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JANIO DE FREITAS
O verdadeiro risco Brasil
O mais praticado comentário
oficial e oficioso sobre o assassinato do iatista Peter Blake,
segundo o qual essa barbaridade
difunde no mundo imagem negativa do Brasil, é uma vulgaridade
equivocada. O que fatos de tal ordem difundem é a imagem realista do Brasil, país onde não mais
existe espaço algum em que uma
pessoa possa sentir-se imune a
um assalto, um tiro, uma violência qualquer.
Ao invés de imagem negativa, a
morte estúpida de Blake difunde
uma advertência positiva e muito
necessária, para visitantes estrangeiros e para brasileiros também. Aqui, o lazer é um risco, o
trânsito é um risco, a calçada é
um risco, a morada é um risco, o
banco é um risco, tudo é risco. Inclusive a polícia: ninguém, abordado por policial, está antecipadamente seguro de que se vê
diante da chamada autoridade e
não de um assaltante ou achacador -as estatísticas que o digam.
O problema excedeu a capacidade das administrações estaduais. Na quase totalidade dos
Estados, por incompetência até
para atenuar o problema. Na totalidade, por falta de recursos.
Mas, acima de tudo, porque as
causas do problema não podem
ser tratadas em âmbito estadual
-são próprias de governo federal.
Em um dos sucessivos momentos mais agudos da barbaridade,
o governo federal fez reuniões,
muitas exibições para TV e jornais, discursos e solenidades para
lançar o Plano Nacional de Segurança. Crua embora, a palavra
adequada para definir o que se
passou é mentira. Pode ser farsa,
também, e nada melhora. Nem o
plano seria capaz de resultados
consideráveis, nem o governo tomou as providências anunciadas,
já a partir de que não foi feita, pela área econômica, a liberação
das verbas divulgadas na pompa
presidencial.
Paulistanos, de classe média
para cima, não vão ver a periferia
onde estão suas favelas, piores
que as piores nas piores concentrações da miséria nordestina.
Não vêem as multidões de adolescentes e adultos moços que perambulam nas concentrações populares, à vista de todos nas cidades em que as classes econômicas
se interpenetram espacialmente.
Multidões que são a fonte da criminalidade urbana, com a parcela cada vez maior dos que se sentem liberados das regras e adotam o crime como alternativa fácil para uma vida que, de qualquer modo, não fugirá à pobreza,
ao abandono pelo Estado, à inutilidade do trabalho e das regras.
Saudemos, pois, o ministro Pedro Malan. Pela contribuição,
por sete anos seguidos, para que
se acentuem as características da
brasilidade, com a crescente concentração de renda e o mais intenso aprofundamento do apartheid social. Faça-o o ministro pelo bloqueio a investimentos governamentais, faça-o como ideólogo e verdadeiro condutor do governo.
Ninguém lhe negará, jamais,
sua profunda preocupação social,
manifestada no assistencialismo
permanente, sólido, infalível, aos
banqueiros sob risco de perder alguma coisa de suas fortunas. É isso que lhe dá autoridade moral
para repelir com energia, com
agressividade até, a idéia de que
o salário mínimo suba, no ano
que vem, de R$ 180 para R$ 200.
Coisa de absurdos 10%, mesmo
11%. Não foi à toa que o ministro
Pedro Malan telefonou a líderes
governistas no Congresso, e o fez
várias vezes nos últimos dias, para chamar de fariseus e hipócritas
os que defendem alguma correção na tabela do Imposto de Renda e de irresponsáveis os que pensam no mínimo de R$ 200.
O ministro Pedro Malan logo
percebeu que, de qualquer jeito, a
cesta básica já está acima de R$
200. Ele teve o cuidado de assegurar aos atacadistas e aos supermercados os benfeitos aumentos,
neste ano, de 20% a 25% no preço
da carne, 30% no do frango fernandista, 31% no óleo de soja,
40% no arroz e 130% no feijão.
Ou seja, bons preços especialmente voltados para os produtos básicos da cesta básica. Sem falarmos
no que a Constituição exige do
salário mínimo, que deve (deveria, e olhe lá) assegurar à "família
moradia, alimentação, educação,
saúde, lazer, vestiário, higiene,
transporte e previdência social".
Para que tudo isso, se os assaltos e a demais criminalidade pode dar o mesmo? Não é preciso
responder. O ministro Pedro Malan o faz em nome do país. Ele é
economista, e os economistas vivem falando, no seu patuá, em
risco Argentina, risco Brasil, risco
Coréia.
Só convém que visitantes estrangeiros estejam advertidos, se
estrangeiros insistirem em ser visitantes, e os brasileiros aprendamos a usufruir a vida aventureira
entre os riscos sem hora e sem lugar.
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