São Paulo, quarta, 13 de agosto de 1997.



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GOVERNO PAULISTA
Empresa espanhola ganha contrato sem licitação para reformar os 48 trens que doou ao Estado
Doação de trens custa R$ 93 milhões em SP

IGOR GIELOW
da Reportagem Local

O governo de São Paulo está pagando R$ 93,20 milhões, sem licitação, para uma empresa espanhola reformar os 48 trens que entregou em doação ao Estado.
No último dia 7, a Secretaria dos Transportes Metropolitanos publicou aviso em jornais registrando a doação de 48 trens (uma unidade motriz elétrica mais dois vagões) espanhóis da série 440.
Trens com cerca de dez anos de uso, eles foram sucateados na Espanha pela Renfe (Red Nacional de los Ferrocarriles, a RFFSA de lá). A Renfe então resolveu doá-los a São Paulo, dentro de um programa de troca da frota espanhola.
No mesmo dia, a secretaria publicou outro aviso sobre um contrato de US$ 85,920 milhões (os R$ 93,20 milhões no câmbio comercial) com a mesma Renfe.
Objetivo: "Prestação de serviços de adaptação de 48 trens unidades elétricos - série 440".
A adaptação não é simples. Além de reformar todos os interiores, com inclusão de ar-condicionado, a bitola (espaço entre os trilhos) dos trens não é compatível.
A Espanha usa o padrão UIC, europeu, que utiliza aço carbono como material e bitola de 1.435 mm. No Brasil, o padrão é o norte-americano AAR, com 1.600 mm de bitola e uso de aço inoxidável.
Não houve licitação para o serviço. Segundo a CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos, que vai ficar com os vagões), isso ocorreu porque a empresa espanhola é detentora de toda tecnologia da série 440.
"Não há nada de ilegal nisso tudo. Encaminhamos tudo aos órgão responsáveis e o negócio é vantajoso", diz o presidente da CPTM, José Roberto Medeiros da Rosa.
Crítica
"Tem algo que não conseguimos entender", afirma o presidente da Abfer (Associação Brasileira da Indústria Ferroviária), Massimo Giavina Bianchi.
O custo por composição (locomotiva mais dois vagões) é de US$ 1,790 milhão. Só que o preço pago pelo governo paulista não inclui frete, Imposto de Importação e taxas estaduais. "Isso onera o preço em mais 35%", diz Bianchi.
As oito empresas brasileiras que produzem material ferroviário oferecem o produto novo por US$ 2 milhões a composição, segundo dados da Abfer.
Medeiros da Rosa rebate: "Os custos podem ser estes, mas o prazo que a indústria nacional pratica não resolve".
Outro problema é o fornecimento de peças. A série 440 não é mais produzida e não tem equivalentes nacionais. Ou seja, a manutenção dependerá dos espanhóis.
A Espanha tem um dos maiores índices de desemprego da Europa, na casa dos 20%. Hoje tenta integrar sua malha ferroviária à rede de TGV, os trens-bala franceses, e está trocando sua frota.
Refugo
"Estão se livrando do refugo, mas não podem aumentar o desemprego. Não podemos resolver o problema deles", afirma o arquiteto Vicente Bicudo, do Movimento Brasil Trem Jeito, que engloba 11 entidades do setor.
A área de produção ferroviária está em queda no país. Emprega 8.000 pessoas, tendo demitido 500 no último bimestre. Movimentou R$ 600 milhões em 1996.
Outra crítica de Bicudo é o fato de que há 241 trens esperando por reforma em São Paulo.
O PMDB deverá entregar hoje denúncia ao TCE (Tribunal de Contas do Estado) sobre o caso, segundo o peemedebista João Oswaldo Leiva.
Neste ano, o TCE já apontara falta de licitação em contratos que somaram R$ 176,5 milhões. O governo alegou caráter emergencial.



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