São Paulo, domingo, 09 de dezembro de 2001

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JANIO DE FREITAS

O verdadeiro risco Brasil

O mais praticado comentário oficial e oficioso sobre o assassinato do iatista Peter Blake, segundo o qual essa barbaridade difunde no mundo imagem negativa do Brasil, é uma vulgaridade equivocada. O que fatos de tal ordem difundem é a imagem realista do Brasil, país onde não mais existe espaço algum em que uma pessoa possa sentir-se imune a um assalto, um tiro, uma violência qualquer.
Ao invés de imagem negativa, a morte estúpida de Blake difunde uma advertência positiva e muito necessária, para visitantes estrangeiros e para brasileiros também. Aqui, o lazer é um risco, o trânsito é um risco, a calçada é um risco, a morada é um risco, o banco é um risco, tudo é risco. Inclusive a polícia: ninguém, abordado por policial, está antecipadamente seguro de que se vê diante da chamada autoridade e não de um assaltante ou achacador -as estatísticas que o digam.
O problema excedeu a capacidade das administrações estaduais. Na quase totalidade dos Estados, por incompetência até para atenuar o problema. Na totalidade, por falta de recursos. Mas, acima de tudo, porque as causas do problema não podem ser tratadas em âmbito estadual -são próprias de governo federal.
Em um dos sucessivos momentos mais agudos da barbaridade, o governo federal fez reuniões, muitas exibições para TV e jornais, discursos e solenidades para lançar o Plano Nacional de Segurança. Crua embora, a palavra adequada para definir o que se passou é mentira. Pode ser farsa, também, e nada melhora. Nem o plano seria capaz de resultados consideráveis, nem o governo tomou as providências anunciadas, já a partir de que não foi feita, pela área econômica, a liberação das verbas divulgadas na pompa presidencial.
Paulistanos, de classe média para cima, não vão ver a periferia onde estão suas favelas, piores que as piores nas piores concentrações da miséria nordestina. Não vêem as multidões de adolescentes e adultos moços que perambulam nas concentrações populares, à vista de todos nas cidades em que as classes econômicas se interpenetram espacialmente. Multidões que são a fonte da criminalidade urbana, com a parcela cada vez maior dos que se sentem liberados das regras e adotam o crime como alternativa fácil para uma vida que, de qualquer modo, não fugirá à pobreza, ao abandono pelo Estado, à inutilidade do trabalho e das regras.
Saudemos, pois, o ministro Pedro Malan. Pela contribuição, por sete anos seguidos, para que se acentuem as características da brasilidade, com a crescente concentração de renda e o mais intenso aprofundamento do apartheid social. Faça-o o ministro pelo bloqueio a investimentos governamentais, faça-o como ideólogo e verdadeiro condutor do governo.
Ninguém lhe negará, jamais, sua profunda preocupação social, manifestada no assistencialismo permanente, sólido, infalível, aos banqueiros sob risco de perder alguma coisa de suas fortunas. É isso que lhe dá autoridade moral para repelir com energia, com agressividade até, a idéia de que o salário mínimo suba, no ano que vem, de R$ 180 para R$ 200. Coisa de absurdos 10%, mesmo 11%. Não foi à toa que o ministro Pedro Malan telefonou a líderes governistas no Congresso, e o fez várias vezes nos últimos dias, para chamar de fariseus e hipócritas os que defendem alguma correção na tabela do Imposto de Renda e de irresponsáveis os que pensam no mínimo de R$ 200.
O ministro Pedro Malan logo percebeu que, de qualquer jeito, a cesta básica já está acima de R$ 200. Ele teve o cuidado de assegurar aos atacadistas e aos supermercados os benfeitos aumentos, neste ano, de 20% a 25% no preço da carne, 30% no do frango fernandista, 31% no óleo de soja, 40% no arroz e 130% no feijão. Ou seja, bons preços especialmente voltados para os produtos básicos da cesta básica. Sem falarmos no que a Constituição exige do salário mínimo, que deve (deveria, e olhe lá) assegurar à "família moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestiário, higiene, transporte e previdência social".
Para que tudo isso, se os assaltos e a demais criminalidade pode dar o mesmo? Não é preciso responder. O ministro Pedro Malan o faz em nome do país. Ele é economista, e os economistas vivem falando, no seu patuá, em risco Argentina, risco Brasil, risco Coréia.
Só convém que visitantes estrangeiros estejam advertidos, se estrangeiros insistirem em ser visitantes, e os brasileiros aprendamos a usufruir a vida aventureira entre os riscos sem hora e sem lugar.


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