São Paulo, Domingo, 10 de Outubro de 1999
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A PRIMEIRA CRÍTICA

Candido comenta texto em que fez a descoberta de Cabral

ANTONIO CANDIDO
especial para a Folha

João Cabral é um dos grandes poetas do século, e sua obra será pelos tempos afora alimento e conforto. A idéia que teve este jornal de reproduzir um velho artigo meu traz de volta a quadra em que eu era "crítico titular" (espécie extinta) da "Folha da Manhã" (um dos jornais que originaram a Folha) e tive, por acaso, a oportunidade de ler seu primeiro livro.
Um colega meu, que fora trabalhar em Recife, veio em 1942 junto com ele para o Rio, por terra, para evitar possíveis submarinos alemães. Esse amigo sugeriu a João Cabral que mandasse para mim um exemplar autografado do recente "Pedra do Sono", que entregou tempos depois, dizendo mais ou menos que o autor era um rapaz cujos versos não saberia avaliar, mas que se caracterizava por uma dor de cabeça terrível.
Li e fiquei surpreso com a qualidade daquele texto que fazia pressentir aonde chegaria o tal rapaz, então completamente desconhecido por aqui. Registrei a impressão neste artigo, publicado em 13 de junho de 1943, e João Cabral me contou mais tarde que tomou conhecimento dele por intermédio de Carlos Drummond de Andrade. Em 1954 fiz parte, com Drummond e Paulo Mendes de Almeida, da comissão que lhe deu o prêmio José de Anchieta, no quadro das comemorações do quarto centenário da cidade de São Paulo, pelo livro "o Rio", apresentado com pseudônimo, como exigia o regulamento.
Naquele ano eu o conheci no Congresso Internacional de Escritores e ele me disse uma coisa singular: "Gostaria de fazer em verso o que Jorge Amado fazia em prosa". Entendi que se tratava do desejo de participação política pela poesia, o que não falta em sua obra, embora de maneira oposta à do escritor baiano. Agora que ele se foi e não teremos novas criações do seu gênio exato, severo e certeiro, resta voltar sempre aos seus livros, que são de uma altura raramente alcançada na língua portuguesa.



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