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JANIO DE FREITAS
Trinta anos passados
13 de dezembro de 1968. Hélio
Pellegrino, Washington Novaes e
eu paramos em um botequim
muito humilde, já perto do convento, no Rio, onde continuaríamos outra reunião de uma rede
nacional de resistência à ditadura, jamais descoberta pela repressão. Caso único, ainda, por nenhum dos integrantes, quando
preso, haver jamais citado a rede
ou entregue um companheiro,
nem mesmo os que sofreram tortura pesada. Um capítulo da antiditadura que não foi e, até onde
posso prever, não será escrito.
No botequim avaliamos a informação de que a ditadura estava
emitindo mais um ato institucional, o que significava a vitória da
linha ultradura, com as consequências óbvias. Juntos, como estávamos quase sempre, só passamos pela reunião para uma despedida temporária. Logo a repressão estava buscando, e não encontrando, Hélio Pellegrino em sua
casa, por causa de um artigo recém- publicado, que acabou causando- lhe cadeia.
Aquela noite teve para nós um
significado particular. Os três partilhávamos uma visão divergente
das correntes oposicionistas da
época. E é essa divergência, agora
em relação à maior parte dos escritos sobre o período entre o golpe de
64 e o AI-5, que traz ao tema desse
segundo golpe, nos seus 30 anos.
Até 64, Costa e Silva era desconhecido pelos políticos. Castello
Branco, não. Antes mesmo que os
conspiradores civis o contatassem,
Castello travara conhecimento
com políticos udenistas, por intermédio de militares lacerdistas. Por
esse tempo, Costa e Silva ocupava
o seu lazer com pôquer, não com
política.
Consumado o golpe, mas antes
que algum outro aventureiro lançasse mão da cadeira de ministro
da Guerra, Costa e Silva saiu de
casa direto para nela se instalar.
Passou a ordens, montou um gabinete que tinha de tudo, indicou
nomes para as listas de cassação e
juntou, sob sua imprevista ascendência, os militares politizados
(ou semi) de qualquer linha que
não fosse a Sorbonne, a direita formada na Escola Superior de Guerra e incrementada pelo lacerdismo.
Ainda no lusco-fusco do imediato pós-golpe, Costa e Silva chamou
ao seu gabinete um grupo de governadores, presentes Carlos Lacerda, Magalhães Pinto e Adhemar de Barros. Soubera do trabalho político para fazer de Castello
Branco o presidente, como supunham então, provisório. A seu ver,
seria um erro muito perigoso. Castello estava longe de ser democrata, seu grupo sempre ambicionara
tomar o poder aos políticos e não
devolveria o governo em pouco
tempo.
Embora Costa e Silva não se insinuasse, Lacerda achou que ele
queria a Presidência e incentivou
os governadores a sustentar o
apoio a Castello. A conversa degenerou, e os governadores saíram
tocados do gabinete. A partir daí, e
por influência sobretudo de Lacerda e Magalhães Pinto, Castello
passou a ser dado como general
democrata, legalista, até intelectual, porque disse haver lido José
de Alencar. Costa e Silva era a
ameaça, a vocação de ditador,
imagem que ele alimentava ao
apoiar, além da linha marota dos
Andreazzas & cia., os paranóicos
das comissões militares de inquérito. Essa é a imagem que perdura,
nas memórias escritas e nas análises sobre o período, tanto de Castello como de Costa e Silva. Mas Castello não só se apropriou mesmo
da Presidência, segundo advertira
Costa e Silva. Não tomou qualquer
iniciativa para encaminhar a volta do Estado de Direito e do poder
civil e, até o último instante do seu
período, tentou emplacar um sucessor que mantivesse a linha por
ele praticada.
Costa e Silva impôs-se, valendo-
se da habilidade política dos marotos e da força dos furiosos. Mas,
instalado na Presidência, ficou
com os primeiros e esvaziou a força dos segundos. Acabou com a
censura, restabeleceu o convívio
com os políticos e estimulou um
distensionamento que incluiu até
o retorno de alguns cassados que a
linha dura preferia liquidados.
A tolerância de Costa e Silva com
os movimentos de rua, em 68, foi
ao ponto de admitir uma conversa
sua com a liderança estudantil,
que torpedeou a audiência e deu,
assim, um dos estímulos para o AI-
5. Ou seja, para o golpe contra a
distensão que tendia a culminar
na volta ao poder civil e ao Estado
de Direito.
Isso, porém, não foi compreendido na ocasião pelos políticos não-
direitistas, nem pelas correntes de
esquerda. Em vez de empurrarem
Costa e Silva na direção dele próprio, acelerando suas tendências, a
ação foi contra ele. A favor, portanto, dos seus adversários do castellismo e das outras ultradireitas.
Enfraquecido, Costa e Silva foi um
alvo frágil para o golpe.
Nos últimos anos, Sarney foi dado, por sua origem de prócer arenista, como um presidente improvisado que serviria ao fortalecimento da direita com mesma origem. Pode-se, no entanto, discordar muito do seu governo, mas
sem negar que Sarney foi um presidente democrata.
Collor foi apoiado pelos meios de
comunicação, empresariado e
mesmo por parte da esquerda como o reformador esperado, para
instaurar o progresso na democracia. Seu fim não foi sem motivo
justo.
Itamar Franco foi desprestigiado
e mesmo maltratado a ponto de
ser chamado, por um colunista da
Folha, de idiota, o que jamais se
vira no jornalismo. Fez um governo hoje reconhecido como muito
bom, inclusive pela determinação
com que assumiu o Plano Real,
nada simples no seu início.
De Fernando Henrique é melhor
não citar o que foi esperado do
"presidente intelectual". Não é necessário.
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