São Paulo, sexta-feira, 11 de maio de 2007

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A visita do papa/análise

Retrocesso na conciliação inter-religiosa

Encontro do papa Bento 16 com líderes de outras denominações cristãs e religiões monoteístas reflete poucos avanços

PAULO DANIEL FARAH
ESPECIAL PARA A FOLHA

O ENCONTRO do papa Bento 16 com líderes de outras denominações cristãs e religiões monoteístas reproduziu de certa forma a situação que as relações ecumênicas e inter-religiosas vivenciam na atualidade: um diálogo praticamente inexistente e com poucos avanços.
No pontificado anterior, Joseph Ratzinger, como prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, divulgou um documento que reafirmava a suposta superioridade católica ante outros cristãos.
Intitulado "Dominus Iesus", indicava que o único caminho da salvação é o católico. Um dos "defeitos" de outras denominações seria o não-reconhecimento da primazia do papa. "A única, sagrada, católica e apostólica igreja universal não é a irmã, mas a mãe de todas as igrejas", declarou Ratzinger. Em 1964, o Vaticano declarara ver cristãos ortodoxos e protestantes como "irmãos de religião".
A confirmação da Igreja católica como igreja-mãe não excluiu do encontro de São Paulo líderes cristãos não-católicos. Para d. Damaskinos Mansour, 57, arcebispo metropolitano da Igreja Ortodoxa Antioquina no Brasil, "a importância do encontro não é o que foi dito, mas que ele tenha acontecido". De fato, pouco se disse.
Na programação, previa-se a bênção de três santos maronitas: São Charbel, Santa Rafka e Santo Hardini. D. Edgard Madi, 51, arcebispo maronita do Brasil que chegou ao país em dezembro de 2006, indicado por Bento 16 para liderar 1 milhão de maronitas em São Paulo, acredita que "a Igreja Católica passa por um desafio muito sério. O papa Bento 16 dará uma força para animar a fé dos fiéis católicos e para ajudar os jovens a serem verdadeiros discípulos de Jesus Cristo".
Muçulmano, Armando Hussein Saleh, 48, entregou uma carta ao pontífice na qual aborda o papel da mulher, "a base de tudo". Saleh lhe ofereceu sua "galabia" (vestimenta tradicional) "como símbolo da religiosidade monoteísta dentro do patriarcado abraâmico".
"Nos olhos dele, senti que estava alegre, iluminado, por ver um muçulmano no encontro.
Cabe a nós lutarmos pela humanidade e pela paz", disse. Apesar dessa sensação pessoal e da declaração do cardeal Tarcisio Bertone de que "o diálogo inter-religioso certamente não é algo opcional, mas uma necessidade vital", não se concretizaram as promessas de reconciliação após as tensões pela publicação das charges sobre o profeta Muhammad. As caricaturas, publicadas no jornal dinamarquês "Jyllands-Posten", provocaram protestos em países muçulmanos.
O islã proíbe que a figura de Muhammad seja retratado sob qualquer circunstância. Ademais, algumas charges o vinculavam ao terrorismo; uma delas o apresentava com um turbante em forma de bomba. Recentemente, o presidente do Conselho para o Diálogo Inter-religioso, Michael Fitzgerald, foi destituído pelo papa e enviado para o Cairo como núncio apostólico, ao que consta por suas posições vistas como excessivamente abertas.
Tampouco progrediram os contatos, apesar da visita papal a Istambul, após a citação de Bento 16 em Ratisbona, em setembro, de um imperador bizantino que criticava o islã.
A reconciliação inter-religiosa que a Igreja Católica vinha promovendo desde o Concílio Vaticano 2º passou a sofrer um retrocesso nos últimos anos.
No encontro inter-religioso que João Paulo 2º promoveu em Assis, em janeiro de 2002, mais de 150 líderes cristãos, muçulmanos, judeus, budistas, hindus, jainistas, sikhs, xintoístas, zoroastristas, confucionistas e animistas se reuniram para buscar uma reconciliação.
Em 2001, aquele papa se tornara o primeiro líder católico a adentrar uma mesquita, na Síria. E o fez após retirar os sapatos, em respeito à tradição muçulmana. Previamente, visitara a sinagoga de Roma. Judeus e católicos mantêm um diálogo oficial desde o fim do Concílio Vaticano 2º, em 1965.
No dia 13 de outubro de 2006, o Instituto Pontifício de Estudos Árabes e de Islamologia reabriu suas portas com um novo diretor e um novo estatuto, após meses de crise institucional e financeira. Fundado pelos Missionários da África, em 1926, era uma escola em Túnis para a formação dos representantes cristãos que atuavam em países muçulmanos. A escola tornou-se um instituto em 1960, e quatro anos depois ele foi transferido para Roma.
Na última década, o instituto enfrentou dificuldades financeiras e de falta de especialistas. Cogitaram-se diversas possibilidades, entre as quais a fusão com centros dominicanos ou combonianos com os quais o centro mantinha relações; as congregações declinaram a oferta. Em 2006, o papa declarou que um centro de estudos sobre o islã é "uma instituição muito importante para a igreja". Resta saber qual será seu conteúdo programático.


PAULO DANIEL FARAH é professor na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo

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