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A visita do papa/análise
Retrocesso na conciliação inter-religiosa
Encontro do papa Bento 16 com líderes de outras denominações cristãs e religiões monoteístas reflete poucos avanços
PAULO DANIEL FARAH
ESPECIAL PARA A FOLHA
O ENCONTRO do papa
Bento 16 com líderes
de outras denominações cristãs e religiões monoteístas reproduziu de certa forma a situação que as relações
ecumênicas e inter-religiosas
vivenciam na atualidade: um
diálogo praticamente inexistente e com poucos avanços.
No pontificado anterior, Joseph Ratzinger, como prefeito
da Congregação para a Doutrina da Fé, divulgou um documento que reafirmava a suposta superioridade católica ante
outros cristãos.
Intitulado "Dominus Iesus",
indicava que o único caminho
da salvação é o católico. Um dos
"defeitos" de outras denominações seria o não-reconhecimento da primazia do papa. "A
única, sagrada, católica e apostólica igreja universal não é a irmã, mas a mãe de todas as igrejas", declarou Ratzinger. Em
1964, o Vaticano declarara ver
cristãos ortodoxos e protestantes como "irmãos de religião".
A confirmação da Igreja católica como igreja-mãe não excluiu do encontro de São Paulo
líderes cristãos não-católicos.
Para d. Damaskinos Mansour,
57, arcebispo metropolitano da
Igreja Ortodoxa Antioquina no
Brasil, "a importância do encontro não é o que foi dito, mas
que ele tenha acontecido". De
fato, pouco se disse.
Na programação, previa-se a
bênção de três santos maronitas: São Charbel, Santa Rafka e
Santo Hardini. D. Edgard Madi,
51, arcebispo maronita do Brasil que chegou ao país em dezembro de 2006, indicado por
Bento 16 para liderar 1 milhão
de maronitas em São Paulo,
acredita que "a Igreja Católica
passa por um desafio muito sério. O papa Bento 16 dará uma
força para animar a fé dos fiéis
católicos e para ajudar os jovens a serem verdadeiros discípulos de Jesus Cristo".
Muçulmano, Armando Hussein Saleh, 48, entregou uma
carta ao pontífice na qual aborda o papel da mulher, "a base de
tudo". Saleh lhe ofereceu sua
"galabia" (vestimenta tradicional) "como símbolo da religiosidade monoteísta dentro do
patriarcado abraâmico".
"Nos olhos dele, senti que estava alegre, iluminado, por ver
um muçulmano no encontro.
Cabe a nós lutarmos pela humanidade e pela paz", disse.
Apesar dessa sensação pessoal e da declaração do cardeal
Tarcisio Bertone de que "o diálogo inter-religioso certamente
não é algo opcional, mas uma
necessidade vital", não se concretizaram as promessas de reconciliação após as tensões pela publicação das charges sobre
o profeta Muhammad. As caricaturas, publicadas no jornal
dinamarquês "Jyllands-Posten", provocaram protestos em
países muçulmanos.
O islã proíbe que a figura de
Muhammad seja retratado sob
qualquer circunstância. Ademais, algumas charges o vinculavam ao terrorismo; uma delas
o apresentava com um turbante em forma de bomba.
Recentemente, o presidente
do Conselho para o Diálogo Inter-religioso, Michael Fitzgerald, foi destituído pelo papa e
enviado para o Cairo como
núncio apostólico, ao que consta por suas posições vistas como excessivamente abertas.
Tampouco progrediram os
contatos, apesar da visita papal
a Istambul, após a citação de
Bento 16 em Ratisbona, em setembro, de um imperador bizantino que criticava o islã.
A reconciliação inter-religiosa que a Igreja Católica vinha
promovendo desde o Concílio
Vaticano 2º passou a sofrer um
retrocesso nos últimos anos.
No encontro inter-religioso
que João Paulo 2º promoveu
em Assis, em janeiro de 2002,
mais de 150 líderes cristãos,
muçulmanos, judeus, budistas,
hindus, jainistas, sikhs, xintoístas, zoroastristas, confucionistas e animistas se reuniram para buscar uma reconciliação.
Em 2001, aquele papa se tornara o primeiro líder católico a
adentrar uma mesquita, na Síria. E o fez após retirar os sapatos, em respeito à tradição muçulmana. Previamente, visitara
a sinagoga de Roma. Judeus e
católicos mantêm um diálogo
oficial desde o fim do Concílio
Vaticano 2º, em 1965.
No dia 13 de outubro de
2006, o Instituto Pontifício de
Estudos Árabes e de Islamologia reabriu suas portas com um
novo diretor e um novo estatuto, após meses de crise institucional e financeira. Fundado
pelos Missionários da África,
em 1926, era uma escola em
Túnis para a formação dos representantes cristãos que atuavam em países muçulmanos. A
escola tornou-se um instituto
em 1960, e quatro anos depois
ele foi transferido para Roma.
Na última década, o instituto
enfrentou dificuldades financeiras e de falta de especialistas. Cogitaram-se diversas possibilidades, entre as quais a fusão com centros dominicanos
ou combonianos com os quais o
centro mantinha relações; as
congregações declinaram a
oferta. Em 2006, o papa declarou que um centro de estudos
sobre o islã é "uma instituição
muito importante para a igreja". Resta saber qual será seu
conteúdo programático.
PAULO DANIEL FARAH é professor na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas
da Universidade de São Paulo
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