São Paulo, Domingo, 10 de Outubro de 1999
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Cabral jamais poetizou seu poema

MODESTO CARONE
especial para a Folha

João Cabral de Melo Neto é não apenas um dos maiores "poetas sociais" que a literatura brasileira já teve, como também um renovador consistente e original da dicção poética praticada antes, durante e depois de sua obra. Uma obra que é vasta, rica, talvez inexplorada e que teve a sorte de ser descoberta por Antonio Candido já em 1943, num rodapé da Folha, quando tinha 23 anos.
A poesia de João Cabral estabelece o equivalente ético e artístico da prosa de Graciliano Ramos, a cuja figura ele dedicou um de seus melhores poemas, que objetiva com precisão uma prática poética comum. Ambos concederam à paisagem do Nordeste, à miséria e à bravura do nordestino transformado em "pedra" ou "cabra" uma das dimensões estéticas mais fortes, cruéis e indiscutíveis que o Brasil conheceu. Tudo numa fatura impecável, que atesta o rigor da escrita da permanência e que, por respeito ao tema, jamais "perfumou sua flor" ou "poetizou seu poema".
A perda de João Cabral é profunda e ainda não houve tempo para medir suas consequências para a cultura brasileira.


Modesto Carone é escritor e professor de literatura da USP e Unicamp

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