São Paulo, quarta-feira, 13 de setembro de 2000

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JANIO DE FREITAS
Sem compromisso

O governo assume compromissos com o MST, não os cumpre, o MST cria agitações de represália, o governo aciona intermediações, o MST cessa a agitação, o governo assume compromissos de ativar a reforma agrária. E assim outra vez. E mais outra. E sempre.
O último acordo teve ingredientes que o tornassem mais relevante do que os anteriores. Foi feito em reunião na Presidência da República, com a presença de Fernando Henrique Cardoso e dos ministros Raul Jungmann e José Gregori e, pareceria incrível que isso fosse necessário, com prelados da CNBB por testemunhas. É o acordo cujo descumprimento absoluto pelo governo motiva as ações atuais do MST.
O item fundamental do compromisso era o retorno à liberação de verbas para reativar a reforma agrária, seja com as iniciativas para novos assentamentos, seja com alguma atenção aos assentados. A relação dos investimentos governamentais até o final de agosto, levantada pelo vigilante deputado Agnelo Queiroz, apresenta a aplicação de apenas R$ 8,7 milhões dos R$ 132,4 milhões autorizados para a reforma agrária. Ou apenas 6,6% do que deveria.
O percentual aplicado na reforma agrária não alcançou nem os ridículos 10% que o governo investiu, em oito meses, do total estabelecido pelo Orçamento para este ano. Combinam-se, para isso, dois motivos formais e um de outra natureza.
O primeiro dos dois é a obediência à limitação de gastos fixada pelo FMI. O outro é a falta de seriedade, e frequentemente a imoralidade mesma, na destinação das verbas disponíveis, dentro do consentido pelo FMI. Transcrevo, a propósito, o repórter Otávio Cabral, da Folha, também com base no deputado Agnelo Queiroz:
"Nos oito primeiro meses do ano, foram gastos (pelo governo, com a orientação da Presidência) R$ 146 milhões em publicidade. O valor corresponde à soma dos investimentos feitos no mesmo período em saúde (R$ 69 milhões), educação (R$ 55 milhões) e ciência e tecnologia (R$ 22 milhões)".
Com outra conta, constata-se que o governo gastou em publicidade o equivalente a 17 vezes o que investiu em reforma agrária.
O terceiro dos motivos que levam a esses e a todos os outros desvios de finalidade é a inversão adotada por Fernando Henrique Cardoso e seu guru Pedro Malan, pela qual o poder econômico (e, portanto, jornalístico) se deixou embriagar: não se destruiu a inflação para reconstruir o país, mas se destrói o país para não haver inflação. Logo, a inflação não foi vencida. Derrotado está sendo o amanhã brasileiro. O governo não tem compromisso com a sociedade nem com o país, senão apenas com a idéia de inflação dos tecnocratas que servem ao FMI para servir aos maiores interesses postos na geopolítica e no capitalismo internacional.
Ainda bem que, na distribuição de verbas, o Ministério da Defesa destaca-se com excepcionais R$ 250 milhões em investimentos. Está, pois, em plenas condições (materiais, sobre as outras há dúvidas) de correr em defesa das propriedades particulares de Fernando Henrique Cardoso. Aliás, elas também, outro prodígio de investimento desde a compra ao seu admirável progresso como empreendimento.


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