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CELSO PINTO
As duas funções da CPI
O caso Marka tem dois lados: um policialesco, outro
institucional. Será uma lástima se a CPI dos bancos se limitar à apuração policial.
O lado policialesco é óbvio.
Trata-se de saber se houve conluio de alguém do governo,
para seu benefício. É o lado
mais espetacular e o que atrai
mais mídia. É bom dizer, contudo, que não há qualquer
evidência, até agora, de que
tenha havido má-fé por parte
do Banco Central no caso
Marka.
Existe, no entanto, outro lado que pode trazer benefícios
de mais longo prazo. É a discussão sobre se o BC agiu da
melhor maneira possível no
episódio e, caso contrário, que
aperfeiçoamentos permitiriam evitar a repetição de erros.
Não é verdade que as CPIs
jamais olham para o lado
mais construtivo. No caso da
CPI dos Precatórios, por
exemplo, dos trabalhos resultaram várias sugestões de regras para emissão e negociação de títulos que reduzem o
risco de repetição das irregularidades constatadas. Nem
todos os políticos envolvidos
foram punidos (vários o foram pelas urnas), mas o dinheiro público ficou mais protegido contra este tipo de problema.
A essência do caso Marka é
que o BC vendeu dólares ao
banco a R$ 1,275, quando o teto da banda cambial vigente
no dia era de R$ 1,32 e operações privadas eram feitas no
mercado de balcão até a R$
1,55.
Vendeu a R$ 1,275 porque
foi uma conta de chegar: era o
valor necessário para evitar
um buraco patrimonial no
banco. Sabendo, por declarações do dono do Marka, que o
banco negociou 12.600 contratos com o BC, ou US$ 1,260 bilhão, a diferença em relação à
cotação de R$ 1,32 é de R$ 56,7
milhões e, em relação à R$
1,55, de R$ 346 milhões.
Ao dar um dólar mais barato, portanto, o BC fez uma
"doação implícita" de algo entre R$ 56,7 milhões e R$ 346
milhões ao Marka, conforme o
critério que se queira usar. Foi
uma "doação" porque o Marka não ficou com a obrigação
de pagar esta diferença.
Supondo que o BC tenha razão quando diz que havia um
risco sistêmico que justificava
a venda de dólares ao Marka,
ainda sobra uma questão crucial: não havia outra alternativa? O BC diz que não. Uma
liquidação não eliminaria o
risco sistêmico, usar o Proer
exigiria mais tempo do que o
BC dispunha e um empréstimo de liquidez seria impossível porque o Marka não tinha
mais garantias para oferecer.
É algo discutível. O ex-presidente do BC Affonso Celso
Pastore acha que o BC poderia, sim, ter liquidado o Marka e o FonteCindam e zerado
as posições de ambos no mercado futuro de dólar, evitando
o pânico. A diferença é que os
donos dos bancos ficariam devedores do BC e responderiam
com seus bens.
Outro problema que fica do
episódio é o fato de o Marka
estar alavancado em 20 vezes
seu capital. Pastore diz que
vale a pena, no mínimo, discutir a regulação prudencial
existente e ver se uma aposta
deste tamanho é adequada.
Outro ex-presidente do BC,
Gustavo Loyola, lembra outra
alternativa. O BC poderia ter
vendido dólares ao Marka, financiando a compra por meio
de um empréstimo de liquidez
e usando os mesmos dólares
como garantia.
Nesta hipótese, o patrimônio
do Marka estaria zerado, temporariamente, evitando sua
quebra, mas o BC poderia retomar os dólares mais à frente, liquidando o banco quando a situação estivesse mais
tranquila.
Loyola observa, contudo,
que faltam mecanismos "intermediários" de intervenção
do BC. Ninguém nega que é
obrigação do BC zelar para
que não haja risco sistêmico,
ou seja, risco de quebras em
cadeia que teriam custos
enormes. Valeria discutir se
não é o caso de haver uma gama maior de opções de ação
por parte do BC, além das alternativas radicais da liquidação e do Proer.
A tradição tem sido a de improvisar soluções quando é
tarde demais. O Proer, lembra
Loyola, foi montado em uma
semana, para encontrar uma
saída para a quebra do Banco
Nacional que permitisse responsabilizar os acionistas
controladores.
Importante é extrair lições
do episódio. Se o BC errou, é
preciso ficar claro como evitar
a repetição do erro. Se faltaram instrumentos, é importante discutir alternativas. Se
houve excessiva posição de
risco, é preciso rever os limites
prudenciais neste tipo de operação.
Inaceitável é partir do princípio de que a única opção, em
casos como este, é "doar" dinheiro a banqueiros.
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