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Cabral jamais poetizou seu poema
MODESTO CARONE
especial para a Folha
João Cabral de Melo Neto é
não apenas um dos maiores
"poetas sociais" que a literatura brasileira já teve, como
também um renovador consistente e original da dicção
poética praticada antes, durante e depois de sua obra.
Uma obra que é vasta, rica,
talvez inexplorada e que teve
a sorte de ser descoberta por
Antonio Candido já em
1943, num rodapé da Folha,
quando tinha 23 anos.
A poesia de João Cabral estabelece o equivalente ético e
artístico da prosa de Graciliano Ramos, a cuja figura
ele dedicou um de seus melhores poemas, que objetiva
com precisão uma prática
poética comum. Ambos
concederam à paisagem do
Nordeste, à miséria e à bravura do nordestino transformado em "pedra" ou "cabra" uma das dimensões estéticas mais fortes, cruéis e
indiscutíveis que o Brasil conheceu. Tudo numa fatura
impecável, que atesta o rigor
da escrita da permanência e
que, por respeito ao tema, jamais "perfumou sua flor" ou
"poetizou seu poema".
A perda de João Cabral é
profunda e ainda não houve
tempo para medir suas consequências para a cultura
brasileira.
Modesto Carone é escritor e professor
de literatura da USP e Unicamp
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