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São Paulo, domingo, 13 de julho de 2003

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CONFLITO AGRÁRIO

Análise foi feita no último ano do governo FHC e teve financiamento e apoio técnico do próprio governo

Apesar de pôr em xeque os números oficiais, método não foi contestado por ministro, que prefaciou o livro

FHC assentou 44% a menos do que disse

DA REPORTAGEM LOCAL
DA AGÊNCIA FOLHA

Um estudo feito no último ano do governo de Fernando Henrique Cardoso, com financiamento e apoio técnico do próprio governo, apontou a existência de 328.825 famílias de trabalhadores rurais em assentamentos criados pelo Incra no período 1995-2001.
O número é 44% inferior às 584.655 famílias anunciadas em fevereiro de 2002 para o mesmo período pelo então ministro do Desenvolvimento Agrário, Raul Jungmann.
Entre março e setembro do ano passado, a Folha publicou série de reportagens que indicava inflação nos balanços do ministério, com a contagem de áreas abandonadas e sem infra-estrutura mínima (água, luz e esgoto).
Embora a pesquisa negue a propaganda do governo, o ministro do Desenvolvimento Agrário na época em que o estudo foi concluído, em dezembro último, José Abrão, não contestou a metodologia da equipe da USP.
Pelo contrário. No prefácio do livro, Abrão escreveu: "Esta parceria com entidades do nível e da qualidade das acima citadas [USP, FAO e IBGE] empresta à pesquisa que aqui temos o prazer -e o dever- de divulgar, uma indiscutível credibilidade".
Coordenador do estudo "A Qualidade dos Assentamentos da Reforma Agrária Brasileira", o engenheiro agrônomo da USP Gerd Spavorek, 41, confirmou que "alguns" assentamentos indicados pelo ministério "não foram localizados" ao longo da pesquisa, sem citar números.
"Acredito que a diferença entre os números se deva à forma pela qual o Incra [Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária] contabiliza seus assentados, mas é o Incra que deve responder sobre isso, que não foi o objeto do nosso trabalho", disse Spavorek.
O dado sobre as 328.825 famílias aparece uma única vez, numa tabela na página 44. Em nenhum momento a possível contradição entre o que o governo dizia e o que foi encontrado no campo é analisada nas 204 páginas do estudo. "Não queremos jogar lenha nessa fogueira", disse Spavorek, que preferiu não revelar quanto recebeu pelo trabalho. O custo da pesquisa foi de R$ 2,17 milhões.
Os assentados não foram contados um a um. Apesar disso, o governo chegou a dar o nome de "censo" à pesquisa, em textos distribuídos à imprensa. O "censo" foi anunciado em maio de 2002, após as reportagens da Folha.
Em alguns assentamentos, "cerca de 30", os pesquisadores foram barrados pelo MST, mas isso, segundo Spavorek, não atrapalhou o resultado. Os 30 assentamentos são 0,7% dos 4.430 locais que teriam sido visitados.
Uma pista para entender a disparidade entre os números oficiais e a pesquisa é dada por Spavorek: "Só contamos assentamentos efetivamente criados por meio de portaria no "Diário Oficial" da União no período 1995-2001". Ou seja, Spavorek não levou em conta atos administrativos que não geraram aumento real de terras para reforma agrária nem assentamento de famílias, mas que o governo contava como "assentamentos".
Também não foram contados projetos do Banco da Terra (aquisição direta da área). Segundo auditoria do governo, foram beneficiadas por esse programa 25.771 famílias até dezembro de 2001. Mesmo com essa soma, ainda há diferença de 41,5% em relação ao dado de fevereiro de 2002. (RUBENS VALENTE e EDUARDO SCOLESE)


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