|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ELIO GASPARI
O crime ganhou e
o ministro caiu
FFHH começou o
fim do seu governo ao criar uma situação na
qual o advogado Miguel Reale
Jr. teve que escolher entre sua
biografia e a permanência num
cargo onde com frequência serve-se melhor ao país abandonando-o do que nele permanecendo.Um dia, um ministro da
Justiça assumirá o cargo dizendo o seguinte:
"Chego a esta função na qual
estiveram, pelo tempo que puderam, liberticidas como Luís
Antonio da Gama e Silva e Alfredo Buzaid. Um redigiu o AI-5
e o outro nele sentiu-se confortável. Dessa mesma sala foram-se embora, empurrados pelos
seus princípios, o marquês de
Paraná, por causa de uma nomeação na alfândega, Milton
Campos e Mem de Sá, na infância da ditadura de 1964, José
Carlos Dias e Miguel Reale Jr.,
na redemocratização atucanada. Assumo olhando para o
exemplo de quem saiu, aterrorizado pela visão dos que ficaram".
Num confronto entre a lei e o
crime, o desassombro administrativo e o embaraço político,
FFHH desautorizou a posição
de Reale Jr. e do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana e recuou de sua decisão
de solicitar ao Supremo Tribunal Federal a intervenção federal no Espírito Santo.
Ganhou, entre outros, o presidente da Assembléia capixaba,
José Carlos Gratz, ex-bicheiro
assumido, do PFL. Ganhou e comemorou: "Eu tinha certeza
que o pedido seria engavetado".
Glória a Gratz, imperador da
jogatina, acusado por procuradores do Estado e pela CPI do
Narcotráfico de ser o chefe do
braço político do crime organizado na região. Não se sabe com
base em que informações Gratz
tinha a sua certeza, mas se sabe
que Reale Jr. considerou-se amparado por FFHH. Nas suas palavras: "No dia da aprovação do
pedido de intervenção pelo conselho, liguei para o presidente e
ele aprovou e festejou a decisão".
Seria muita ingenuidade acreditar que os morros brasileiros
produzem tipos como Elias Maluco por geração espontânea. O
crime é forte porque tem força e,
por ter força, derruba ministro
da Justiça. Seria injusto supor
que FFHH desautorizou Reale
Jr. por conta da mais remota relação com criminosos. Não se
trata disso. Trata-se de cair na
teia da delinquência por meio
de uma concepção oportunista
de manutenção da ordem política na qual se pode fazer tudo,
menos balançar o coreto das autoridades.
Houve uma época em que a
bandidagem do Rio de Janeiro
era espalhafatosa, mas quase
amadora. Em Caxias reinava
Tenório Cavalcanti, um político
que andava de capa preta, colete de aço e submetralhadora à
mão. (Chamava-a Lurdinha.)
Controlava o jogo do bicho e
mandava matar quem o desafiava, até que apareceu um delegado disposto a enfrentá-lo.
Chamava-se Albino Imparato.
Na madrugada de 28 de agosto
de 1953, ele foi metralhado dentro de um automóvel, no centro
da cidade. O inquérito policial
concluiria que Tenório havia
participado pessoalmente do
atentado.
Uma semana depois do crime,
a polícia cercou a casa de Tenório, mas ele era deputado federal pela UDN (o partido da moralidade, ascendente do que
veio a ser o PFL). Aquilo que era
um crime da Baixada Fluminense tornou-se uma questão
da política nacional. Tenório estava cercado por 50 policiais,
mas chegaram a Caxias, em seu
socorro, as seguintes personalidades, de vários partidos:
Nereu Ramos, presidente da
Câmara, oligarca catarinense e
futuro presidente interino da
República;
Osvaldo Aranha, ex-ministro
da Fazenda, ex-embaixador em
Washington;
Afonso Arinos, deputado, futuro senador e ministro das Relações Exteriores, membro da
Academia Brasileira de Letras.
Tamanho esforço republicano
destinava-se a impedir que a casa de Tenório, onde se supunha
que estivesse escondido um dos
assassinos de Imparato, fosse invadida durante a noite.
Aconselhado pela prudência
política, FFHH decidiu não pedir ao Supremo a intervenção
federal no Espírito Santo. Seus
motivos foram muito mais frágeis que os de Nereu, Aranha e
Arinos quando protegeram Tenório. Talvez tenha acreditado
que Miguel Reale Jr. engoliria o
recuo. Nesse caso, a cartela de
Gratz teve mais sorte que a sua.
Bingo.
Duas frases de FFHH ao visitar a Prefeitura do Rio no início
de junho, depois do seu metralhamento:
"Vamos definir algo efetivo,
porque não dá mais para
aguentar tanta violência";
"Não, não dá mais. Essas balas são de uso militar. Elas mostram que a situação ultrapassou
todos os limites".
Mal sabia ele que não só "dá
para aguentar" mas também
havia um limite a transpor. Numa transação em que o Estado e
o crime organizado tinham interesses conflitantes, prevaleceram os do crime, e foi-se embora o ministro da Justiça.
Texto Anterior: Repercussão Próximo Texto: Rumo às Eleições: Com arma na mão, Serra fala em "politizar a segurança" Índice
|