cão tendem a sumir?
Gregori -
Está demorando. Não são modismo, acho que ainda têm fôlego, mas acho um desperdício que a TV não esteja dando uma contribuição para a não-violência.



Texto Anterior | Próximo Texto | Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.