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CASO SANTO ANDRÉ
Pelo menos 19 conversas sobre a morte de Daniel não foram transcritas nos autos; PF diz desprezar o que acha irrelevante
Polícia filtrou grampos enviados à Justiça
LILIAN CHRISTOFOLETTI
RUBENS VALENTE
DA REPORTAGEM LOCAL
As escutas telefônicas feitas durante a investigação sobre o assassinato do prefeito de Santo André
Celso Daniel (PT) foram filtradas
pela Polícia Federal antes de serem encaminhadas à Justiça.
Pelo menos 19 conversas gravadas, com assuntos referentes ao
homicídio ou à vítima, não foram
transcritas nos autos.
A Folha obteve a gravação de 82
diálogos e os comparou com 181
conversas transcritas e enviadas
ao então juiz-corregedor Maurício Lemos Porto Alves, do Dipo
(Departamento de Inquéritos Policiais e Polícia Judiciária) entre
janeiro e julho de 2002. Mesmo
nos áudios que constam do material enviado à Justiça, faltam palavras e frases inteiras.
A lei nº 9.296/96, que regula o
uso de interceptações telefônicas,
prevê que "a gravação que não interessar à prova será inutilizada
por decisão judicial".
Nas fitas do caso Santo André,
segundo a Justiça estadual, a PF
estava obrigada a transcrever todos os assuntos relacionados ao
homicídio ou à vítima -as conversas às quais a Folha teve acesso
não comprovam esquema de propina ou a autoria do assassinato.
A destruição, segundo a lei, deve ser feita na presença de um representante do Ministério Público. Promotores estaduais e procuradores federais que atuam no caso disseram nunca ter tido acesso
às conversas nem participado de
atos de destruição de fitas.
Na opinião do juiz Jorge Massad, vice-presidente da AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros), a omissão de conversas
que fazem referência ao homicídio é crime de obstrução à Justiça.
A Polícia Federal informou que
o órgão tem "autoridade e autonomia para definir a linha de investigação e desprezar o que considerar irrelevante".
O juiz estadual, no entanto, não
recebeu a seguinte conversa entre
um homem identificado como
Ozias (a Promotoria acredita ser o
empresário de ônibus Ozias Vaz)
e um amigo não-identificado:
HNI (homem não-identificado) -
Você não é fraco, não. Não sai da
Globo mais. [Risos]
Ozias - Esses meus amigos só me
botam em fria.
HNI - Mas esse cara está envolvido. [...] Uma hora eu te falo. Queria falar pessoalmente para te
passar umas informações que a
televisão não vai divulgar. Mas
você deve saber, né?
Ozias - O cara é meu amigo. [...]
Cara legal.
HNI - Eu sei... Ali ele pisou na bola, viu?
Ozias - Sei lá, tem que esperar
para ver.
HNI - Ele foi muito burro pra caramba. Ele subestimou, viu? Tem
que gostar muito do Sérgio agora.
Ozias - Pois é. [...] Mas, no fundo,
está todo mundo fodido.
O diálogo se refere às suspeitas
contra o empresário Sérgio Gomes da Silva, hoje preso sob acusação de ser o mandante da morte. Ele nega participação no crime.
Ao mesmo tempo em que não
recebeu a transcrição da PF sobre
essa conversa, o juiz estadual recebeu um diálogo entre dois homens que tratavam do encontro
amoroso de um deles.
Cortes
Em outra conversa não enviada
à Justiça, Ivone de Santana, mulher de Celso Daniel, perguntou a
um advogado do escritório do deputado federal Luiz Eduardo
Greenhalgh (PT-SP) se a polícia
ainda trabalhava com a versão de
crime encomendado para explicar a morte do prefeito.
O advogado respondeu: "Lá no
fundinho, eles [os policiais] ainda
trabalham com a tese de que algum empresário, que teve algum
interesse grande prejudicado...
Pode ser que aconteça isso. Isso
acontece na vida política. Mas eu
falei que quase todo empresário
de Santo André a gente conhece".
Um terceiro diálogo não-transcrito trata de bastidores políticos.
Gilberto Carvalho, ex-secretário
de Governo de Santo André e
atual chefe-de-gabinete do presidente Luiz Inácio Lula da Silva,
diz a Ana Carla Albiero, então diretora da Secretaria de Serviços
Municipais, que, "nessa hora [logo após a morte do prefeito], foi
de um desastre político enorme"
uma certa decisão de autoridade
da Prefeitura de Santo André.
A omissão de frases inteiras é a
marca de vários diálogos cujas
transcrições foram enviadas à
Justiça. Numa conversa com Gilberto Carvalho, o ex-secretário de
Serviços Municipais e hoje vereador pelo PT, Klinger Luiz de Oliveira Souza, afirma: "Então eu
acho que é legal essa postura de ir
para cima, de ameaçar mesmo
com investigação paralela". Essa
frase desapareceu da transcrição.
A resposta de Carvalho também
sumiu: "O João [Avamileno, atual
prefeito], junto com a bancada e o
[deputado] Carlinhos Almeida,
vai pedir uma audiência com o
Alckmin [governador de SP] também amanhã. [...] Nós vamos para cima, cara. É insuportável".
Destruição
Essas fitas são as mesmas que
deveriam ter sido destruídas por
determinação do juiz federal João
Carlos da Rocha Mattos, da 4ª Vara Criminal de São Paulo, que, em
abril de 2003, entendeu ter sido
ilegal a forma pela qual a PF obteve a ordem judicial para fazer as
interceptações.
A ordem do juiz, que está preso
pela Operação Anaconda sob
acusação de liderar uma quadrilha, não foi cumprida.
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