São Paulo, quarta-feira, 10 de julho de 2002

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

CRISE NO GOVERNO

Ex-ministro critica decisão de engavetar intervenção no ES

Reale diz que recuo de FHC fortalece crime organizado

IURI DANTAS
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Em seu último dia como ministro da Justiça, o advogado Miguel Reale Júnior, 58, criticou o presidente Fernando Henrique Cardoso e classificou de "risível" e "absurda" a criação de uma força-tarefa para enfrentar o crime organizado no Espírito Santo.
Para o ex-ministro, a opção de engavetar o pedido de intervenção federal no Estado adotada pelo procurador-geral da República, Geraldo Brindeiro, e aprovada por FHC, fortalece o crime organizado, que deve estar soltando "fogos de artifício".
O anúncio da criação da força, semelhante à que atua no Rio de Janeiro e com o apoio da Polícia Federal, foi feito anteontem por Brindeiro, após reunião com FHC e foi um dos motivos do pedido de demissão de Reale.
Ele se sentiu desautorizado ao não ficar sabendo da mudança de planos.
A saída de Reale do Ministério da Justiça resultou no pedido de demissão de outros cinco assessores do ex-ministro. Para evitar maiores desgastes, FHC dará posse hoje ao novo ministro Paulo de Tarso Ramos Ribeiro, que estava na Secretaria de Direito Econômico.
"Fazer força-tarefa, tal como no Rio de Janeiro, no Espírito Santo é apenas risível. Criar a força com as instituições policiais sem nenhuma credibilidade é um verdadeiro absurdo", disse Reale.
O recuo do governo federal, que na quinta-feira aprovou a intervenção no Espírito Santo e quatro dias depois arquivou o processo na Procuradoria Geral, segundo o ministro, leva risco às testemunhas e vítimas do narcotráfico. "Quem deve estar feliz, quem deve estar soltando fogos de artifício é o crime organizado."
Reale Júnior endureceu o discurso sobre a decisão de engavetar o pedido de intervenção federal no Espírito Santo, aprovado pelo CDDPH (Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana). Para ele, a "análise política" que foi feita, em detrimento de uma avaliação jurídica, foi equivocada. "Nesta matéria não se pode fazer avaliações de ordem política porque o que está em jogo são vidas humanas", afirmou, ressaltando que "o crime organizado saiu fortalecido".
Reale Júnior voltou a afirmar que o envolvimento de FHC com a decisão de engavetar a intervenção o desautorizou na posição de titular da pasta da Justiça. "As posições do presidente da República entraram em absoluta dissonância com a posição do ministério."
O advogado desembarcou em Brasília por volta das 10h20 de ontem. Ele esteve em São Paulo anteontem, onde assinou acordo para combater crimes econômicos.
Caso continuasse no governo, Reale Júnior afirmou que se transformaria em um "ministro meia-boca", por não ter mais autonomia de decisão em relação a seus subordinados. Segundo ele, a criação de força-tarefa é de responsabilidade do ministro da Justiça, e não do procurador-geral.
Segundo Reale Júnior, não havia "descompasso" entre a aprovação do relatório pelo CDDPH e a opinião do presidente, porque os dois já haviam conversado antes da reunião do dia 4.
O ministro respondeu às declarações de José Carlos Gratz, presidente da Assembléia Legislativa capixaba, que endossou a decisão de Geraldo Brindeiro de arquivar o processo de intervenção. Ontem, o deputado afirmou que a opção tinha "lucidez jurídica".
"O senhor Gratz, que conhece o direito na posição de réu, não tem possibilidade de dar lição de direito para mim", disse o ministro que afirmou haver 14 processos criminais contra o deputado.



Texto Anterior: Painel
Próximo Texto: Saiba Mais: Intervenção impede votação de emendas constitucionais
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.