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CELSO PINTO
Os perigos que vêm da Rússia
Quando alguém pergunta na
Fazenda ou no Banco Central de
onde ainda pode vir confusão no
mercado internacional, a resposta é rápida: da Rússia. Com reservas equivalentes a pouco mais de
dois meses de importações, que
podem virar pó se os investidores
externos venderem os estimados
US$ 12 bilhões em títulos do governo (GKO) que possuem, e uma
intermitente queda de braço com
o FMI, a Rússia entrou no olho
do furacão.
Maxim Boicko, ex-ministro da
Privatização da Rússia, contudo,
discorda. O maior perigo, a seu
ver, não é o de um colapso externo, já afastado. O verdadeiro risco está no coração da relação entre negócios e poder na nova Rússia.
Os seis ou sete grandes grupos
que cresceram às custas de favores e na sombra do poder, querem
se confundir com o governo, limitar a presença dos investidores
externos e impedir que se consolidem as regras de um capitalismo
mais competitivo. "O risco político real é se não houver transparência na relação entre os grandes grupos financeiros e o governo", alerta Boicko.
A crise asiática bateu pesado na
Rússia, num roteiro algo parecido ao seguido pelo Brasil. A bolsa
russa, que havia se valorizado
mais de 300% no ano e meio anterior à crise, perdeu todo o ganho. Investidores venderam
GKOs e as reservas chegaram a
apenas US$ 11 bilhões. Para defender o rublo, os russos subiram
as taxas de juros de 22% para até
42%, no final de janeiro.
Ao mesmo tempo, a discussão
de um programa com o FMI de
US$ 9,8 bilhões (em três anos)
empacou na relutância russa em
aprovar uma reforma fiscal e um
orçamento federal decente para
98. No ano passado, o orçamento
previa um déficit de 5,4% do PIB,
mas ele ficou em 7,6%. Para piorar, a queda do preço do petróleo
gerou, em outubro, o primeiro déficit na balança comercial em vários anos.
Apesar de tudo, o governo segurou o rublo, as reservas melhoraram, alguns investidores em
GKOs voltaram e os juros de longo prazo já caíram para 25%.
Boicko acha que o país passou no
teste e, se houver outros, também
passará.
Os novos bilionários
A complicação russa, contudo,
não acaba aí. Boicko é um jovem
economista (38 anos), que de 92
a 97 esteve no governo em postos
ligados à privatização e a Anatoli Tchubais, vice primeiro-ministro russo, considerado um bastião reformista do governo de
Boris Ieltsin. Boicko, hoje no setor privado, veio esta semana ao
Brasil a convite do Banco Crédit
Agricole Indosuez.
Tchubais e Boicko estiverem
envolvidos nas brigas dos novos
bilionários russos. Em 95, Tchubais ajudou a formar alguns
grandes grupos, num esquema de
privatização em que empréstimos eram trocados por ações de
grandes estatais a preço de banana. Foi demitido (para voltar
mais tarde), mas alguns desses
grupos ajudaram a reeleger Ieltsin em 96.
O suposto maior protegido de
Tchubais é o Uneximbank, de
Vladimir Potanin. O mesmo grupo que acabou arrematando, ano
passado, 25% das ações leiloadas
da empresa de telecomunicações
Sviazinvest. Um dos novos bilionários russos, Boris Berezovski,
dono de um império que inclui
bancos, petróleo e mídia, foi contra o leilão e queria uma venda
barata para grupos amigos.
Em novembro, Tchubais conseguiu derrubar Berezovski do cargo que ocupava no Conselho de
Segurança do governo. Semanas
depois, a mídia de Berezovski publicou que Tchubais e quatro assessores, entre eles Boicko, estavam recebendo US$ 90 mil cada
um para escrever um livro sobre
privatização. O dono da editora
era o Uneximbank. Mesmo não
sendo ilegal, o pagamento era altíssimo para os padrões russos.
Tchubais ficou, mas os quatro assessores, inclusive Boicko, foram
demitidos.
O próprio Boicko admite que a
privatização, um "processo político", ajudou a favorecer alguns
grupos. Numa primeira fase, em
92, venderam-se pequenas empresas. Em 93 e 94, foram distribuídos vales à população, virtualmente de graça, que podiam
ser trocados por ações das estatais, ou por cotas de fundos de
privatização. Boicko diz que
muita gente se decepcionou:
além de não ter liquidez, a maioria das ações rendeu até agora
pouco ou nada. Ele argumenta
que as expectativas eram irrealistas: sem a privatização essas
empresas, provavelmente, estariam fechadas hoje.
A partir de 95, algumas privatizações de maior porte, no esquema de "empréstimos por ações",
ajudaram a formar grupos bilionários. Boicko calcula que 80%
das indústrias já foram privatizadas, mas sobraram empresas
muito importantes. A venda do
gigante petrolífero Rosneft, em
um ou dois meses, será um teste
crucial para conferir se a venda
será competitiva e aberta ao capital externo.
Boicko diz que é um "milagre"
o fato de a transição russa ter
acontecido sem um trauma como
uma guerra civil e sem uma crise
social de maiores proporções.
Falta, contudo, muito a fazer. Ele
calcula que 40% da economia
russa vive nas sombras e não paga impostos. Os direitos dos minoritários são largamente ignorados e os investidores externos
têm uma presença irrisória.
As estatísticas não significam
muito. O PIB russo oficial caiu
vários anos seguidos, diz Boicko,
enquanto o número de carros por
mil habitantes se multiplicou por
três a quatro vezes, o que não faz
sentido.
Boicko não vê o risco da volta
do comunismo. O perigo é o de se
consolidar um capitalismo fechado. À revelia do que pensa, hoje,
Ieltsin.
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