São Paulo, quinta-feira, 09 de dezembro de 2004

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HERANÇA MILITAR

Regulamentação para abrir arquivos não extingue a possibilidade de papéis ficarem em segredo indefinidamente

Lula revoga lei de FHC e cria novo sigilo eterno

IURI DANTAS
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

A regulamentação que o governo federal prepara sobre a divulgação de arquivos e documentos classificados mantém a possibilidade do sigilo eterno de papéis produzidos pelo governo.
Ontem, o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, justificou esse mecanismo com base em um inciso da Constituição sobre informações relacionadas à segurança do Estado e da sociedade. "Há de haver algum caso em que o sigilo possa ser prolongado [indefinidamente]", disse.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva deve assinar hoje um decreto revogando outro, editado por Fernando Henrique Cardoso em 2002, que pela primeira vez permitia a renovação por tempo indeterminado do sigilo de documentos. Revogado este decreto, voltam a valer os prazos criados em 1997, também por meio de um decreto de Fernando Henrique.
Está prevista ainda a edição de uma medida provisória que mudaria o método da classificação e desclassificação dos documentos. Segundo o texto ainda em estudo no Planalto, será criada uma comissão de ministros responsável por analisar os sigilos. A avaliação será feita com base em circunstâncias políticas e econômicas vividas pelo país, por exemplo.
Hoje, um comandante militar pode classificar um arquivo como ultra-secreto, e seu sigilo poderá ser renovado indefinidamente. Com a mudança pretendida pelo governo, caberá ao colegiado de ministros a definição do tempo de sigilo, que poderá ser menor, maior ou até eterno. Os arquivos do regime militar que desencadearam o debate sobre o sigilo de documentos públicos contêm papéis classificados como ultra-secretos e secretos. Não está claro, porém, que tipo de informações se tornará disponível mais rapidamente com a nova legislação.
Farão parte da comissão os Ministérios da Justiça, Defesa, Casa Civil e Relações Exteriores, além da Secretaria Especial de Direitos Humanos, do Gabinete de Segurança Institucional e da AGU (Advocacia Geral da União).
Segundo o Ministério da Justiça, o objetivo do governo é flexibilizar os arquivos e tornar mais fácil a divulgação de documentos. Bastos disse que não daria detalhes, mas confirmou que será mantida a possibilidade de deixar documentos sob sigilo indefinidamente. Militares e diplomatas pressionam para que alguns documentos nunca venham a público.

Constituição
A justificativa para o sigilo eterno de documentos seria o inciso 33 do artigo 5º da Constituição de 1988, segundo Bastos. O item assinala que "todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado".
Na interpretação do governo, essa ressalva diz respeito tanto ao conteúdo dos documentos, quanto aos prazos para que sejam divulgados: estaria implícito na Constituição que algumas informações não deveriam nunca ser divulgadas para proteger o país.
O decreto editado por FHC em 1997, e que voltará a valer com a revogação do decreto de 2002, estabelece apenas uma regra temporal: os arquivos relacionados à segurança do Estado e da sociedade ficariam sigilosos por 30 anos, prorrogáveis por outros 30. Depois, deveriam se tornar públicos. O governo Lula credita a FHC a criação do mecanismo de sigilo eterno dos documentos.
Na mesma entrevista coletiva, o ministro Álvaro Ribeiro Costa (AGU) afirmou que o governo cumprirá a decisão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, que determinou a abertura de arquivos sobre a guerrilha do Araguaia. Será encaminhado à Justiça o relatório da comissão ministerial criada em 2003 sobre o caso.
Costa sugeriu que talvez as informações levantadas pelo governo não sejam as desejadas pela Justiça: "Pede-se informação, basicamente isso. Saber se a informação é satisfatória ou não depende da Justiça". Bastos negou-se a dizer se a comissão localizou ossadas de militantes ou papéis inéditos: "Não posso responder isso, porque está sob sigilo. A comissão fez o máximo que podia".


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