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HERANÇA MILITAR
Regulamentação para abrir arquivos não extingue a possibilidade de papéis ficarem em segredo indefinidamente
Lula revoga lei de FHC e cria novo sigilo eterno
IURI DANTAS
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
A regulamentação que o governo federal prepara sobre a divulgação de arquivos e documentos
classificados mantém a possibilidade do sigilo eterno de papéis
produzidos pelo governo.
Ontem, o ministro da Justiça,
Márcio Thomaz Bastos, justificou
esse mecanismo com base em um
inciso da Constituição sobre informações relacionadas à segurança do Estado e da sociedade.
"Há de haver algum caso em que
o sigilo possa ser prolongado [indefinidamente]", disse.
O presidente Luiz Inácio Lula da
Silva deve assinar hoje um decreto revogando outro, editado por
Fernando Henrique Cardoso em
2002, que pela primeira vez permitia a renovação por tempo indeterminado do sigilo de documentos. Revogado este decreto,
voltam a valer os prazos criados
em 1997, também por meio de um
decreto de Fernando Henrique.
Está prevista ainda a edição de
uma medida provisória que mudaria o método da classificação e
desclassificação dos documentos.
Segundo o texto ainda em estudo
no Planalto, será criada uma comissão de ministros responsável
por analisar os sigilos. A avaliação
será feita com base em circunstâncias políticas e econômicas vividas pelo país, por exemplo.
Hoje, um comandante militar
pode classificar um arquivo como
ultra-secreto, e seu sigilo poderá
ser renovado indefinidamente.
Com a mudança pretendida pelo
governo, caberá ao colegiado de
ministros a definição do tempo de
sigilo, que poderá ser menor,
maior ou até eterno. Os arquivos
do regime militar que desencadearam o debate sobre o sigilo de
documentos públicos contêm papéis classificados como ultra-secretos e secretos. Não está claro,
porém, que tipo de informações
se tornará disponível mais rapidamente com a nova legislação.
Farão parte da comissão os Ministérios da Justiça, Defesa, Casa
Civil e Relações Exteriores, além
da Secretaria Especial de Direitos
Humanos, do Gabinete de Segurança Institucional e da AGU
(Advocacia Geral da União).
Segundo o Ministério da Justiça,
o objetivo do governo é flexibilizar os arquivos e tornar mais fácil
a divulgação de documentos. Bastos disse que não daria detalhes,
mas confirmou que será mantida
a possibilidade de deixar documentos sob sigilo indefinidamente. Militares e diplomatas pressionam para que alguns documentos
nunca venham a público.
Constituição
A justificativa para o sigilo eterno de documentos seria o inciso
33 do artigo 5º da Constituição de
1988, segundo Bastos. O item assinala que "todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular,
ou de interesse coletivo ou geral,
que serão prestadas no prazo da
lei, sob pena de responsabilidade,
ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da
sociedade e do Estado".
Na interpretação do governo,
essa ressalva diz respeito tanto ao
conteúdo dos documentos, quanto aos prazos para que sejam divulgados: estaria implícito na
Constituição que algumas informações não deveriam nunca ser
divulgadas para proteger o país.
O decreto editado por FHC em
1997, e que voltará a valer com a
revogação do decreto de 2002, estabelece apenas uma regra temporal: os arquivos relacionados à
segurança do Estado e da sociedade ficariam sigilosos por 30 anos,
prorrogáveis por outros 30. Depois, deveriam se tornar públicos.
O governo Lula credita a FHC a
criação do mecanismo de sigilo
eterno dos documentos.
Na mesma entrevista coletiva, o
ministro Álvaro Ribeiro Costa
(AGU) afirmou que o governo
cumprirá a decisão do Tribunal
Regional Federal da 1ª Região,
que determinou a abertura de arquivos sobre a guerrilha do Araguaia. Será encaminhado à Justiça
o relatório da comissão ministerial criada em 2003 sobre o caso.
Costa sugeriu que talvez as informações levantadas pelo governo não sejam as desejadas pela
Justiça: "Pede-se informação, basicamente isso. Saber se a informação é satisfatória ou não depende da Justiça". Bastos negou-se a dizer se a comissão localizou
ossadas de militantes ou papéis
inéditos: "Não posso responder
isso, porque está sob sigilo. A comissão fez o máximo que podia".
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