São Paulo, domingo, 13 de outubro de 2002

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SEGUNDO TURNO

Serra e Lula prometem elevar poder de compra do salário mínimo, mas não detalham as formas de cobrir a despesa

Programas sociais têm fonte de receita incerta

GUSTAVO PATÚ
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Os principais programas sociais dos candidatos ao Planalto Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e José Serra (PSDB), cujos custos chegam à casa das dezenas de bilhões de reais, apresentam fontes de receita indefinidas ou incertas para os próximos quatro anos.
Todos eles dependem de que o novo governo seja capaz de elevar as exportações, reduzir fortemente os juros e abrir caminho para um crescimento econômico anual de 4,5% ou mais, em média, ao longo de todo o mandato -taxa que não é obtida desde o final da década de 70.
Será preciso ainda que essa expansão econômica reduza o desemprego e o trabalho informal e eleve a arrecadação de impostos nas proporções imaginadas.
No caso do petista, o projeto mais ambicioso se chama Fome Zero, mencionado brevemente no programa do candidato, mas cujas metas estão detalhadas e quantificadas em um documento de 114 páginas disponível no site da campanha (www.lula.org.br).
Para atingir o objetivo que dá título ao projeto, a iniciativa emergencial é a distribuição de cupons de alimentação a 44 milhões de pobres e indigentes. Os cupons seriam trocados por comida em estabelecimentos credenciados pelo governo.
O custo anual estimado para os cofres do Tesouro é de R$ 20 bilhões -quase dois terços dos R$ 32 bilhões que, pelo acordo com o FMI (Fundo Monetário Internacional), somente o governo federal terá de separar do Orçamento para o pagamento de juros da dívida pública em 2003.
Em um texto exibido em seu site, Lula diz, sobre os custos do projeto: "Os cálculos que realizamos mostram que basta reduzir em alguns pontos percentuais a taxa de juros para obtermos os recursos necessários".

Expectativa de retorno
O economista José Graziano, coordenador do projeto, tem outras explicações. Segundo ele, a distribuição de cupons será feita de forma gradual. No primeiro ano, seriam destinados R$ 5 bilhões para atender a 25% das famílias carentes.
A cobertura só seria total a partir de 2006. Até lá, espera o PT, o crescimento econômico terá se encarregado de reduzir a pobreza e, consequentemente, o público-alvo e os custos do projeto.
Graziano diz que a redução da fome elevará a produção e a arrecadação de impostos, além de reduzir gastos, por exemplo, na área da saúde pública. "Pelas nossas contas, o custo líquido [do projeto" ficaria em R$ 4 bilhões ou R$ 5 bilhões por ano."
Esse dinheiro, argumenta, equivale ao orçamento de programas sociais hoje existentes, que poderia ser redirecionado.
O Fome Zero prevê outra iniciativa: estender os benefícios da Previdência a trabalhadores urbanos que não contribuíram para o INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) -hoje, só os trabalhadores rurais têm esse direito.
Segundo o documento, a medida elevaria os gastos do INSS em 2% do Produto Interno Bruto (algo como R$ 26 bilhões) em 20 anos. O PT já trabalha com um número menor: R$ 7,6 bilhões, a partir do salário mínimo atual, de R$ 200. Independentemente disso, o INSS já tem um déficit que caminha para os R$ 20 bilhões e cresce ano a ano.
Para cobrir a nova despesa, fala-se genericamente em "mudar" a contribuição dos trabalhadores ativos e apertar a fiscalização sobre as empresas.

Promessas de Serra
"O que o Plano Real fez pela economia, nosso Plano Social vai fazer pelas pessoas", promete o programa do tucano José Serra, disponível no site do candidato (www.joseserra.com.br).
Ex-ministro da Saúde, Serra lista uma série de objetivos para o setor a serem atingidos ao longo do mandato, entre os quais triplicar o número de equipes do programa Saúde da Família, para atender a 160 milhões de pessoas.
Para cumprir todo o previsto, imagina-se que um crescimento econômico de 4,5% ao ano bastará para, até 2006, elevar em mais de 50% as verbas federais, estaduais e municipais destinadas ao setor -de R$ 40 bilhões para R$ 61 bilhões.
Da mesma forma, conta-se com uma ampliação de 35% dos recursos públicos destinados à educação, que passariam de R$ 69 bilhões para R$ 93 bilhões em 2006.
Esse acréscimo de R$ 24 bilhões financiaria metas como aumentar em 50% o número de alunos no ensino superior, dobrar a proporção de jovens de 15 a 17 anos no ensino médio e distribuir 90 mil bolsas por ano para que professores do ensino fundamental frequentem a universidade.
Luiz Paulo Vellozo Lucas, prefeito licenciado de Vitória e um dos coordenadores do programa de Serra, diz que foram feitos cálculos rigorosos para estimar os efeitos do crescimento econômico sobre a receita tributária.
Ele admite que, se o PIB não seguir o comportamento esperado, as metas estarão inviabilizadas. Mas argumenta que a taxa de 4,5% não chega a ser exagerada. "O país poderia crescer muito mais, se não fossem as restrições fiscal [a necessidade de controlar gastos" e externa [a economia internacional estagnada"."
Ainda segundo Vellozo Lucas, associar a expansão de gastos ao crescimento da economia é uma demonstração da preocupação do programa com o controle das contas públicas.

Salário mínimo
Os dois candidatos prometeram também, ao longo da campanha, elevar o poder de compra do salário mínimo. Nenhum dos programas, porém, detalha os custos ou as formas de cobrir a despesa.
Um cálculo do Ministério da Previdência aponta que, para cada R$ 1 a mais no mínimo, o déficit do INSS aumenta em R$ 160 milhões, tomando como base a atual relação de trabalhadores que contribuem para o sistema e de aposentados e pensionistas.
Um reajuste de 100%, como o prometido por Lula, portanto, traria um custo adicional de R$ 32 bilhões ao Tesouro se fosse concedido imediatamente -o petista, no entanto, fala em atingir a meta até 2006.
Na mesma conta grosseira, a previsão de Serra de aumento de 50% sairia por R$ 16 bilhões anuais, com a ressalva de que o presidenciável tucano também não se comprometeu a adotar a medida de imediato.

INSS
Tanto Serra como Lula contam com a redução do trabalho informal para elevar o número de contribuintes e reforçar o caixa do INSS. Mais uma vez, os programas dependem do crescimento econômico.
O número de trabalhadores com carteira assinada cresceria ainda com a alteração do sistema de impostos e da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), dois temas de tramitação dificílima no Congresso.


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