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RELAÇÕES EXTERIORES
Obra reúne discursos e artigos
Livro de Lampreia supera "diplomatês"
CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
da Sucursal de Brasília
Como muitas atividades profissionais, a diplomacia criou linguagem própria para encobrir a
verdade ou, no mínimo, maquiá-la para lhe melhorar a face.
O "diplomatês", como o "economês", separa os iniciados dos
mortais, impõe limites ao conhecimento público do que não pode
ser secreto, disfarça problemas.
O ministro das Relações Exteriores, Luiz Felipe Lampreia, está
lançando um livro, chamado "Diplomacia Brasileira: Palavras,
Contextos e Razões" (Rio: Lacerda Editores, 420 páginas).
É uma coletânea de discursos e
artigos feitos por ele no primeiro
governo de Fernando Henrique
Cardoso. Caso, como se antecipa,
Lampreia siga como chanceler até
o fim do segundo mandato de
FHC, será a pessoa a ter ficado
mais tempo como responsável
pela política externa brasileira depois do barão do Rio Branco.
Essa curiosidade histórica, com
certeza, fará com que esse volume
tenha maior interesse documental do que já tem agora.
O registro dos arrazoados que
justificam o comportamento do
Brasil na política internacional
neste final de século é, por si, razão importante para ler o livro.
Não importa se o leitor concorda com a política externa brasileira. Se quiser fazer uma crítica
isenta, precisa conhecer os argumentos que a embasam.
Por mais que o "diplomatês"
possa estar presente nos textos (e
até que ele não é muito pesado em
alguns), eles deixam vazar intenções e projetos reais.
Mas é quando Lampreia se afasta do "diplomatês" que "Diplomacia Brasileira" cresce.
Cada discurso ou artigo é antecedido (em páginas com fundo
cinza, um cuidado editorial elogiável) por algumas considerações do ministro a respeito das
circunstâncias de sua elaboração.
Por exemplo, antes da transcrição de um discurso feito em Lisboa em 1996, Lampreia deixa os
floreios indispensáveis a qualquer
pronunciamento do gênero (o
enaltecimento da "amizade eterna" entre Brasil e Portugal).
E vai direto ao que interessa e
que de fato aconteceu: problemas
sérios nas relações entre os dois
países ao longo de quase toda a
sua história comum e, em especial, desde a década de 60.
Claro que, como Lampreia ainda é ministro, mesmo nessas notas de rodapé ampliadas, ele não
se permite grandes liberdades.
Fala com mais descontração sobre episódios do passado, ainda
que nem tão longínquos, mas se
cerca de muitos cuidados quando
trata dos temas de sua gestão.
Ainda assim, não há dúvidas, é
nas páginas cinzas que reside o
maior interesse de "Diplomacia
Brasileira".
Algumas abrigam pequenos e
sintéticos ensaios históricos sobre
importantes relações bilaterais do
Brasil com parceiros vitais, como
Portugal e EUA.
A seleção dos textos é criteriosa
e sua edição obedece a uma lógica
inteligente. Na primeira parte, estão quatro discursos "programáticos", com visões gerais, amplas.
Seguem-se pronunciamentos
sobre relações bilaterais (ou quase, já que alguns tratam dos interesses do Brasil com grupos de
nações, como a África).
A terceira parte do livro cobre
os assuntos econômicos, que provavelmente serão o cerne da atividade diplomática no século 21. Ali
estão os temas que finalmente colocaram a política externa nas páginas dos jornais e nas telas de
TV: Mercosul, Organização Mundial do Comércio.
No fecho, as questões políticas
multilaterais: Organização das
Nações Unidas, segurança internacional, acordos mundiais.
A diplomacia brasileira pode estar entrando num momento inédito, em que graves conflitos exijam sua participação como ator
principal, não coadjuvante.
Se a situação na Colômbia, por
exemplo, degringolar, o potencial
explosivo e contaminante é enorme e o Brasil estará no olho do furacão. No caso de Angola, a proximidade geográfica não é tanta,
mas nada no Atlântico Sul pode
ser indiferente ao Brasil.
Problemas desse porte, mais a
importância material de arranjos
como Mercosul e OMC, tornam a
diplomacia mais presente no cotidiano do brasileiro, que vai ter de
aprender "diplomatês" para se
posicionar. Esse livro, graças às
páginas cinzas, ajuda o cidadão a
compreender essa língua.
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