|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ENTREVISTA DA 2ª
Para Kenneth Maxwell, acordo potencializa risco de uma crise ainda maior daqui a alguns meses
Ajuda do FMI só adia colapso, diz britânico
Eduardo Knapp/Folha Imagem
|
Kenneth Robert Maxwell, um dos principais estudiosos de Brasil no exterior, durante entrevista na sede da Folha, em São Paulo |
DA REPORTAGEM LOCAL
O pacote de US$ 30 bilhões de
ajuda ao Brasil fechado com o
FMI na quarta-feira passada é insuficiente para solucionar a crise
financeira do país. Essa é a avaliação do britânico Kenneth Robert
Maxwell, um dos principais estudiosos do Brasil no exterior.
Diretor do programa de estudos
latino-americanos do Conselho
de Relações Internacionais, em
Nova York, Maxwell vê o acordo
com o Fundo Monetário Internacional como uma forma de apenas adiar o colapso da economia
brasileira por alguns meses. "A
partir de agora, os riscos serão
ainda maiores para o Brasil e para
o FMI, porque, quando vier, a
quebra será muito maior", acredita o brasilianista.
Ao comentar o desempenho do
atual governo, o historiador compara o final do segundo mandato
do presidente Fernando Henrique Cardoso com o término da
gestão Raúl Alfonsín. Para Maxwell, FHC não terá de entregar o
cargo antes do previsto, como fez
o então presidente argentino em
1989, mas terminará sua administração com a reputação manchada, saindo "em uma situação desastrosa, dentro de uma crise financeira de grandes dimensões".
O historiador minimiza o papel
da eleição presidencial brasileira
como responsável pelas dificuldades econômicas e pondera que
muitos dos problemas atuais poderiam ter sido identificados, ainda em sua gênese, há cerca de
quatro anos. "Muitos dos problemas graves enfrentados agora pelo governo brasileiro são consequência de pontos do modelo de
Fernando Henrique Cardoso que
já estavam errados há quatro
anos. Não são novos."
Sobre a atual disputa, afirma
que Wall Street ainda sabe muito
pouco sobre o candidato de FHC,
José Serra, pensando que ele ainda representa a base política que
até o início deste ano dava sustentação ao governo brasileiro.
Kenneth Maxwell concedeu esta
entrevista na última quinta, na sede da Folha, em São Paulo, pouca
horas antes do anúncio do pacote
com o FMI. Depois de informado
sobre os termos do acordo, o historiador respondeu, por e-mail, a
mais algumas questões sobre o assunto. A seguir, os principais trechos da conversa.
(CLÓVIS ROSSI, LEONARDO CRUZ, RO
DRIGO UCHÔA E VINICIUS MOTA)
Folha - Como o sr. avalia o momento político-econômico pelo
qual passa o Brasil?
Kenneth Maxwell - O que mais
me impressiona é que há uma histeria em Nova York em relação ao
Brasil neste momento. A mudança fundamental que agravou esse
cenário é o momento de incerteza
pelo qual passa a economia norte-americana. É cedo para dizer se os
EUA entraram numa recessão,
mas, internamente, o país está
sem confiança, e, numa situação
assim, qualquer situação externa
de risco é exagerada. E o Brasil se
encaixa nesse cenário. Todos os
analistas que falam sobre o Brasil
nas páginas econômicas do "Wall
Street Journal", do "Washington
Post" e do "New York Times" e
hoje só vêem problemas tinham
análises bastante otimistas há três
ou quatro meses.
Folha - E o fator eleições? Fator
Lula, fator Ciro Gomes, como é que
o senhor vê isso, nesse cenário?
Maxwell - É também um fator
para a crise, mas acho que há várias falhas de avaliação nesse aspecto. Muitos dos problemas graves enfrentados agora pelo governo brasileiro são consequência de
pontos do modelo de Fernando
Henrique Cardoso que já estavam
errados há quatro anos. Não são
novos. O que é novo agora é este
ambiente de histeria lá fora, que
também está ligado às eleições e à
transição. E esse problema pode
ser resolvido com um pouco mais
de informação sobre o que está
acontecendo no Brasil.
É evidente que, quando um governo de oito anos chega ao final,
há um certo grau de incerteza, é
inevitável. Principalmente no
Brasil, onde o último presidente
que conseguiu chegar ao final de
seu mandato foi Juscelino [Kubitschek, em 1961". Mas isso é
uma coisa da democracia.
Folha - E se Serra melhorasse nas
pesquisas. Isso de alguma forma
poderia aliviar a crise financeira?
Maxwell - Creio que agora a crise
vai além disso. Estamos no meio
do furacão neste momento, e a
crise já se auto-alimenta. Wall
Street sabe muito pouco sobre
Serra e tem uma interpretação errada de que a vitória de Serra representaria a continuidade, a
transferência para o próximo governo de uma coalizão que sustentou o atual governo. Só que essa coalizão foi destruída há meses.
Isso não entra na cabeça deles. E
Wall Street ainda acredita que
Serra vencerá a eleição, apesar da
histeria deste momento.
Folha - Já é possível fazer uma
primeira avaliação, sob perspectiva histórica, do que representaram
os oito de governo FHC?
Maxwell - Comparando os primeiros quatro anos com os últimos quatro anos: para Fernando
Henrique, estão se formando as
consequências funestas de seguir
no governo por um segundo
mandato. Se Fernando Henrique
tivesse saído quatro anos atrás, teria saído como herói, mas, agora,
creio que sairá talvez como saiu
Alfonsín. Não terá de entregar o
cargo antes, como Alfonsín fez,
mas sai em uma situação desastrosa, dentro de uma crise financeira de grandes dimensões. Creio
que esse pacote [com o FMI" não
será suficiente para acalmar as
pessoas de fora que são responsáveis pela abertura de linhas de crédito, para que elas tenham confiança no governo brasileiro.
Folha - O senhor mantém essa
avaliação mesmo com o anúncio da
liberação de US$ 30 bilhões, acima
do esperado pelo mercado?
Maxwell - Apenas US$ 6 bilhões
estarão disponíveis neste ano, a
partir de setembro. Isso é quase a
mesma quantia em novas fraudes
descobertas na Worldcom apenas
nesta semana. O restante do dinheiro do FMI é uma promessa.
Seu desembolso depende do
"bom comportamento" do próximo governo brasileiro, dentro daquilo que o FMI entende por
"bom comportamento", ou seja, a
manutenção das mesmas medidas aprovadas pelo FMI e que levaram à crise atual. Espero estar
enganado, mas temo que a hora
da verdade para o Brasil apenas
tenha sido postergada, e o problema, agravado.
É evidente que há vencedores
com o pacote. Como pudemos
ver com a reação eufórica nos
mercados em Nova York e na Europa, o acordo reduziu imediatamente a pressão sobre os financiadores, especialmente os grandes bancos dos EUA e da Europa
superexpostos no Brasil e vulneráveis em casa devido ao atual ritmo lento atual da economia norte-americana.
Folha - Pelo acordo anunciado, o
futuro governo brasileiro terá de
manter a meta de superávit para a
economia em, no mínimo, 3,75%
do PIB. Em sua avaliação, em que
medida essa condição engessa a
política econômica do próximo governo?
Maxwell - Claro, essa intenção
está clara e explícita no acordo.
Mas é uma ilusão dos tecnocratas
acreditar que tais metas possam
ser projetadas e impostas em períodos de turbulência política e
econômica. Ninguém sabe como
ficarão as condições econômicas
globais ao longo do próximo ano
nem qual a configuração que o
governo brasileiro assumirá.
O que o FMI parece esquecer é
que o Brasil é uma democracia e
está em período eleitoral. No fim
das contas, a sociedade brasileira
tem voz, e essa voz pedirá em outubro crescimento econômico,
menos desemprego, mais oportunidades de estudos e mais segurança -esses são os direitos da
sociedade, independentemente
daquilo que o FMI e o governo
brasileiro tenham assinado em
agosto.
Folha - O anúncio de tal acordo
com o FMI, com a obtenção de US$
30 bilhões, pode, em sua avaliação,
servir para minimizar o risco de
Fernando Henrique Cardoso deixar
seu segundo mandato com a imagem desgastada? Ou o simples fato
de seu governo ter sido obrigado a
se submeter ao Fundo já é desgaste
suficiente?
Maxwell - O desgaste já é suficiente, sim. E a consequência
mais preocupante é que, a partir
de agora, os riscos serão ainda
maiores para o Brasil e para o
FMI, porque, quando vier, a quebra será muito maior. Este é o momento de não impedir o legítimo
debate político sobre soluções alternativas.
Folha - Como o sr. vê a atual situação do Mercosul, com o Brasil em
crise, a Argentina em crise, o Uruguai em crise, o Paraguai sempre
em crise. O Mercosul está acabado?
Maxwell - Sim, eu creio que sim.
A política externa do governo
brasileiro nos últimos anos foi baseada no sentido de fortalecer o
Mercosul e sua posição como líder da América do Sul em geral,
para ficar com mais capacidade
de negociações com o resto do
mundo. Isso também é um desastre do governo Fernando Henrique, porque está todo mundo
quebrado. Se o Mercosul fosse algo real, essa ajuda financeira do
Tesouro dos EUA para o Uruguai
poderia ter saído do Tesouro brasileiro.
Folha - Agora, o senhor fala nesse
cenário de ruína do Mercosul, mas
nos programas de governo dos três
principais candidatos dessa eleição, a proposta para a política externa é a de fortalecimento do Mercosul, de revitalização do Mercosul
e de renegociação dos termos de
acordo com a Alca, principalmente,
em relação à política americana de
protecionismo. O senhor consegue
prever as dificuldades para o próximo governo, qualquer que seja ele,
nessa negociação para o fortalecimento do Mercosul?
Maxwell - A situação é extremamente difícil simplesmente porque está ligada a apoio do FMI e,
no fim das contas, dos Estados
Unidos. E já haverá uma nova rodada de negociações sobre a Alca
em 15 de janeiro. Qualquer que
seja o novo governo brasileiro estará em uma situação de pressão.
Supondo que o novo pacote
com o FMI dê certo, e o cenário
atual se acalme, o problema só será jogado mais para frente, para
janeiro ou fevereiro. Se, nessa situação, o governo brasileiro precisar de mais ajuda financeira, estará muito pressionado para aceitar um acordo com os EUA dentro da visão que for mais interessante para Washington.
Folha - Não haveria então no Brasil espaço para uma política mais
contestatória, mais dura, em relação aos Estados Unidos?
Maxwell - Acho que não há espaço para uma política só de oposição, sem levar em conta a realidade. Não seria uma política consistente. Se houver uma situação de
confronto em relação aos EUA
sobre comércio, por exemplo, que
inviabilize totalmente a Alca, o
Brasil estará comprando uma briga que não se dá entre iguais.
Folha - O senhor está dizendo que
a ajuda financeira do Fundo Monetário, com o apoio do Tesouro americano pode ser uma espécie de
prerrogativa para futuras concessões por parte do Brasil, especialmente nas negociações da Alca?
Maxwell - Não, eu acho que não
existe neste momento uma ligação. Mas a Alca é uma prioridade
bastante alta para o governo
Bush. E, se houver uma resistência muito forte em relação a essa
zona de livre comércio, Bush pode começar a pensar: por que os
brasileiros estão nos pedindo
apoio para obter ajuda de bilhões
de dólares se, ao mesmo tempo,
fazem oposição total à nossa política externa de livre comércio? Eu
acho que estas ligações podem ser
feitas, tanto na Casa Branca quanto no Congresso dos EUA.
Folha - Mas, no conjunto da América Latina, quase todos os países
seguiram as chamadas políticas
neoliberais. E todos, aparentemente, terminaram com fracassos
maiores ou menores. O Consenso
de Washington pode ser considerado um fracasso?
Maxwell - Há um impasse na política americana em respeito à
América Latina. E também há um
impasse dentro da América Latina em relação às suas próprias políticas. O Brasil, neste momento,
está enfrentando o colapso de expectativas desse modelo.
Texto Anterior: Crítica: Filme mostra transformação da favela em front do crime Próximo Texto: Frases Índice
|