São Paulo, domingo, 12 de maio de 2002

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NO PLANALTO
Conheça as entranhas do maior tribunal regional do país

JOSIAS DE SOUZA
DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Sabe-se que a Justiça brasileira é cega, opera uma balança meio desregulada e empunha uma espada sem corte. Como se não bastasse, a vetusta senhora foi flagrada em São Paulo dando bom-dia à insensatez.
Saiba o que se passou, em dez atos:
1) no dia 11 de maio de 2000, o "Diário Oficial" da União publicou a lei 9.968. O texto amplia os quadros do TRF-3 (Tribunal Regional Federal da 3ª Região). Abriram-se 16 novas vagas de juízes. O número de togas saltou de 27 para 43;
2) o TRF-3 fica na capital paulista. Julga os casos originários de São Paulo e Mato Grosso do Sul. A lei que tonificou-lhe a estrutura foi sugerida pelo STJ (Superior Tribunal de Justiça). Chegou ao Congresso escorada em estatísticas;
3) entre 1989 e 1998, distribuíram-se 2,3 milhões de processos à segunda instância da Justiça Federal em todo o país. Desses, 843,7 mil (37%) rechearam os escaninhos do TRF-3. Em janeiro de 2001, havia no tribunal um estoque de 337,7 mil processos à espera de julgamento. Média de 12,5 mil casos para cada juiz;
4) a magnitude dos números comoveu Brasília. O Congresso aprovou o projeto a toque de caixa. Entre discussão e votação, consumiram-se exíguos três meses. FHC sancionou-o sem hesitação;
5) esperava-se que o TRF-3 preenchesse de um fôlego os novos cargos. Sobreveio, porém, o inusitado: decorridos dois anos, os 16 cargos continuam vagos. Somaram-se a eles outros quatro, abertos graças à aposentadoria de juízes;
6) poder-se-ia imaginar que santo Ivo, o padroeiro dos advogados, houvesse operado um milagre. E que os juízes do TRF-3, gotejando suor, tivessem posto abaixo a montanha de processos, tornando desnecessário o reforço antes tido como coisa de vida ou morte. Sucedeu, porém, coisa diversa;
7) o Conselho da Justiça Federal informa na internet (www.cjf.gov.br) que, ao final de 2001, o encalhe do TRF-3 somava 457,5 mil processos. Quase meio milhão de casos. Com as gavetas a transbordar, o tribunal convocou um mutirão de 21 juízes de primeira instância para socorrê-lo;
8) lista divulgada no "Diário de Justiça" de 25 de fevereiro revelou os rostos escondidos atrás da encrenca. Therezinha Cazerta, a juíza do TRF-3 em situação mais cômoda, tinha diante de si uma pilha de 2.707 processos por julgar;
9) André Nabarrete, o juiz mais encalacrado, encontrava-se no final de fevereiro espremido sob 27.188 casos pendentes de julgamento. Deixando de receber casos novos, se resolvesse trancar-se em seu gabinete, com o sacrifício de sábados, domingos e feriados, devorando dois processos por dia, gastaria 37 anos para digerir todos eles. A lista traz juízes com 20 mil, 19 mil, 17 mil, 16 mil, 15 mil, 14 mil processos no colo. Um assombro;
10) assim como o TRF paulista, os outros quatro tribunais regionais espalhados pelo país também tiveram suas estruturas vitaminadas em 2000. Abriram-se entre quatro e nove vagas novas de juízes em cada um deles. Encontram-se todas preenchidas. O que faz do caso de São Paulo uma exceção ainda mais vistosa.
O repórter tentou ouvir o juiz Márcio Moraes, atual presidente do TRF-3. Mas ele preferiu o silêncio. Diz-se à boca miúda que faltou espaço para instalar os novos juízes. Só agora estariam ficando prontos oito dos 16 gabinetes necessários para abrigá-los. Bobagem.
Deixou-se de prover as vagas porque os juízes que hoje controlam o TRF-3 temem perder poder. A entrada em cena de togas novas mudaria a correlação de forças dentro do tribunal. Pura política corporativa.
Dá-se de ombros para o interesse da bugrada que aguarda na fila o julgamento de processos. Juízes recebem semanalmente cartas de brasileiros em desespero. Há entre as causas por julgar, por exemplo, milhares de questões previdenciárias. Com um pé na cova, os demandantes vão ao desespero. Contam-se às centenas, de resto, os casos de crimes que prescrevem por falta de julgamento.
Abespinhados, procuradores da República lotados no Estado de São Paulo abriram um inquérito civil para apurar os motivos que levam o TRF-3 a postergar o provimento dos 16 novos cargos. Patrocinam a ação 11 procuradores: Adilson Amaral Filho, André Ramos, André Bertuol, Antônio José Dalóia, Duciran Farena, Edmar Machado, Jefferson Aparecido Dias, Pedro Machado, Pedro Neto, Rodrigo Valdez e Uendel Ugatti.
A sorte de certos tribunais é que o brasileiro, de tão maltratado, já se acostumou ao papel de bobo. Há como que uma compulsão nacional pelo conformismo. Estão abusando da tolerância. Tudo tem limite.
 
Do armário de esqueletos: encontra-se em fase de alegações finais o processo do grampo do BNDES. Em texto remetido à Justiça, o Ministério Público repisa a convicção de que o grampo foi urdido pela máquina de espionagem do próprio governo. Pede-se a condenação de três integrantes dos quadros da Abin à época do grampo -Temílson Resende, João Guilherme dos Santos e Gerci Firmino da Silva- e de um detetive particular que prestava serviços à agência oficial de espionagem -Adilson Alcântara de Matos.
 
Pressa: antecipando-me à eliminação dos nefastos resquícios da era Vargas, saio em férias.



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