São Paulo, quarta-feira, 13 de junho de 2001

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SUCESSÃO NO ESCURO

Cúpula vai discutir com economistas não filiados documento com as bases de seu programa econômico

PT abre debate de seu projeto para o país

CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA

O PT dá início na segunda-feira, para todos os efeitos práticos, à campanha eleitoral para 2002, ao mesmo tempo em que busca sair do gueto de esquerda em que ficou confinado nas três eleições presidenciais anteriores que disputou (e perdeu).
No dia 18, o partido apresenta a economistas de fora do PT um documento elaborado pelo Instituto da Cidadania, a organização não-governamental comandada por Luiz Inácio Lula da Silva, virtual candidato presidencial do partido. Dele constam as bases para um novo modelo de desenvolvimento e planos de transição entre o atual e o futuro modelo.
Estão convidados, entre outros, três economistas historicamente vinculados ao PMDB, mas agora afastados, casos de João Manuel Cardoso de Mello, Luiz Gonzaga Belluzzo e Luciano Coutinho (todos da Unicamp, o primeiro deles já aposentado).
Também estará presente o embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, afastado da presidência do Instituto Brasileiro para Relações Internacionais, uma dependência do Itamaraty, pelas suas fortes críticas à entrada do Brasil na Alca (Área de Livre Comércio das Américas).
Mas também foi convidado um economista que não tem tradição nem de esquerda nem de centro-esquerda, caso de Antoninho Marmo Trevisan, da consultoria Trevisan e Associados.
O fato de o documento, depois de ter sido discutido internamente, passar pelo crivo externo coincide com uma difusa mas generalizada sensação de que o governo Fernando Henrique Cardoso está esgotado ou se esgotando.
Se essa sensação corresponde aos fatos, natural que se passe também à discussão sobre um novo modelo, até porque o PT acredita que "o modelo neoliberal está se esgotando na América Latina", como diz o deputado federal Aloizio Mercadante (SP), uma espécie de economista-chefe do partido.
O PT quer, por isso, apresentar o seu próprio modelo, ao mesmo tempo em que responde aos ataques de personalidades do governo federal, em especial o ministro Pedro Malan (Fazenda), que tem defendido a tese de que o PT deveria assumir bandeiras como a da estabilidade da moeda e a da responsabilidade fiscal.
"Não somos contra a estabilidade, mas queremos outras bases para ela", devolve Mercadante.
O deputado petista diz que uma visão "estritamente monetarista" do ajuste fiscal levou a aceitar a imposição do FMI (Fundo Monetário Internacional) segundo a qual investimentos de estatais são gastos, em vez de investimentos.
"Por isso não se investiu em energia, o que, com o racionamento, vai levar a uma queda de pelo menos 1,5 ponto percentual no crescimento e a uma perda de receita fiscal de cerca de R$ 6 bilhões", ataca Mercadante.
O deputado critica também o fato de o ministro ter cobrado do PT apoio à LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias). Segundo Mercadante, a LDO foi elaborada levando em conta um crescimento de 4,5% da economia, uma inflação de 4% neste ano, um dólar a R$ 2,15 e juros básicos de 13,2%. "Esses números são realistas?", pergunta o deputado, sabendo que o próprio governo e a realidade, no caso do câmbio, já trabalham com outras medidas para todos os quatro quesitos.
Mercadante diz também que o PT não é contra a meta de inflação, mas acha que ela não pode ser excludente. "Evidente que é uma meta importante, mas meta de crescimento também é", diz.
O PT vai insistir na sua proposta de uma Carta de Responsabilidade Econômica e Social, que contenha metas prioritárias (inflação, crescimento, emprego, exemplifica Mercadante) e metas complementares.
O acompanhamento de tais metas seria feito pelo Parlamento e também por meio de audiências públicas. Seria uma das maneiras de fugir do que o deputado define como "privatização da agenda nacional", ou seja, a sua apropriação pelos agentes de mercado, que determinam o que os partidos e, por extensão, os governos podem e não podem propor.
A Folha apurou que o mercado continua, em relação ao PT, com as mesmas reservas e prevenções de sempre.
O PT, por sua vez, assume, pela voz de Mercadante, que haverá restrições a seus planos de governo tanto pelo lado da debilidade externa da economia brasileira, que necessita de capitais por natureza assustadiços, como pelo lado das finanças públicas.
"São restrições que terão que ser enfrentadas", diz Mercadante.
O que o partido não aceita é a tese de independência do Banco Central, que vem sendo esgrimida por setores do governo.
O argumento de Mercadante é poderoso: "Imagine um Banco Central independente e presidido por Gustavo Franco, com sua defesa intransigente do câmbio fixo. Seria o fim de qualquer política econômica", diz o petista.


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