São Paulo, terça, 12 de janeiro de 1999

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CELSO PINTO
Na zona de turbulência

Cinco meses depois do início da crise externa, em agosto, o Brasil acumula uma perda de mais de US$ 40 bilhões por meio dos câmbios flutuante e comercial. Na crise asiática de 97, ao contrário, no quinto mês depois da crise, havia um ganho líquido acumulado de US$ 3,6 bilhões, que subiu para US$ 11,1 bilhões ao final de seis meses.
A observação é do ex-presidente do Banco Central Affonso Celso Pastore. Ela reforça sua conclusão de que a velocidade de redução dos juros deverá ser menor do que a observada na crise asiática, porque os efeitos da atual crise têm sido muito maiores.
O espaço para reduzir os juros ficou ainda mais estreito, nos últimos dias, pelo forte aumento nos juros dos títulos da dívida brasileira no exterior e pela queda das reservas.
O governador Itamar Franco, como ficou claro na entrevista que deu no sábado, achou divertido o impacto de sua moratória. Com um sorriso e muita ironia, disse estar "muito preocupado" com suas ações em Tóquio, Hong Kong e Nova York.
Os mercados, contudo, não acharam graça na moratória. Emissões brasileiras foram adiadas e o prêmio de risco pago pelos IDUs (títulos da dívida externa brasileira) subiram para quase 1.600 pontos básicos de porcentagem acima dos títulos do Tesouro americano, a pior marca desde outubro. É o dobro do que o Brasil pagava no Natal e 60% acima dos 980 pontos que pagava logo antes da moratória.
O aumento da rentabilidade do papel brasileiro no exterior acaba atraindo aplicações de quem aceita correr o risco Brasil e pode optar entre colocar o dinheiro aqui ou lá fora (o que inclui investidores brasileiros). No passado, quando a remuneração do IDU esteve muito superior aos juros internos, houve saída mais forte de dólares.
Tomando por base cálculos do Banco Liberal, com o IDU rendendo 20,5% ao ano (prêmio de risco de 1.570 pontos), a taxa de juro líquida no Brasil teria que estar em 40% para ser competitiva e não em 29%. Isso, sem considerar o Imposto de Renda, que elevaria a taxa bruta para mais de 44%. Os 40% permitiriam ter um rendimento igual ao do IDU, com proteção contra desvalorização cambial.
Em outros termos, com o aumento da remuneração dos papéis brasileiros no exterior, pela maior percepção de risco, a pressão é para subir os juros, como forma de reduzir o risco de saída de capitais.
Os termos do acordo do Brasil com o FMI também empurram para cima os juros. As reservas líquidas ajustadas, que não consideram o dinheiro da ajuda externa do FMI e do G- 7, já estariam em torno de US$ 32 bilhões, no cálculo de um grande banco americano.
Já é menos do que o piso que, pelo que se sabe, está embutido no acordo com o FMI para todo o primeiro trimestre (US$ 33,2 bilhões). Quando a reserva cai abaixo desse piso, o acordo induz a um aperto monetário gradual compensatório, ou seja, empurra para cima os juros.
A dificuldade em conciliar a pressão política crescente e ampla pela redução dos juros, com a pressão "técnica" pelo aumento dos juros, por sua vez, aumenta ainda mais a desconfiança dos mercados.
Por trás dessa dificuldade se forma uma percepção: o custo recessivo embutido na estratégia de defesa da taxa de câmbio está ficando alto demais. Quando há dúvidas políticas sobre a capacidade de levar a estratégia adiante, aumentam as dúvidas sobre o futuro do regime cambial.
A força da crise externa só complica o cenário. Na crise asiática de 97, a perda de reservas foi aguda, mas rápida. No câmbio comercial, como mostra o trabalho de Pastore e da professora Maria Christina Pinotti, já no terceiro mês após o início da crise, o saldo havia ficado positivo em US$ 277 milhões.
O câmbio flutuante continuou negativo, mas já a partir do quinto mês, os ganhos acumulados no câmbio comercial (US$ 18 bilhões) permitiram ao país ter um saldo cambial positivo, apesar do câmbio flutuante. A resposta do mercado ao aumento de juros foi rápida e positiva.
Desta vez, o saldo acumulado nos dois câmbios continua muito negativo. No final do quinto mês, em dezembro, pelo comercial o saldo acumulado estava negativo em US$ 21,2 bilhões e pelo flutuante, em US$ 18,1 bilhões, um total de US$ 39,3 bilhões. Considerando a perda adicional de US$ 880 milhões na primeira semana de janeiro, a perda acumulada supera US$ 40 bilhões.
Em novembro e dezembro, observa o trabalho, as saídas superaram US$ 7 bilhões, numa velocidade semelhante à de outubro, no pico da crise, apesar do pacote de apoio externo e dos juros altos. O prêmio de risco, com a ajuda de Itamar, também voltou aos níveis de outubro. O Brasil voltou a uma zona de intensa turbulência.




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