São Paulo, Domingo, 10 de Outubro de 1999
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CELSO PINTO

O ajuste fiscal e as reformas

A aprovação das chamadas "reformas estruturais" é necessária, mas não suficiente para garantir o equilíbrio fiscal futuro. Foi a falta de controle de gastos, mais do que o impacto de um desequilíbrio estrutural, por exemplo, que levou ao salto nos gastos com a Previdência nos últimos anos.
As teses são de Fábio Giambiagi e Ana Cláudia Além, gerentes do Departamento Econômico do BNDES, e fazem parte de um artigo do livro "A Economia Brasileira nos anos 90", que está sendo lançado. O artigo pergunta como seria possível manter estável, ou declinante, a relação entre dívida líquida do setor público e PIB depois de 2001, quando acaba o acordo com o FMI.
A resposta convencional tem sido: se forem feitas as reformas estruturais, especialmente a da Previdência. A tese do artigo, ao contrário, é que, sem um esforço de controle de gastos isso não será possível, mesmo com as reformas aprovadas.
As contas fiscais do governo pioraram de 94 a 98, principalmente pelo pior resultado primário (receitas menos despesas, exceto juros), que passou de um superávit de 5,21% do PIB para 0,01%. As despesas não-financeiras subiram de 13,95% do PIB para 16,73%, um vigoroso salto de 2,78% do PIB.
Dois itens explicam a maior parte do salto. Os benefícios previdenciários subiram 1,11% do PIB, de 4,85% para 5,96%, e as despesas com custeio e capital subiram 1,46% do PIB, de 3,26% para 4,72%.
Culpa do déficit estrutural da Previdência? O desequilíbrio estrutural existe, mas a culpa do salto foi a decisão do governo FHC de aumentar os benefícios muito acima da inflação ocorrida. De julho de 94 a junho de 98 os benefícios subiram 99%, enquanto a inflação, medida pelo IGP, subiu 52%.
Se o governo tivesse mantido o critério tradicional de reajustar os benefícios corrigindo a inflação passada durante todo o período, os gastos da Previdência teriam caído e não subido, de 4,85% do PIB em 94 para 4,54% em 98.
No caso das despesas com custeio e investimentos, foram quatro os grandes ganhadores: Judiciário, educação, reforma agrária e transportes. Além disso, o pagamento da renda mínima para idosos e inválidos (no Loas) saiu de zero, em 94, para 0,3% do PIB em 98 e está subindo à média de 2,5% ao mês.
Tirando os gastos com o Judiciário, que saltaram de 0,14% do PIB em 94 para 0,24% em 98, um salto quase tão grande quanto o da educação (0,17% do PIB) e muito maior do que o da saúde (0,01% do PIB), outros gastos têm claras justificativas sociais. O fato, como lembra o artigo, é que não se pode dizer que esses gastos estiveram tão arrochados quanto alguns alegam.
A conclusão é que o déficit piorou não só por razões estruturais, mas também porque decidiu-se ampliar gastos. A melhora recente, por outro lado, se deu através de receitas extraordinárias (equivalentes a 2% do PIB em 98 e a 2,5% do PIB no Orçamento de 2000). Para manter sob controle as contas fiscais além de 2001, portanto, será preciso tornar perenes receitas extraordinárias e/ou controlar mais duramente os gastos.
Mas qual o tamanho do esforço necessário depois de 2001? O estudo faz várias simulações sobre como manter estável a relação dívida líquida/PIB, o indicador básico fiscal.
O estudo exclui da dívida líquida os 4% do PIB da base monetária, que entram na estatística oficial. Supondo uma dívida líquida de 45% do PIB no final do acordo com o FMI (equivalente a 49% no número do FMI) e uma inflação de 2%, o superávit primário necessário para estabilizar a relação dependerá do crescimento do PIB e dos juros.
Imaginando juros nominais de 12% (ou reais de 10%) e um crescimento de 3% do PIB, o superávit primário teria que ser de 2,9% do PIB. Crescendo a 4%, o superávit teria que ser de 2,4%.
É claro que, conforme as hipóteses de juros e de crescimento, a necessidade de superávit primário sobe enormemente (4,6% do PIB, com juros de 16% e crescimento de 3%), ou cai (pode ser déficit de 0,15% do PIB com crescimento de 6% e juros de 8%). É provável, contudo, que o esforço exigido fique entre 1,5% e 2,5% do PIB de superávit primário, mesmo num cenário razoável. É menos do que os mais de 3% exigidos hoje pelo FMI, mas indica que o esforço fiscal vai continuar bem além de 2001.
O déficit nominal, com 45% de dívida líquida/PIB (ou 49% no número do FMI) e com o PIB crescendo 3%, teria que ser contido em 2,27% do PIB. Crescendo a 4%, poderia ir a 2,68% do PIB. É ainda menor do que o teto de 3% fixado para os países da União Européia.
Giambiagi acha que a melhor forma de garantir a disciplina fiscal necessária seria fazer como a Argentina e incluir, numa Lei de Responsabilidade Fiscal, as metas fiscais futuras.


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