São Paulo, Domingo, 10 de Outubro de 1999
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RELAÇÕES EXTERIORES
Obra reúne discursos e artigos
Livro de Lampreia supera "diplomatês"

CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
da Sucursal de Brasília

Como muitas atividades profissionais, a diplomacia criou linguagem própria para encobrir a verdade ou, no mínimo, maquiá-la para lhe melhorar a face.
O "diplomatês", como o "economês", separa os iniciados dos mortais, impõe limites ao conhecimento público do que não pode ser secreto, disfarça problemas.
O ministro das Relações Exteriores, Luiz Felipe Lampreia, está lançando um livro, chamado "Diplomacia Brasileira: Palavras, Contextos e Razões" (Rio: Lacerda Editores, 420 páginas).
É uma coletânea de discursos e artigos feitos por ele no primeiro governo de Fernando Henrique Cardoso. Caso, como se antecipa, Lampreia siga como chanceler até o fim do segundo mandato de FHC, será a pessoa a ter ficado mais tempo como responsável pela política externa brasileira depois do barão do Rio Branco.
Essa curiosidade histórica, com certeza, fará com que esse volume tenha maior interesse documental do que já tem agora.
O registro dos arrazoados que justificam o comportamento do Brasil na política internacional neste final de século é, por si, razão importante para ler o livro.
Não importa se o leitor concorda com a política externa brasileira. Se quiser fazer uma crítica isenta, precisa conhecer os argumentos que a embasam.
Por mais que o "diplomatês" possa estar presente nos textos (e até que ele não é muito pesado em alguns), eles deixam vazar intenções e projetos reais.
Mas é quando Lampreia se afasta do "diplomatês" que "Diplomacia Brasileira" cresce.
Cada discurso ou artigo é antecedido (em páginas com fundo cinza, um cuidado editorial elogiável) por algumas considerações do ministro a respeito das circunstâncias de sua elaboração.
Por exemplo, antes da transcrição de um discurso feito em Lisboa em 1996, Lampreia deixa os floreios indispensáveis a qualquer pronunciamento do gênero (o enaltecimento da "amizade eterna" entre Brasil e Portugal).
E vai direto ao que interessa e que de fato aconteceu: problemas sérios nas relações entre os dois países ao longo de quase toda a sua história comum e, em especial, desde a década de 60.
Claro que, como Lampreia ainda é ministro, mesmo nessas notas de rodapé ampliadas, ele não se permite grandes liberdades.
Fala com mais descontração sobre episódios do passado, ainda que nem tão longínquos, mas se cerca de muitos cuidados quando trata dos temas de sua gestão.
Ainda assim, não há dúvidas, é nas páginas cinzas que reside o maior interesse de "Diplomacia Brasileira".
Algumas abrigam pequenos e sintéticos ensaios históricos sobre importantes relações bilaterais do Brasil com parceiros vitais, como Portugal e EUA.
A seleção dos textos é criteriosa e sua edição obedece a uma lógica inteligente. Na primeira parte, estão quatro discursos "programáticos", com visões gerais, amplas.
Seguem-se pronunciamentos sobre relações bilaterais (ou quase, já que alguns tratam dos interesses do Brasil com grupos de nações, como a África).
A terceira parte do livro cobre os assuntos econômicos, que provavelmente serão o cerne da atividade diplomática no século 21. Ali estão os temas que finalmente colocaram a política externa nas páginas dos jornais e nas telas de TV: Mercosul, Organização Mundial do Comércio.
No fecho, as questões políticas multilaterais: Organização das Nações Unidas, segurança internacional, acordos mundiais.
A diplomacia brasileira pode estar entrando num momento inédito, em que graves conflitos exijam sua participação como ator principal, não coadjuvante.
Se a situação na Colômbia, por exemplo, degringolar, o potencial explosivo e contaminante é enorme e o Brasil estará no olho do furacão. No caso de Angola, a proximidade geográfica não é tanta, mas nada no Atlântico Sul pode ser indiferente ao Brasil.
Problemas desse porte, mais a importância material de arranjos como Mercosul e OMC, tornam a diplomacia mais presente no cotidiano do brasileiro, que vai ter de aprender "diplomatês" para se posicionar. Esse livro, graças às páginas cinzas, ajuda o cidadão a compreender essa língua.


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