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PRATO FEITO
Em jantar com jornalistas, presidente diz que aceita negociar multa do FGTS e descarta mudança na economia
Lula quer flexibilização da CLT em 2005
ELIANE CANTANHÊDE
DIRETORA DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
KENNEDY ALENCAR
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
O presidente Luiz Inácio Lula da
Silva defendeu, durante jantar anteontem com jornalistas, a flexibilização das leis trabalhistas, inclusive da multa de 40% sobre o
FGTS, e descartou incisivamente
mudar a política econômica: "Plano B é invenção, não existe".
"Falam em mudar a política
econômica, mas o que é mudar? É
mudar o superávit primário? Pois
nisso eu não vou mexer", disse
Lula, negando a possibilidade de
um "plano B" -alternativa acalentada até por setores do PT e do
governo insatisfeitos com a política econômica do ministro Antonio Palocci Filho (Fazenda).
Lula justificou os superávits primários altos (economia para pagamento de juros da dívida pública) como fator fundamental para
garantir "a credibilidade" e "a
manutenção do clima de confiança" no país. "Eu preciso de credibilidade para falar lá fora, falar de
igual para igual", disse o presidente no encontro, que foi organizado pelo secretário de Imprensa e Divulgação de Lula, Ricardo
Kotscho, e pela colunista Tereza
Cruvinel, do jornal "O Globo".
O jantar ocorreu na casa de Cruvinel em Brasília. Participaram,
além de Lula e da primeira-dama,
Marisa Letícia da Silva, 17 jornalistas de sete jornais (Folha, "O
Globo", "O Estado de S.Paulo",
"Jornal do Brasil", "Valor Econômico", "Correio Braziliense" e
"Estado de Minas") e da TV Globo. Além de Kotscho, outros dois
assessores do presidente -Malu
Baldoni e Fábio Kerche- acompanharam Lula no jantar.
Os organizadores disseram que
seria uma conversa informal, sem
gravadores nem blocos de anotação, e que cada um usaria as declarações livremente. Houve sorteio para acomodar os jornalistas
nos lugares da mesa com Lula.
Cruvinel abriu o encontro com
uma piada que já circulava antes
mesmo da chegada do presidente:
Lula foi levado a um centro espírita com um problema, e o pai-de-santo logo percebeu do que se tratava. Aproximou-se e disse: "Sai
desse corpo, Fernando Henrique,
que ele não te pertence!".
Lula, Marisa e os jornalistas riram da piada, que ironiza as semelhanças entre os governos Lula
e FHC, principalmente na política
econômica. O presidente diz que
se diverte com as charges da imprensa. "Os chargistas têm uma
imaginação!", disse Lula.
O jantar, um churrasco com
carne de boi, frango e carneiro,
transcorreu em clima descontraído, com Lula respondendo a perguntas. Ele bebeu dois copos de
uísque, tomou sorvete de sobremesa e fumou um charuto cubano na hora do cafezinho e do licor
de limão. Junto de Marisa, que
trajava terninho azul esverdeado,
chegou por volta das 21h e se retirou pouco antes da meia-noite.
Reformas
Lula disse que enviará ao Congresso em 2004 as reformas sindical e do Judiciário. "A reforma
trabalhista só em 2005, porque este ano é um ano atípico", numa
alusão às eleições municipais.
Foi nesse momento que defendeu, sem detalhes, uma reforma
trabalhista que "incentive a geração de empregos". Disse que as
partes, trabalhadores, empresários e governo, devem "ter liberdade" e se dispor a fazer uma negociação. "Mas, se cada um pensar só em ganhar, paralisa."
Apesar de rejeitar o uso da palavra "flexibilização", disse que poderia ser revisto o mecanismo que
prevê multa de 40% sobre o FGTS
(Fundo de Garantia do Tempo de
Serviço) nas demissões e citou o
parcelamento do 13º salário.
Para Lula, a única coisa inegociável são as férias de 30 dias: "Direito que existe em todo o mundo
(sic)". Quando lembraram que
nos EUA, não, reagiu: "Estou tentando marcar um encontro com
empresários lá em julho e não está
dando. Não vai ter ninguém lá".
Apesar da defesa das férias, contou que, quando estava de folga,
ficava angustiado após dez dias.
"Perguntem à Marisa", brincou.
Ela acenou que sim com a cabeça.
Aproveitou o tema reformas para criticar o antecessor FHC, que
incentivou a criação de uma central trabalhista, a SDS (Social Democracia Sindical). "Um erro."
Economia
Segundo Lula, o país precisa de
um superávit primário de pelo
menos um terço do que paga de
juros pela dívida pública (no ano
passado, 9,49% do PIB), e há gente na própria esquerda que defende superávits "até mais altos". Os
superávits, disse, garantem a
"manutenção da confiança". "Eu
preciso de credibilidade para falar
lá fora. Falar de igual para igual."
Queixou-se que todos reclamam dos juros altos, mas ninguém lembra que "são os menores dos últimos dez anos". Voltou
a criticar os empresários: "Só falam de economia às vésperas do
Copom, só sabem falar em Copom". Anunciou, então, que vai
procurar federações empresariais
"para discutir preços, investimentos". Ou seja, quer negociar uma
trégua nos reajustes de preços.
Universidades
Lula falou em "parcerias" para
colocar mais estudantes nas universidades privadas: "Se colocarmos 100 mil, já vai ser ótimo!".
Defendeu ainda que os pesquisadores da universidades se dediquem a estudos que tenham
"maior aplicação prática": "Na
China é assim. A pesquisa é sobre
algo que vai ter utilidade prática".
A troca de ministros da Educação, de Cristovam Buarque para
Tarso Genro, teria tido esse intuito. "Era preciso alguém que não
fosse da área." Buarque foi reitor
da Universidade de Brasília.
Ao falar de como "é duro demitir amigos", disse que em 1973, como presidente do Sindicato dos
Metalúrgicos do ABC (SP), demitiu um advogado que, além de velho companheiro, tinha sete filhas. "Tinha de fazer, fiz."
Palocci e Meirelles
Lula fez questão de distinguir
Palocci: "Caminhamos todos os
dias". Falou que usa esses momentos para "troca de idéias e de
apostas". Disse ainda que o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, foi uma surpresa e
está indo muito bem. Virou-se
para Kotscho e disse: "O Meirelles
precisa fazer encontros assim. Organiza um desses com ele".
Depois de uma série de elogios
ao ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, confidenciou:
"Eu queria alguém com o perfil
do Pratini de Moraes. Aí, veio o
Rodrigues". Pratini foi ministro
da Agricultura no segundo mandato de FHC (1999-2002) e da Indústria e Comércio no governo
Emílio Médici (1969-1974).
Sobre a força do Joaquim Levy
(secretário do Tesouro), deixou
rastros claros de que não gosta do
auxiliar de Palocci, ao se referir a
Levy como "segundo escalão".
Mas mostrou respeitar a decisão
do ministro de bancá-lo no posto.
"Esse pessoal do Tesouro joga duro, e precisa ser duro mesmo", havia dito no início da conversa. Já
no fim, disse que delega confiança
ao "primeiro escalão" e que este é
responsável pelo "segundo". Se
não der certo, quem sofre as conseqüências é o chefe. Nessa hora,
citou ter confiança em Palocci.
"O Levy, perto do Sadao, é um
santo", comparou. Sadao Higuchi, amigo de Lula que morreu em
1998, foi administrador do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC.
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