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JANIO DE FREITAS
A condenação do juiz
O assassinato do juiz Leopoldino Marques do Amaral tem
várias causas e inúmeros co-autores. Suas denúncias de envolvimento de desembargadores e juízes de Mato Grosso em
crimes diversos, inclusive o
narcotráfico, e os responsáveis
diretos pelo assassinato são
apenas uma parte da tragédia.
Tem toda razão o filho do
juiz Marques do Amaral ao dizer que o assassinato de seu pai
poderia ser evitado. O juiz levou as denúncias às chamadas
autoridades judiciais e governamentais, levou-as à CPI do
Judiciário, levou-as aos jornais
e à TV. Só lhe restou a última
das denúncias possíveis, feita
para os mesmos destinatários:
a de que sua vida estava em perigo iminente, já sob ameaças
objetivas. O cuidado dispensado às denúncias e à sua vida,
no entanto, foi o mesmo: nenhum.
O destino das denúncias de
corrupção, seja esta de que gênero for, no Brasil não varia.
Os brasileiros falam muito na
impunidade, como se fosse a
resultante de um desleixo na
aplicação da lei ou de uma
complacência de compadrio
nas cúpulas de governos, no
Congresso, no Judiciário mesmo. Quem dera fosse apenas isso. As denúncias não produzem os efeitos devidos porque a
repulsa não é ao fato denunciado, mas à ocorrência de
uma denúncia.
É nítida, é grosseiramente
sem-cerimoniosa a raiva despertada por denúncias naqueles que deveriam acatá-las logo, providenciar sua verificação, estimular o possível aprofundamento e, se for o caso, encaminhar um material sério e
substancioso às necessárias
consequências legais. Nessa
reação invertida, os governos
brasileiros e seus integrantes
têm sido milimetricamente
iguais.
A aceitação dos atos denunciados não é só praticada pelos
que têm o dever do rigor, é
também exigida por eles aos
que não a admitem. Embora
quase superficiais, dois casos
recentes ilustram a exigência
imoral.
As manobras para deformar
a privatização da telefonia não
indignaram, mas a sua denúncia levantou a ira do próprio
presidente da República e,
atrás dele, dos seus aliados políticos e empresariais. Usar
aviões do serviço público militar para turismo, ou fazê-lo
340 vezes para transporte doméstico, como fez Clóvis Carvalho, não provoca nem sequer
estranheza, mas denunciar o
abuso ilegal provoca insultos
do presidente-sociólogo, que
afinal baixa um ato antiético
para dar ares de legalidade ao
privilégio que não a tem.
A ira provocada pela denúncia recai, é claro, sobre o autor.
A hostilidade que se volta contra o jornalista que noticia
fraudes, negociatas, compra de
votos, e outros usos, chega até o
ódio e se manifesta como tal. E
não só por parte dos atingidos
pessoalmente. Autores dessas
notícias passam a ser considerados inimigos dos governistas,
estejam eles no governo, no
empresariado, na universidade ou no restaurante. O silêncio conivente e a mentira são
muito bem vistos.
O Brasil entrou na lista dos
países onde mais jornalistas
têm sido sofrido atentados fatais. Esse não é, porém, um assunto que suscite maior interesse nem mesmo dos meios de
comunicação. E não porque se
trate de jornalistas, mas por ser
assunto de relevância menor
na temática brasileira. Ou, do
contrário, o Brasil não estaria
no destaque entre os países de
maior número de testemunhas
que, deixadas à mercê da sorte,
são mortas por vingança.
Nos últimos anos, a reação
feroz a denúncias de qualquer
forma de corrupção extravasou dos governos. Tornaram-se
frequentes, nos jornais, as cartas de fernandistas exaltados
contra o que chamam de denuncismo. Uma atitude que
conquistou pronta adesão de
jornalistas cujos interesses não
têm a ver com jornalismo. Mas,
por partidarismo ou por mercantilismo, uns e outros estão
externando a capacidade, tão
disseminada no Brasil, de abrir
mão do rigor e da moralidade
por alguma conveniência.
O juiz Leopoldino Marques
do Amaral foi atingido por
uma bala na nuca, outra em
um ouvido. Mas já estava sobrevivendo precariamente,
condenado à sorte indefesa pelo repúdio, seja manifestado
com descaso ou com ira, que as
denúncias de qualquer corrupção provocam no Brasil. E as
suas eram muito graves.
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