São Paulo, segunda-feira, 12 de agosto de 2002

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NO ESCURINHO DO CINEMA

FHC vê "Cidade de Deus", mas não fala de eleição

Exibição foi no sábado à noite, no Alvorada, com a presença, além dos convidados, do elenco do filme brasileiro

DANUZA LEÃO
COLUNISTA DA FOLHA

O presidente Fernando Henrique Cardoso e a primeira-dama Ruth Cardoso receberam sábado, no Palácio da Alvorada, para cineminha com direito a jantar.
O filme era "Cidade de Deus", e os convidados eram amigos do casal como Mary Lafer, que além de ser professora de grego antigo é casada com o ministro Celso Lafer, Catarina e Pedro Malan, Sergio Amaral, -eles sem gravata- mais a patota do filme -toda de gravata: o diretor, Fernando Meirelles, a co-diretora, Katia Lund, e os atores Alexandre Rodrigues e Jonathan Haagensen. Tinha também Daniel Filho, amigo de Ruth Cardoso dos tempos em que a primeira-dama participou da equipe de criação do "Malu Mulher", e Cati Almeida Braga, que, como não pôde ver o filme no Rio, foi vê-lo em Brasília -bem simples, não?
O casal Cardoso, que recebe muito bem, deixou os convidados perfeitamente à vontade -até fumar eles podiam.
Foram servidos prosseco e uísque, sem exageros, empadinhas e folheados, e o embaixador Frederico Araujo contou que o projecionista do palácio, ao testar o filme, perguntou, apavorado: "Mas é um filme pornográfico?", o que fez a primeira-dama rir muito, quando soube.
Às 9h começou a projeção; na sala, 40 confortabilíssimas poltronas, sendo que três delas -apenas três- com uma banqueta na frente para botar os pés. O presidente se sentou numa delas, esticou as pernas, e os dois atores do filme, que têm 19 anos -um deles mora na favela do Vidigal e o outro na do Pavão Pavãozinho e estavam elegantíssimos, de terno preto e gravata, fizeram igualzinho: se espicharam e descansaram os pés no pufe. Ah, e tinha pipoca.
O filme não é exatamente um musical açucarado da Metro: é forte, fortíssimo, e os personagens se comunicam o tempo todo com palavras que todo brasileiro conhece, mas não costuma dizer nos salões.
A platéia assistiu mu-da e, quando o filme acabou, as palmas foram vigorosas.
Fernando Henrique levantou os dois polegares e disse: "É um grande filme!". Os elogios foram muitos, e só se ouvia "parabéns" para cá, "parabéns" para lá -e aí foram todos jantar.
Eram cinco mesas redondas com lugares marcados e um bufê delicioso e simples -desses de sábado, quando os empregados deixam tudo pronto e saem de folga.
Havia travessas com mortadela e presunto cru, porções de tabule sobre folhas de alface da horta do palácio, uma vitela fria com frutas secas, pedaços de queijo parmesão, e só.
De sobremesa, compotas de goiaba e carambola, queijinhos brancos e uma torta de morangos. De bebida, água e vinho tinto. Tudo tão gostoso que as pessoas se levantaram várias vezes para se servir de novo, inclusive o presidente.
Paulo Lins, autor do livro "Cidade de Deus", do qual foi tirado o filme, bateu um longo papo com Fernando Henrique durante o jantar, e assunto havia: como ele foi aluno de um ex-aluno e de um ex-professor do presidente, o papo foi um belo duelo de inteligências.
Enquanto isso, em outra mesa, o ator Jonathan, sentado entre Ruth Cardoso -que a-do-rou o filme- e sua filha Bia, monopolizou as duas. Falaram sobre o quê? Educação.
Depois do jantar, café e licores na varanda, e o assunto dominante continuou sendo o filme, claro. Alguém indagou como e quando foi criada a "Cidade de Deus", e o presidente lembrou: "Foi no governo Carlos Lacerda, com a ajuda de Sandra Cavalcanti".
Quando se soube que o filme havia sido classificado para maiores de 18 anos, houve quase que uma indignação entre os presentes; o ministro Malan, Ruth e o próprio Fernando Henrique acharam um absurdo, e todos concordaram que a classificação ideal seria 16 anos; afinal, se aos 16 anos um jovem pode escolher o presidente da nação, como não pode ver um filme desses?
Perguntado sobre se iria ter saudades de Brasília, o presidente respondeu: "Mas eu não vivo em Brasília, vivo aqui e no Palácio do Planalto"; prosseguiu dizendo que vai pedir o usucapião para continuar morando no Alvorada, mas não como presidente. Já Ruth Cardoso foi mais concisa e quando alguém lhe fez a mesma pergunta, respondeu apenas: "Eu?"
Só de um assunto não se falou, nessa longa noite que terminou às 2 da manhã: de eleições.


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