São Paulo, segunda, 13 de abril de 1998

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INTERVENCIONISMO
Arrecadação de impostos chegou, nos últimos quatro anos, a um patamar superior a 28% do PIB
Estado cresce, apesar do "neoliberalismo"

GUSTAVO PATÚ
Sucursal de Brasília

DENISE CHRISPIM MARIN
da Sucursal de Brasília

Oito anos de abertura econômica, privatizações, discursos oficiais em favor da economia de mercado e ataques da oposição ao neoliberalismo não fizeram o Estado brasileiro encolher. E o que parece mais surpreendente: o Estado está crescendo nos anos 90.
Os números mais usados nesse tipo de medição (a proporção entre receitas, dívidas e gastos públicos e o tamanho total da economia) mostram que o Estado brasileiro nunca foi tão grande na comparação com o cômputo de bens e serviços produzidos no país.
Uma série histórica sobre a carga tributária produzida pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, ligado ao Ministério do Planejamento) revela que a arrecadação geral de impostos chegou, nos últimos quatro anos, a um patamar superior a 28% do PIB (Produto Interno Bruto).
Esse percentual oscila ao longo dos anos, mas apresenta uma tendência de crescimento desde 1947 não interrompida nos anos 90, marcados pelas reformas liberais dos governos Fernando Collor de Mello e Fernando Henrique Cardoso.
Apesar de não haver uma série comparável sobre o gasto público, o aumento do déficit da União, dos Estados e dos municípios sob o governo FHC autoriza a conclusão de que os gastos do Estado, na comparação com o PIB, cresceram nos últimos anos e estão nos níveis mais altos da história.
"Em plena época do suposto triunfo do neoliberalismo, os Estados nacionais aumentam a participação na economia", diz o economista Paulo Nogueira Batista Júnior, que aponta, com dados da revista inglesa "The Economist", fenômeno similar nos EUA e no Reino Unido, nos quais os governos Reagan e Thatcher, respectivamente, tornaram-se referências da doutrina neoliberal.
O ex-ministro da Fazenda Mailson da Nóbrega, hoje na Consultores Associados e presidente do Conselho de Reforma do Estado, endossa. "É falsa a sensação de que, desde a década de 80, o Estado estaria diminuindo."
"Discussão esotérica"
Aparentemente, há um paradoxo: se de fato vivemos a época do neoliberalismo, que prega um Estado mínimo, parece difícil entender como os gastos públicos crescem no Brasil e em países desenvolvidos. Mas existem explicações.
"Há muita mistificação, muito discurso ideológico, no debate entre defensores e críticos do neoliberalismo", diz Batista Júnior. Governos que fazem a apologia do neoliberalismo não praticam o que pregam, e a oposição ataca o que não está acontecendo. "É uma discussão esotérica", afirma.
Mailson tem outra tese. "Os serviços sociais do Estado beneficiam a classe média e são difíceis de serem reduzidos devido à importância eleitoral dessa faixa da população. E, de outro lado, o Estado tem sido cada vez mais chamado a atender os mais pobres."
O fato é que há muita confusão em torno do que seja o neoliberalismo e as reformas que ocorreram no Brasil e em outros países. Genericamente, aceita-se que a doutrina neoliberal tenha surgido nos anos 30 a partir de uma revisão do liberalismo clássico -que defende um mercado absolutamente livre de interferências do Estado.
Economistas associados ao neoliberalismo mantêm o livre mercado como princípio, mas aceitam o Estado em funções como o controle da inflação, a defesa da concorrência e a segurança pública.
Esses teóricos rejeitam a função assistencial do governo. Com base nesse pressuposto, surgiu a proposta de um programa de renda mínima -pelo qual o Estado, em vez de programas sociais, proporciona uma renda mínima aos cidadãos e que, ironicamente, tem no senador Eduardo Suplicy (PT-SP) seu mais notório defensor no país.

Má qualidade
Pode-se dizer que, embora não tenha diminuído, o Estado brasileiro tornou-se mais liberal nos últimos anos, interferindo menos diretamente nas relações econômicas. É criticado pela má qualidade dos serviços que oferece, mas está longe de ser um Estado mínimo e tende a crescer ainda mais.
O economista Ricardo Varsano, coordenador de estudos setoriais do Ipea e responsável pela equipe que concluiu, em setembro de 97, o estudo sobre a carga tributária, acha que há margem para um aumento maior da receita pública.
A carga tributária no Brasil de 97 deverá repetir a dose de 96, de 28,93%. No governo FHC se registram os percentuais mais altos da história, variando em torno de 29% -em 94, como costuma ocorrer em anos de planos econômicos, a carga foi mais alta.
De acordo com os cálculos de Varsano, o máximo de tributação tolerável nas condições atuais de renda do país seria de 36% do PIB. Mas ele recomenda que o esforço fiscal não ultrapasse 34% do PIB.
Segundo Varsano, a chave para decifrar o tamanho do Estado está nas despesas -na qualidade e no custo delas. Quanto mais serviços prestados à sociedade a custos menores, menor o seu peso.
Mailson aposta que o gasto público, hoje acima dos 30% do PIB, também tende a subir: "A reforma do Estado não reduz o gasto público, ela melhora a qualidade e a eficiência do gasto". Na sua opinião, "o mercado financeiro acredita que a reforma administrativa trará uma grande economia de gastos, o que não é verdade".



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