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São Paulo, quinta-feira, 13 de novembro de 2003

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Gravação mostra como advogado e policial aposentado Bezerra da Silva (detido) obteve prisão de mexicano

Delegado interceptou avião para cliente

LILIAN CHRISTOFOLETTI
VINICIUS MOTA
DA REPORTAGEM LOCAL

O delegado da Polícia Federal Jorge Luiz Bezerra da Silva, investigado na Operação Anaconda, foi flagrado numa conversa telefônica em que narra ter interceptado um avião em pleno vôo para garantir a prisão de um cidadão mexicano. A detenção teria sido solicitada por um cliente.
Bezerra da Silva é policial aposentado e atua como advogado. Foi preso há duas semanas sob a acusação de usar sua influência na PF para favorecer seus clientes. Ele faria parte de um grupo de venda de sentenças judiciais.
Em conversa gravada pela PF e pelo Ministério Público Federal, Bezerra da Silva recebe chamada de um provável cliente dizendo que precisa localizar um cidadão de nacionalidade mexicana que deve dinheiro a ele e -cerca de US$ 84 mil- a um terceiro.
No dia 30 de maio deste ano, em nova escuta telefônica, Bezerra da Silva soube que um investigador do Deic (Departamento de Investigações sobre o Crime Organizado da Polícia Civil paulista), chamado Maurício, tentou prender o mexicano em um flat, mas sem sucesso. Teria chegado atrasado ao local, e o mexicano já teria partido para o aeroporto.
Em seguida, Bezerra telefona para o delegado aposentado da Polícia Civil paulista Arlindo Orsomarzo e conta como conseguiu prender o mexicano, apesar de seu avião estar em pleno vôo.
"Para sorte dele [do cliente], como eu sou da marinha, a Federal pegou o cara no avião, já voando, entendeu? Eu acionei os meus amigos e a turma botou para roubar. Fez o avião voltar, entendeu? Já voando. [Alegaram] um esquema de manutenção, o avião desceu e o cara tá na mão", afirmou Bezerra da Silva para Orsomarzo.
"Está no Deic?", pergunta Orsomarzo. "Não, está no aeroporto, no aeroporto, esperando", respondeu Bezerra da Silva.
No diálogo, o delegado aposentado da PF se gaba do seu feito e diz ter surpreendido seu cliente, que lhe havia feito uma reclamação sobre a fuga do mexicano.
"Fiz a minha parte, mostrei ao cliente que eu sou foda, né. Foi um trabalho de equipe", concluiu. "Lógico", respondeu Orsomarzo.
Tendo sugerido que Maurício "levou um troco" do mexicano para deixá-lo escapar, Bezerra da Silva pede a seu interlocutor que telefone ao investigador para "sentir" o que ele diz sobre a prisão. Orsomarzo, que afirma já ter trabalhado com o policial, concorda. "Comigo ele [Maurício] não era de trair", conclui.

Início
A atuação do delegado Bezerra da Silva é a razão do início do inquérito que deu origem à Operação Anaconda, em abril de 2002.
Como a Folha revelou no domingo, ele teria tentado cooptar dois agentes da PF em Maceió para integrar organização criminosa, mediante pagamento mensal de R$ 5.000. Quando foi preso, no último dia 30, a polícia apreendeu com ele cerca de US$ 42 mil.
Em Alagoas, Bezerra da Silva foi o primeiro a ter conversas telefônicas grampeadas com autorização judicial. A partir dos diálogos dele, o monitoramento telefônico foi expandido para São Paulo, Pará, Tocantins e Rio Grande do Sul.
A carreira de Bezerra da Silva na PF é considerada exemplar. Fez cursos sobre repressão ao crime em várias partes do mundo.
Coordenou as investigações para localizar Paulo César Farias, ex-tesoureiro de campanha do ex-presidente Fernando Collor de Mello, foragido à época. Mas falhou: PC Farias fugiu -seria preso no final de 93, na Tailândia, e assassinado em 96.
Depois, em Mato Grosso, Bezerra da Silva chegou a superintendente regional interino da PF.


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