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JANIO DE FREITAS
Pelo inverso
Outros bons exemplos não
faltaram jamais, mas a novela estrelada por Fernandinho
Beira-Mar é incomparável e definitiva, na síntese da demonstração de quanto é irracional e inverso todo o tratamento dado aos
problemas da criminalidade organizada.
Para começar, uma situação
quase inacreditável, em dois
tempos. O governo fluminense
vai processar, por obstrução a
uma ordem superior, os guardas
penitenciários que se postaram
como barreira para impedir a invasão da penitenciária Bangu 1.
Mas foi à atitude desses guardas
-corrompidos, como afirma o
secretário de Segurança, professor Roberto Aguiar, e pouco letrados- que se ficou devendo a
solução pacífica do conflito, sem
as mortes esperadas da invasão
aprovada pelos doutores secretários e pelo que ocupa a Presidência da República.
E o que levou Fernandinho Beira-Mar àquela penitenciária?
Quase inacreditável, também:
um entendimento entre o Judiciário, na pessoa de um juiz de
Brasília, e o Ministério da Justiça. Como a Polícia Federal não
mais quisesse Beira-Mar em seu
cárcere brasiliense, o juiz mandou-o para o Rio, por ser este o
território de seus crimes e condenações. Os secretários de Justiça e
Segurança fluminenses recorreram ao então ministro da Justiça,
Miguel Reale Jr., mas Fernandinho Beira-Mar foi mesmo mandado ao encontro dos seus lugar-tenentes e dos seus domínios criminais -decisão, não é demais
repetir, do Judiciário e do governo. Pormenor interessante: Beira-Mar não é só criminoso estadual. É também federal, acusado
de contrabando de armas para a
Colômbia, em troca de cocaína.
Estava muito apropriadamente
em Brasília, aos cuidados da PF.
E por que candidatos à Presidência, só por sê-lo, têm que ser
perguntados a respeito de tudo e
a tudo se acham capazes de responder? Luiz Inácio Lula da Silva, segundo o noticiário no decorrer da rebelião, prontamente
estimula a decisão da governadora Benedita da Silva pela entrada da PM à força na penitenciária. Com base em quê? Não foi
dito, nem se pode imaginar.
Se a histeria em que ficam as
chamadas autoridades de segurança nos momentos críticos,
sempre ansiosas por afirmar esta
autoridade em detrimento da reflexão e do bom senso, deve ser
combatida e não, como faz a mídia, estimulada.
Posto diante do mesmo interesse enganadamente jornalístico,
José Serra não faltou com sua firmeza de conhecimento: a criminalidade disseminou-se no Rio
porque o Rio "assim o quis". O
candidato disse tamanha bobagem porque assim o quis. Caso
não pudesse dispensar-se da
grosseria, como candidato à Presidência conviria saber que a criminalidade pode ser mais alarmante no Rio ou, de repente, em
outro lugar, mas dissemina-se
por todo o país. Com boa parte
da responsabilidade localizada
nos planos como o Nacional de
Segurança e outros que nunca
passaram de farsas, com verbas
que ficam retidas até se transformarem em juros rendosos para
melhor concentração da riqueza
e maior distribuição da violência
em suas variadas formas.
No Orçamento da União figuram, incluídas pelo governo e
aprovadas pelo Congresso, dotações de que vale a pena citar dois
casos relacionados com episódios
como o de Bangu 1 e que falam
pelos demais:
-verba orçamentária para
"Implantação do sistema de informações penitenciárias": R$ 4
milhões. Já liberado pelo governo
para aplicação: zero.
-verba para "Implantação do
sistema de acompanhamento de
polícias": R$ 4,9 milhões. Liberados para aplicação: R$ 6.100, ou
seja, 0,13%.
-verba para "Reaparelhamento de polícias estaduais e
guardas municipais": R$ 48,8 milhões. Liberados para aplicação:
R$ 54 mil, ou seja, 0,11%.
-verba para "Capacitação de
agentes carcerários": R$ 4 milhões. Liberado para aplicação:
zero.
E vai por aí. São dados do próprio Sistema Integrado de Administração Financeira do governo,
em 4 de agosto, recolhidos pelo
deputado Agnelo Queiroz.
É assim porque o governo "assim o quis".
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