São Paulo, domingo, 11 de abril de 1999

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CELSO PINTO
As duas funções da CPI

O caso Marka tem dois lados: um policialesco, outro institucional. Será uma lástima se a CPI dos bancos se limitar à apuração policial.
O lado policialesco é óbvio. Trata-se de saber se houve conluio de alguém do governo, para seu benefício. É o lado mais espetacular e o que atrai mais mídia. É bom dizer, contudo, que não há qualquer evidência, até agora, de que tenha havido má-fé por parte do Banco Central no caso Marka.
Existe, no entanto, outro lado que pode trazer benefícios de mais longo prazo. É a discussão sobre se o BC agiu da melhor maneira possível no episódio e, caso contrário, que aperfeiçoamentos permitiriam evitar a repetição de erros.
Não é verdade que as CPIs jamais olham para o lado mais construtivo. No caso da CPI dos Precatórios, por exemplo, dos trabalhos resultaram várias sugestões de regras para emissão e negociação de títulos que reduzem o risco de repetição das irregularidades constatadas. Nem todos os políticos envolvidos foram punidos (vários o foram pelas urnas), mas o dinheiro público ficou mais protegido contra este tipo de problema.
A essência do caso Marka é que o BC vendeu dólares ao banco a R$ 1,275, quando o teto da banda cambial vigente no dia era de R$ 1,32 e operações privadas eram feitas no mercado de balcão até a R$ 1,55.
Vendeu a R$ 1,275 porque foi uma conta de chegar: era o valor necessário para evitar um buraco patrimonial no banco. Sabendo, por declarações do dono do Marka, que o banco negociou 12.600 contratos com o BC, ou US$ 1,260 bilhão, a diferença em relação à cotação de R$ 1,32 é de R$ 56,7 milhões e, em relação à R$ 1,55, de R$ 346 milhões.
Ao dar um dólar mais barato, portanto, o BC fez uma "doação implícita" de algo entre R$ 56,7 milhões e R$ 346 milhões ao Marka, conforme o critério que se queira usar. Foi uma "doação" porque o Marka não ficou com a obrigação de pagar esta diferença.
Supondo que o BC tenha razão quando diz que havia um risco sistêmico que justificava a venda de dólares ao Marka, ainda sobra uma questão crucial: não havia outra alternativa? O BC diz que não. Uma liquidação não eliminaria o risco sistêmico, usar o Proer exigiria mais tempo do que o BC dispunha e um empréstimo de liquidez seria impossível porque o Marka não tinha mais garantias para oferecer.
É algo discutível. O ex-presidente do BC Affonso Celso Pastore acha que o BC poderia, sim, ter liquidado o Marka e o FonteCindam e zerado as posições de ambos no mercado futuro de dólar, evitando o pânico. A diferença é que os donos dos bancos ficariam devedores do BC e responderiam com seus bens.
Outro problema que fica do episódio é o fato de o Marka estar alavancado em 20 vezes seu capital. Pastore diz que vale a pena, no mínimo, discutir a regulação prudencial existente e ver se uma aposta deste tamanho é adequada.
Outro ex-presidente do BC, Gustavo Loyola, lembra outra alternativa. O BC poderia ter vendido dólares ao Marka, financiando a compra por meio de um empréstimo de liquidez e usando os mesmos dólares como garantia.
Nesta hipótese, o patrimônio do Marka estaria zerado, temporariamente, evitando sua quebra, mas o BC poderia retomar os dólares mais à frente, liquidando o banco quando a situação estivesse mais tranquila.
Loyola observa, contudo, que faltam mecanismos "intermediários" de intervenção do BC. Ninguém nega que é obrigação do BC zelar para que não haja risco sistêmico, ou seja, risco de quebras em cadeia que teriam custos enormes. Valeria discutir se não é o caso de haver uma gama maior de opções de ação por parte do BC, além das alternativas radicais da liquidação e do Proer.
A tradição tem sido a de improvisar soluções quando é tarde demais. O Proer, lembra Loyola, foi montado em uma semana, para encontrar uma saída para a quebra do Banco Nacional que permitisse responsabilizar os acionistas controladores.
Importante é extrair lições do episódio. Se o BC errou, é preciso ficar claro como evitar a repetição do erro. Se faltaram instrumentos, é importante discutir alternativas. Se houve excessiva posição de risco, é preciso rever os limites prudenciais neste tipo de operação.
Inaceitável é partir do princípio de que a única opção, em casos como este, é "doar" dinheiro a banqueiros.




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