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Poeta não gostava de música
free-lance para a Folha
"Eu não sou auditivo", disse certa vez o poeta, que só
gostava do "frevo que se faz
em Pernambuco e do flamenco da Andaluzia". Daí,
passaram a dizer, como que
tratando de revestir o poeta
da soberba peculiar aos
grandes escritores, que ele
não gostava de música.
"Tenho a impressão de
que deve ser influência do
colégio marista, onde eu ouvia tanto sermão e música
clássica. Sou incapaz de me
recordar de uma música. Só
me lembro do hino de Pernambuco e do hino brasileiro. Minha atenção é visual",
desculpava-se o poeta.
Ele admitia, corajosamente para quem teve poesias
musicadas por Chico Buarque, que, em geral, a música
o fazia dormir. E João Cabral
queria estar acordado. "Não
tenho poemas cantantes,
não tenho poemas de embalar. Eu procuro uma linguagem em que o leitor tropece,
não uma linguagem em que
ele deslize."
Dando umas topadas em
sua lírica (ou retórica?), no
poema "Falar com Coisas" o
leitor lê que "as coisas, por
detrás de nós, exigem: falemos delas, mesmo quando
nosso discurso não consiga
ser falar delas".
E aí? A música seria tanto
para fazer o autor desconversar, empilhar convicções
a esmo sem falar do que sentia com relação à música das
musas, combustível de toda
poesia? E, enigmático, João
Cabral certa feita disse, a
propósito de seu discurso de
agradecimento pelo Prêmio
Neustadt: "O negócio é que a
música é muito".
(CRISTIAN AVELLO CANCINO)
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