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BASTIDORES
FHC havia dado "sinal verde" à intervenção
ELIANE CANTANHÊDE
DIRETORA DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Dois dias antes da aprovação do
pedido de intervenção no Espírito
Santo, o então ministro Miguel
Reale Júnior e os três relatores do
processo no CDDPH (Conselho
de Defesa dos Direitos da Pessoa
Humana) almoçaram na Academia de Tênis de Brasília com o
procurador-geral da República,
Geraldo Brindeiro.
Tudo foi acertado com ele e submetido duas vezes, previamente,
ao presidente Fernando Henrique
Cardoso. Era terça-feira, dia 2 de
julho. No Palácio do Planalto,
FHC recebia a seleção pentacampeã. No restaurante, até as 16h30,
os especialistas definiam a forma
final do pedido de intervenção:
com base na "garantia dos direitos humanos", e não arguindo
"manutenção da ordem".
No primeiro caso, finalmente
escolhido, o pedido é encaminhado ao procurador-geral (o próprio Brindeiro) e depois ao Supremo Tribunal Federal. No segundo, "manutenção da ordem", todo o ônus político recai sobre o
presidente da República.
Tudo acertado com Brindeiro,
Reale Júnior foi ao Planalto informar a cúpula do governo. Falou,
primeiro, com os ministros Pedro
Parente (Casa Civil) e Euclides
Scalco (Secretaria Geral da Presidência). Os dois não só concordaram como elogiaram.
O passo final de Reale foi avisar
diretamente FHC, em conversa
rápida no Planalto, pouco antes
da reunião ministerial. Segundo
ele, FHC deu sinal verde: "De
acordo. Faça o que tiver que ser
feito". Na quarta, o ex-ministro
voltou a conversar longamente
sobre o pedido com Parente e
Scalco, durante viagem para reunião da Itaipu Binacional no Paraná -da qual são conselheiros.
À noite, Reale voltou a falar com
FHC, confirmando que a decisão
seria oficializada na quinta, e o
presidente novamente a apoiou.
O conselho se reuniu e fez o previsto. Ao lado de Reale, Brindeiro
aplaudiu literalmente a decisão e
ainda pediu a palavra para cumprimentar os relatores.
"Estupefato"
"É por isso que eu fiquei estatelado, estupefato, quando soube
que estávamos sendo desautorizados pelo presidente e pelo Brindeiro", relatou Reale ontem à Folha. Ele estava em São Paulo, indo
para casa, quando recebeu um telefonema do secretário de Direitos Humanos do Ministério da
Justiça, Paulo Sérgio Pinheiro:
"Você viu, Reale? O Brindeiro está
desfazendo tudo!".
Depois de falar com FHC, o procurador dizia em entrevista que
não daria encaminhamento ao
pedido de intervenção e anunciava uma "força-tarefa" no Espírito
Santo. Forças-tarefas são de competência do Ministério da Justiça.
Reale nem foi consultado. Pinheiro aproximou o seu telefone da televisão, para que o ministro pudesse ouvir do outro lado da linha
e saber o que se passava.
"Foi tudo à minha revelia, sem
um telefonema, sem um recado,
sem nada. Eu fui publicamente
desautorizado", reclamava ele ontem, num tom semelhante ao que
usara ao pedir demissão a FHC,
por telefone, na véspera.
Uma conversa dura. FHC alegou que o país vive "uma crise financeira" e que uma mudança na
Justiça desgastaria ainda mais o
governo. Reale respondeu que
não poderia ficar, até por uma
questão pessoal: "Com que cara
vou comandar a Polícia Federal?".
Contou, inclusive, algo até agora inédito: há cerca de dez dias,
quando discutia soluções para a
violência no Rio, recebeu um e-mail com ameaça de morte
-""um tiro na cara". Rastreado,
era originado do Rio de Janeiro.
Na versão do ex-ministro, FHC
jogou a culpa pelo recuo no procurador: "É problema do Brindeiro!". Reale não aceitou: "Procurador fala nos autos. Por que o senhor não me chamou?".
Na versão de assessores e amigos do presidente, o recuo foi movido por um "choque de realidade": pedir a intervenção é uma
coisa, executá-la é outra muito
mais difícil, ainda mais em ano de
eleição. FHC não quis o desgaste.
Reale cancelou a viagem que faria à Costa Rica, para encontros
com os presidentes da República
e da Suprema Corte, e marcou a
ida a Brasília para ontem.
Recebeu, ainda, telefonemas
dos ministros Scalco e Celso Lafer
(Relações Exteriores), do governador de São Paulo, Geraldo
Alckmin, e de seu antecessor na
Justiça, Aloysio Nunes Ferreira.
"Alguns deles me deram razão."
Qualquer tentativa de conciliação foi derrubada pela entrevista
do porta-voz da Presidência da
República, Alexandre Parola, dizendo que Fernando Henrique
aceitara a demissão e estava escolhendo o sucessor. "Entendi o recado", afirmou Reale, que viu a
entrevista pelo "Jornal Nacional"
da Rede Globo e percebeu o quanto as relações entre ele e o presidente ficaram trincadas.
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