São Paulo, segunda-feira, 12 de agosto de 2002

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ENTREVISTA DA 2ª

Para Kenneth Maxwell, acordo potencializa risco de uma crise ainda maior daqui a alguns meses

Ajuda do FMI só adia colapso, diz britânico

Eduardo Knapp/Folha Imagem
Kenneth Robert Maxwell, um dos principais estudiosos de Brasil no exterior, durante entrevista na sede da Folha, em São Paulo


DA REPORTAGEM LOCAL

O pacote de US$ 30 bilhões de ajuda ao Brasil fechado com o FMI na quarta-feira passada é insuficiente para solucionar a crise financeira do país. Essa é a avaliação do britânico Kenneth Robert Maxwell, um dos principais estudiosos do Brasil no exterior.
Diretor do programa de estudos latino-americanos do Conselho de Relações Internacionais, em Nova York, Maxwell vê o acordo com o Fundo Monetário Internacional como uma forma de apenas adiar o colapso da economia brasileira por alguns meses. "A partir de agora, os riscos serão ainda maiores para o Brasil e para o FMI, porque, quando vier, a quebra será muito maior", acredita o brasilianista.
Ao comentar o desempenho do atual governo, o historiador compara o final do segundo mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso com o término da gestão Raúl Alfonsín. Para Maxwell, FHC não terá de entregar o cargo antes do previsto, como fez o então presidente argentino em 1989, mas terminará sua administração com a reputação manchada, saindo "em uma situação desastrosa, dentro de uma crise financeira de grandes dimensões".
O historiador minimiza o papel da eleição presidencial brasileira como responsável pelas dificuldades econômicas e pondera que muitos dos problemas atuais poderiam ter sido identificados, ainda em sua gênese, há cerca de quatro anos. "Muitos dos problemas graves enfrentados agora pelo governo brasileiro são consequência de pontos do modelo de Fernando Henrique Cardoso que já estavam errados há quatro anos. Não são novos."
Sobre a atual disputa, afirma que Wall Street ainda sabe muito pouco sobre o candidato de FHC, José Serra, pensando que ele ainda representa a base política que até o início deste ano dava sustentação ao governo brasileiro.
Kenneth Maxwell concedeu esta entrevista na última quinta, na sede da Folha, em São Paulo, pouca horas antes do anúncio do pacote com o FMI. Depois de informado sobre os termos do acordo, o historiador respondeu, por e-mail, a mais algumas questões sobre o assunto. A seguir, os principais trechos da conversa.
(CLÓVIS ROSSI, LEONARDO CRUZ, RO DRIGO UCHÔA E VINICIUS MOTA)
 

Folha - Como o sr. avalia o momento político-econômico pelo qual passa o Brasil?
Kenneth Maxwell -
O que mais me impressiona é que há uma histeria em Nova York em relação ao Brasil neste momento. A mudança fundamental que agravou esse cenário é o momento de incerteza pelo qual passa a economia norte-americana. É cedo para dizer se os EUA entraram numa recessão, mas, internamente, o país está sem confiança, e, numa situação assim, qualquer situação externa de risco é exagerada. E o Brasil se encaixa nesse cenário. Todos os analistas que falam sobre o Brasil nas páginas econômicas do "Wall Street Journal", do "Washington Post" e do "New York Times" e hoje só vêem problemas tinham análises bastante otimistas há três ou quatro meses.

Folha - E o fator eleições? Fator Lula, fator Ciro Gomes, como é que o senhor vê isso, nesse cenário?
Maxwell -
É também um fator para a crise, mas acho que há várias falhas de avaliação nesse aspecto. Muitos dos problemas graves enfrentados agora pelo governo brasileiro são consequência de pontos do modelo de Fernando Henrique Cardoso que já estavam errados há quatro anos. Não são novos. O que é novo agora é este ambiente de histeria lá fora, que também está ligado às eleições e à transição. E esse problema pode ser resolvido com um pouco mais de informação sobre o que está acontecendo no Brasil.
É evidente que, quando um governo de oito anos chega ao final, há um certo grau de incerteza, é inevitável. Principalmente no Brasil, onde o último presidente que conseguiu chegar ao final de seu mandato foi Juscelino [Kubitschek, em 1961". Mas isso é uma coisa da democracia.

Folha - E se Serra melhorasse nas pesquisas. Isso de alguma forma poderia aliviar a crise financeira?
Maxwell -
Creio que agora a crise vai além disso. Estamos no meio do furacão neste momento, e a crise já se auto-alimenta. Wall Street sabe muito pouco sobre Serra e tem uma interpretação errada de que a vitória de Serra representaria a continuidade, a transferência para o próximo governo de uma coalizão que sustentou o atual governo. Só que essa coalizão foi destruída há meses. Isso não entra na cabeça deles. E Wall Street ainda acredita que Serra vencerá a eleição, apesar da histeria deste momento.

Folha - Já é possível fazer uma primeira avaliação, sob perspectiva histórica, do que representaram os oito de governo FHC?
Maxwell -
Comparando os primeiros quatro anos com os últimos quatro anos: para Fernando Henrique, estão se formando as consequências funestas de seguir no governo por um segundo mandato. Se Fernando Henrique tivesse saído quatro anos atrás, teria saído como herói, mas, agora, creio que sairá talvez como saiu Alfonsín. Não terá de entregar o cargo antes, como Alfonsín fez, mas sai em uma situação desastrosa, dentro de uma crise financeira de grandes dimensões. Creio que esse pacote [com o FMI" não será suficiente para acalmar as pessoas de fora que são responsáveis pela abertura de linhas de crédito, para que elas tenham confiança no governo brasileiro.

Folha - O senhor mantém essa avaliação mesmo com o anúncio da liberação de US$ 30 bilhões, acima do esperado pelo mercado?
Maxwell -
Apenas US$ 6 bilhões estarão disponíveis neste ano, a partir de setembro. Isso é quase a mesma quantia em novas fraudes descobertas na Worldcom apenas nesta semana. O restante do dinheiro do FMI é uma promessa. Seu desembolso depende do "bom comportamento" do próximo governo brasileiro, dentro daquilo que o FMI entende por "bom comportamento", ou seja, a manutenção das mesmas medidas aprovadas pelo FMI e que levaram à crise atual. Espero estar enganado, mas temo que a hora da verdade para o Brasil apenas tenha sido postergada, e o problema, agravado.
É evidente que há vencedores com o pacote. Como pudemos ver com a reação eufórica nos mercados em Nova York e na Europa, o acordo reduziu imediatamente a pressão sobre os financiadores, especialmente os grandes bancos dos EUA e da Europa superexpostos no Brasil e vulneráveis em casa devido ao atual ritmo lento atual da economia norte-americana.

Folha - Pelo acordo anunciado, o futuro governo brasileiro terá de manter a meta de superávit para a economia em, no mínimo, 3,75% do PIB. Em sua avaliação, em que medida essa condição engessa a política econômica do próximo governo?
Maxwell -
Claro, essa intenção está clara e explícita no acordo. Mas é uma ilusão dos tecnocratas acreditar que tais metas possam ser projetadas e impostas em períodos de turbulência política e econômica. Ninguém sabe como ficarão as condições econômicas globais ao longo do próximo ano nem qual a configuração que o governo brasileiro assumirá.
O que o FMI parece esquecer é que o Brasil é uma democracia e está em período eleitoral. No fim das contas, a sociedade brasileira tem voz, e essa voz pedirá em outubro crescimento econômico, menos desemprego, mais oportunidades de estudos e mais segurança -esses são os direitos da sociedade, independentemente daquilo que o FMI e o governo brasileiro tenham assinado em agosto.

Folha - O anúncio de tal acordo com o FMI, com a obtenção de US$ 30 bilhões, pode, em sua avaliação, servir para minimizar o risco de Fernando Henrique Cardoso deixar seu segundo mandato com a imagem desgastada? Ou o simples fato de seu governo ter sido obrigado a se submeter ao Fundo já é desgaste suficiente?
Maxwell -
O desgaste já é suficiente, sim. E a consequência mais preocupante é que, a partir de agora, os riscos serão ainda maiores para o Brasil e para o FMI, porque, quando vier, a quebra será muito maior. Este é o momento de não impedir o legítimo debate político sobre soluções alternativas.

Folha - Como o sr. vê a atual situação do Mercosul, com o Brasil em crise, a Argentina em crise, o Uruguai em crise, o Paraguai sempre em crise. O Mercosul está acabado?
Maxwell -
Sim, eu creio que sim. A política externa do governo brasileiro nos últimos anos foi baseada no sentido de fortalecer o Mercosul e sua posição como líder da América do Sul em geral, para ficar com mais capacidade de negociações com o resto do mundo. Isso também é um desastre do governo Fernando Henrique, porque está todo mundo quebrado. Se o Mercosul fosse algo real, essa ajuda financeira do Tesouro dos EUA para o Uruguai poderia ter saído do Tesouro brasileiro.

Folha - Agora, o senhor fala nesse cenário de ruína do Mercosul, mas nos programas de governo dos três principais candidatos dessa eleição, a proposta para a política externa é a de fortalecimento do Mercosul, de revitalização do Mercosul e de renegociação dos termos de acordo com a Alca, principalmente, em relação à política americana de protecionismo. O senhor consegue prever as dificuldades para o próximo governo, qualquer que seja ele, nessa negociação para o fortalecimento do Mercosul?
Maxwell -
A situação é extremamente difícil simplesmente porque está ligada a apoio do FMI e, no fim das contas, dos Estados Unidos. E já haverá uma nova rodada de negociações sobre a Alca em 15 de janeiro. Qualquer que seja o novo governo brasileiro estará em uma situação de pressão.
Supondo que o novo pacote com o FMI dê certo, e o cenário atual se acalme, o problema só será jogado mais para frente, para janeiro ou fevereiro. Se, nessa situação, o governo brasileiro precisar de mais ajuda financeira, estará muito pressionado para aceitar um acordo com os EUA dentro da visão que for mais interessante para Washington.

Folha - Não haveria então no Brasil espaço para uma política mais contestatória, mais dura, em relação aos Estados Unidos?
Maxwell -
Acho que não há espaço para uma política só de oposição, sem levar em conta a realidade. Não seria uma política consistente. Se houver uma situação de confronto em relação aos EUA sobre comércio, por exemplo, que inviabilize totalmente a Alca, o Brasil estará comprando uma briga que não se dá entre iguais.

Folha - O senhor está dizendo que a ajuda financeira do Fundo Monetário, com o apoio do Tesouro americano pode ser uma espécie de prerrogativa para futuras concessões por parte do Brasil, especialmente nas negociações da Alca?
Maxwell -
Não, eu acho que não existe neste momento uma ligação. Mas a Alca é uma prioridade bastante alta para o governo Bush. E, se houver uma resistência muito forte em relação a essa zona de livre comércio, Bush pode começar a pensar: por que os brasileiros estão nos pedindo apoio para obter ajuda de bilhões de dólares se, ao mesmo tempo, fazem oposição total à nossa política externa de livre comércio? Eu acho que estas ligações podem ser feitas, tanto na Casa Branca quanto no Congresso dos EUA.

Folha - Mas, no conjunto da América Latina, quase todos os países seguiram as chamadas políticas neoliberais. E todos, aparentemente, terminaram com fracassos maiores ou menores. O Consenso de Washington pode ser considerado um fracasso?
Maxwell -
Há um impasse na política americana em respeito à América Latina. E também há um impasse dentro da América Latina em relação às suas próprias políticas. O Brasil, neste momento, está enfrentando o colapso de expectativas desse modelo.



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