São Paulo, domingo, 11 de abril de 1999

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DOMINGUEIRA
Contra os dois

MARCOS AUGUSTO GONÇALVES
Editor de Domingo

Escrevo da ensolarada e encantadora Lisboa, capital do país europeu que, por todos os motivos, inclusive o geográfico, menos riscos corre de se envolver com a guerra movida pelos EUA e seus comandados contra Milosevic.
Ainda assim, como em toda parte, ainda mais tratando-se de um membro formal da Otan, Portugal discute a guerra. Há campanhas de ajuda aos refugiados e debates diários na TV e na imprensa. Nas ruas, prevalece a indiferença, a não ser por faixas e pichações do PCP e grupos de esquerda condenando a ofensiva "aliada".
O fato é que a Otan tem, principalmente na Europa, a desvantagem, em relação ao ditatorial Milosevic, de ter que travar uma segunda guerra: a da comunicação. Como convencer o sujeito das ruas, a chamada opinião pública, de que aqueles milhares de coitados do Kosovo, ali ao lado, são vítimas da Sérvia e estão sendo beneficiados pela intervenção militar?
Como provocar um sentimento de adesão diante de imagens de uma cidade européia, como Belgrado, sofrendo bombardeios e ardendo em chamas?
Talvez fosse menos difícil se não houvesse no ar a sensação, por sinal verdadeira, de que a Europa, mais uma vez, está a reboque dos norte-americanos, numa posição obsequiosa e subalterna.
A situação entre os "aliados" é ambígua, com divergências já explicitadas por Itália e Grécia. As ameaças de Ieltsin, ainda que tomadas pelos americanos como fanfarronice, são preocupantes para os europeus, que já se sentem desconfortáveis com o assédio de mais estrangeiros em suas fronteiras. Situações bem menos complexas do que essa fogem ao controle.
O esforço das lideranças dos países envolvidos tem sido o de tentar demonstrar que não havia mais outra solução para interromper o massacre étnico promovido por Milosevic. Mas tampouco a intervenção militar, aos olhos do homem comum, parece ser a solução -mesmo porque um desfecho sem custos e sequelas é impossível.
É certo, por outro lado, que a passividade européia diante das atrocidades cometidas pela Sérvia, além de moralmente pusilânime, poderia acabar saindo mais cara politicamente.
Como disse um amigo, que acompanha de perto o conflito por motivos profissionais, para ele a batalha dos EUA contra Milosevic é como seria para um torcedor corintiano uma partida de futebol entre a seleção da Argentina e o Palmeiras. Não há alternativa, senão torcer contra os dois.




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