São Paulo, domingo, 13 de outubro de 2002

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FOLCLORE POLÍTICO/FERNANDO MORAIS

Brizola levou a faixa presidencial em 64

A faixa presidencial que Fernando Henrique Cardoso passará a seu sucessor em janeiro foi usada, pela primeira vez, há quase 40 anos, por um homem que não havia recebido um só voto popular: o marechal Castello Branco, eleito indiretamente pelo Congresso Nacional.
Na manhã de 15 de abril de abril de 1964 o cerimonial do Palácio do Planalto se alvoroçou: faltavam poucas horas para o presidente interino, o deputado Ranieri Mazzilli, transmitir o cargo a Castello Branco, e não havia meio de localizar o mais conhecido símbolo da Presidência. Ninguém sabia onde tinha ido parar a faixa de gorgorão verde-amarelo, com as pontas unidas por um brasão de armas da República. Socorrido por um alfaiate especializado em fazer fardões para a Academia Brasileira de Letras, na hora da cerimônia Mazzilli pendurou no peito de Castello uma faixa zero quilômetro.
Já fazia duas semanas que o presidente João Goulart fora derrubado e os militares tinham o controle absoluto do país. Todos os líderes, ministros, governadores e altos funcionários do regime deposto estavam presos ou no exílio, à exceção de um deles, talvez o mais odiado pelos novos governantes. Ao contrário do que durante muitos anos se imaginou, o ex-governador Leonel Brizola ainda permaneceu clandestinamente no Brasil por cerca de um mês e meio. Só em meados de maio é que alguém foi buscá-lo, certa noite, num dos sótãos e porões em que ele se escondera, em Porto Alegre, para tirá-lo do país.
Fardado de oficial da PM e sem largar jamais uma pequena valise negra, Brizola foi levado de carro à praia de Cidreira, a cem quilômetros da capital gaúcha, onde embarcou em um teco-teco com destino ao Uruguai. Ainda a bordo do avião, ele abriu a pasta e admirou o troféu que transportara com tanto zelo: a faixa presidencial estava ali, intacta e a salvo dos usurpadores do poder.
Não se sabe que destino Leonel Brizola deu à peça protocolar: se perdeu-a em algum exílio ou se a guardou todo esse tempo com a expectativa de um dia vir, ele próprio, a envergá-la. Se a faixa ainda existe, e a menos que o ex-governador tenha planos de disputar a Presidência em 2006 (quando terá 85 anos), talvez esta seja uma boa hora para devolvê-la a seu legítimo dono, o presidente que for eleito no próximo dia 27.


PLÍNIO ARRUDA SAMPAIO, 72, ex-deputado federal pelo PT e membro da Assembléia Constituinte de 1988, escreve às terças-feiras nesta seção


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