São Paulo, Domingo, 10 de Outubro de 1999
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Poeta não gostava de música

free-lance para a Folha

"Eu não sou auditivo", disse certa vez o poeta, que só gostava do "frevo que se faz em Pernambuco e do flamenco da Andaluzia". Daí, passaram a dizer, como que tratando de revestir o poeta da soberba peculiar aos grandes escritores, que ele não gostava de música.
"Tenho a impressão de que deve ser influência do colégio marista, onde eu ouvia tanto sermão e música clássica. Sou incapaz de me recordar de uma música. Só me lembro do hino de Pernambuco e do hino brasileiro. Minha atenção é visual", desculpava-se o poeta.
Ele admitia, corajosamente para quem teve poesias musicadas por Chico Buarque, que, em geral, a música o fazia dormir. E João Cabral queria estar acordado. "Não tenho poemas cantantes, não tenho poemas de embalar. Eu procuro uma linguagem em que o leitor tropece, não uma linguagem em que ele deslize."
Dando umas topadas em sua lírica (ou retórica?), no poema "Falar com Coisas" o leitor lê que "as coisas, por detrás de nós, exigem: falemos delas, mesmo quando nosso discurso não consiga ser falar delas".
E aí? A música seria tanto para fazer o autor desconversar, empilhar convicções a esmo sem falar do que sentia com relação à música das musas, combustível de toda poesia? E, enigmático, João Cabral certa feita disse, a propósito de seu discurso de agradecimento pelo Prêmio Neustadt: "O negócio é que a música é muito". (CRISTIAN AVELLO CANCINO)


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