São Paulo, quarta-feira, 10 de julho de 2002

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BASTIDORES

FHC havia dado "sinal verde" à intervenção

ELIANE CANTANHÊDE
DIRETORA DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Dois dias antes da aprovação do pedido de intervenção no Espírito Santo, o então ministro Miguel Reale Júnior e os três relatores do processo no CDDPH (Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana) almoçaram na Academia de Tênis de Brasília com o procurador-geral da República, Geraldo Brindeiro.
Tudo foi acertado com ele e submetido duas vezes, previamente, ao presidente Fernando Henrique Cardoso. Era terça-feira, dia 2 de julho. No Palácio do Planalto, FHC recebia a seleção pentacampeã. No restaurante, até as 16h30, os especialistas definiam a forma final do pedido de intervenção: com base na "garantia dos direitos humanos", e não arguindo "manutenção da ordem".
No primeiro caso, finalmente escolhido, o pedido é encaminhado ao procurador-geral (o próprio Brindeiro) e depois ao Supremo Tribunal Federal. No segundo, "manutenção da ordem", todo o ônus político recai sobre o presidente da República.
Tudo acertado com Brindeiro, Reale Júnior foi ao Planalto informar a cúpula do governo. Falou, primeiro, com os ministros Pedro Parente (Casa Civil) e Euclides Scalco (Secretaria Geral da Presidência). Os dois não só concordaram como elogiaram.
O passo final de Reale foi avisar diretamente FHC, em conversa rápida no Planalto, pouco antes da reunião ministerial. Segundo ele, FHC deu sinal verde: "De acordo. Faça o que tiver que ser feito". Na quarta, o ex-ministro voltou a conversar longamente sobre o pedido com Parente e Scalco, durante viagem para reunião da Itaipu Binacional no Paraná -da qual são conselheiros.
À noite, Reale voltou a falar com FHC, confirmando que a decisão seria oficializada na quinta, e o presidente novamente a apoiou. O conselho se reuniu e fez o previsto. Ao lado de Reale, Brindeiro aplaudiu literalmente a decisão e ainda pediu a palavra para cumprimentar os relatores.

"Estupefato"
"É por isso que eu fiquei estatelado, estupefato, quando soube que estávamos sendo desautorizados pelo presidente e pelo Brindeiro", relatou Reale ontem à Folha. Ele estava em São Paulo, indo para casa, quando recebeu um telefonema do secretário de Direitos Humanos do Ministério da Justiça, Paulo Sérgio Pinheiro: "Você viu, Reale? O Brindeiro está desfazendo tudo!".
Depois de falar com FHC, o procurador dizia em entrevista que não daria encaminhamento ao pedido de intervenção e anunciava uma "força-tarefa" no Espírito Santo. Forças-tarefas são de competência do Ministério da Justiça. Reale nem foi consultado. Pinheiro aproximou o seu telefone da televisão, para que o ministro pudesse ouvir do outro lado da linha e saber o que se passava.
"Foi tudo à minha revelia, sem um telefonema, sem um recado, sem nada. Eu fui publicamente desautorizado", reclamava ele ontem, num tom semelhante ao que usara ao pedir demissão a FHC, por telefone, na véspera.
Uma conversa dura. FHC alegou que o país vive "uma crise financeira" e que uma mudança na Justiça desgastaria ainda mais o governo. Reale respondeu que não poderia ficar, até por uma questão pessoal: "Com que cara vou comandar a Polícia Federal?".
Contou, inclusive, algo até agora inédito: há cerca de dez dias, quando discutia soluções para a violência no Rio, recebeu um e-mail com ameaça de morte -""um tiro na cara". Rastreado, era originado do Rio de Janeiro.
Na versão do ex-ministro, FHC jogou a culpa pelo recuo no procurador: "É problema do Brindeiro!". Reale não aceitou: "Procurador fala nos autos. Por que o senhor não me chamou?".
Na versão de assessores e amigos do presidente, o recuo foi movido por um "choque de realidade": pedir a intervenção é uma coisa, executá-la é outra muito mais difícil, ainda mais em ano de eleição. FHC não quis o desgaste.
Reale cancelou a viagem que faria à Costa Rica, para encontros com os presidentes da República e da Suprema Corte, e marcou a ida a Brasília para ontem.
Recebeu, ainda, telefonemas dos ministros Scalco e Celso Lafer (Relações Exteriores), do governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, e de seu antecessor na Justiça, Aloysio Nunes Ferreira. "Alguns deles me deram razão."
Qualquer tentativa de conciliação foi derrubada pela entrevista do porta-voz da Presidência da República, Alexandre Parola, dizendo que Fernando Henrique aceitara a demissão e estava escolhendo o sucessor. "Entendi o recado", afirmou Reale, que viu a entrevista pelo "Jornal Nacional" da Rede Globo e percebeu o quanto as relações entre ele e o presidente ficaram trincadas.



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