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AS ARTES PLÁSTICAS
Cabral considerava pintura como a "grande arte"
CASSIANO ELEK MACHADO
Editor-assistente interino da Ilustrada
João Cabral dizia que a grande
arte não era a literatura, mas a
pintura. Essa convicção lhe acompanhou desde cedo. E fez com
que chegasse a sujar as mãos com
tinta, quando jovem. Entre os
anos de 1939 e 1940, Cabral pintou
com muita frequência, segundo
relato da irmã mais nova do poeta, Maria de Lourdes.
O escritor não usava cavaletes.
Pintava com as telas apoiadas sobre uma mesa. Em tempos em
que a arte ainda era eminentemente figurativa, Cabral criava
pintura abstrata (Fernando Cabral de Melo, primo do poeta, ganhou dele duas telas abstratas feitas em 1940).
A relação com os pincéis não foi
duradoura, mas o amor à pintura
tingiu toda a sua trajetória.
Antonio Candido, na primeira
crítica importante feita sobre o
poeta (leia na pág. Especial-4), salientou: "As palavras, que têm um
poder sugestivo maior ou menor
conforme as relações que as ligam
umas com as outras, se dispõem
nos seus poemas quase como valores plásticos, nesse sistema fechado que assume às vezes o caráter de composição pictórica, e a
beleza nasce da sua interrelação".
O crítico comentava "Pedra do
Sono", de 1942. Nesse mesmo livro, João Cabral publica o poema
"Homenagem a Picasso", no qual
escreve: "Não há música aparentemente nos violinos fechados.
Apenas os recortes dos jornais
diários acenam para mim como o
juízo final".
Picasso continuou por muitos
anos figurando em sua pinacoteca de pintores prediletos. Mas foi
com outros artistas espanhóis que
o autor de "Museu de Tudo"
manteve relações mais estreitas.
A mais importante delas foi
com Joan Miró (1893-1983). Ele e
Cabral se conheceram em 1947,
quando Miró já havia colocado
seus asteriscos na história da arte.
Três anos depois, o poeta lançou na Espanha "Joan Miró", ensaio publicado com a companhia
de gravuras originais do artista
catalão. "A obra de Miró é, essencialmente, uma luta para devolver
ao pintor uma liberdade de composição há muito tempo perdida", escreve Cabral.
Para ele, o catalão não seria o
primeiro pintor do mundo a
abandonar a terceira dimensão,
mas seria "o primeiro a compreender que o tratamento da superfície como superfície libertava
o pintor de todo um conceito de
composição".
Na radiografia que traça da arte
de Miró, Cabral salienta essa liberdade de composição ao apontar a inexistência de sistemas que
norteassem seu processo criativo:
"Não existe uma gramática Miró.
Mais ainda: Miró não só não a formulou jamais como, e estou seguro disso, não possui um conceito
exato do que tecnicamente, ou esteticamente, pode constituir sua
maneira atual de compor".
Em entrevista a Antonio Carlos
Secchim, para o livro "João Cabral: a Poesia do Menos" (Livraria
Duas Cidades, 1985), o poeta leva
o que esboçara em "Joan Miró"
mais adiante.
"A grande arte, para mim, é a
pintura. Não como teoria: em geral, os pintores são maus teóricos.
Miró quase não tem teoria: quando leu meu livrinho sobre ele, não
entendeu nada. É um pintor-operário", diz. E esse "artista industrial" estaria, na visão de João Cabral, intimamente ligado à fatura
artística, ao passo em que estaria
absolutamente desinteressado
pelos temas da pintura.
"Ele era um pintor muito pouco
literário", escreveu.
A falta de literariedade que observava em Miró, Cabral não vislumbrava no trabalho de outro
catalão, o poeta conceitual e também artista plástico Joan Brossa,
de quem também foi amigo.
Cabral elogiava a produção visual de Brossa. Brossa elogiava a
crítica de arte feita por Cabral.
Em entrevista publicada pela
Folha, em 1993, o artista catalão
mapeia a relação de Cabral com
as artes: "Me lembro de que ele tinha uma maneira especial de valorizar a pintura. Dividia os pintores em dois grupos: o grupo A era
formado pelos pintores que pintam sem ter em conta a moldura
da tela; o grupo B, por aqueles que
pintam tendo em conta a moldura da tela. Eu o considero um crítico extraordinário".
Considerado um dos maiores
pintores espanhóis vivos, Antoni
Tàpies, que assim como Brossa
pertenceu ao grupo de vanguarda
catalão "Dau al set" (O dado de
sete lados), é outro dos vértices
que ligam Cabral às artes.
"Tivemos uma amizade muito
instrutiva", disse em entrevista à
Folha em 1996.
O poeta teria sido o responsável
por apresentar o marxismo ao artista catalão, em 1947. "Cabral conhecia as ideologias modernas e
nós estávamos fechados naquele
cárcere coletivo que era a ditadura espanhola. Ele me ajudou a ter
maior consciência ideológica",
disse Tàpies, artista marcado pelo
humanismo.
Um ano antes, o mesmo artista
salientara a importância da passagem de Cabral por Barcelona.
"Ele nos ajudou a ver um outro
aspecto da modernidade, a nós
que estávamos muito tomados
pelo surrealismo e dadaísmo."
Curiosamente, foi a arquitetura,
e não a pintura ou a literatura, a
responsável por criar o mesmo
efeito em Cabral. "A arquitetura
de Le Corbusier ajudou a me livrar da dicção noturna e mórbida
do surrealismo", disse o poeta dos
textos secos, em 1994. Secura que
não deixou de motivar comparações com artistas plásticos.
Se sua poesia virasse pintura,
provavelmente não teria as feições explosivas e alegres de Miró,
nem a generosidade na massa
pictórica de Tàpies. Como já disse
o crítico e poeta Haroldo de Campos, "Cabral trabalha com blocos
que funcionam como retângulos
num quadro de Mondrian".
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