São Paulo, terça-feira, 14 de fevereiro de 2006

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JUSTIÇA

Interpretação acatada pela maioria dos ministros deve resultar em penas menores

Promotores e juízes criticam STF por "blindagem" de políticos

LILIAN CHRISTOFOLETTI
DA REPORTAGEM LOCAL

A redução de pena para políticos acusados de má gestão pública ou de desvio de dinheiro -a ser determinada graças a um entendimento hoje majoritário no Supremo Tribunal Federal (STF)- abriu uma crise entre profissionais da Justiça.
Para juízes e promotores, a blindagem de políticos é um retrocesso no combate à corrupção. Advogados e alguns ministros do STF dizem que a proteção maior a agentes políticos está prevista na Constituição.
A discussão tramita no STF desde 2002. Dos 11 ministros da Corte, 6 entenderam que o presidente da República, ministros de Estado, governadores, secretários estaduais, ministros do STF e o procurador-geral da República não estão sujeitos à Lei de Improbidade (má gestão pública) mas sim à Lei de Crimes de Responsabilidade, cujas penas são mais brandas. Prefeitos, deputados e senadores, que também gozam de uma legislação específica, deverão pedir a extensão do benefício.
A substituição de uma lei por outra implicará na extinção de cerca de 10 mil ações já em curso -segundo números do Ministério Público. Políticos que haviam sido acionados judicialmente para que devolvessem recursos públicos ficarão livres de uma ação.
Só na cidade de São Paulo, a Promotoria da Cidadania pede a devolução de R$ 36,39 bilhões a políticos e ex-políticos investigados por má gestão pública.
Até agora, apenas o ministro aposentado Carlos Velloso se manifestou de forma contrária. Ainda faltam quatro votos. A manutenção das atuais penas só será possível se alguém revir o voto.

Estímulo
Entre os possíveis favorecidos estão o deputado cassado José Dirceu (PT) e o ex-assessor dele Waldomiro Diniz, acusados de tráfico de influência em benefício do prefeito Zeca Dirceu, e o ex-prefeito Paulo Maluf (PP), a quem a Promotoria pede a devolução de R$ 5 bilhões aos cofres públicos.
"A mudança será um estímulo à corrupção", disse o procurador-geral de Justiça de São Paulo, Rodrigo Rebello Pinho, para quem o correto seria a aplicação simultânea das leis, pois uma é penal (Responsabilidade), outra, cível (Improbidade).
Nelson Jobim, presidente do STF e relator do caso, rechaçou esta possibilidade. Para ele, o político de alto escalão tem direito a um regime especial previsto na Constituição e, portanto, não está sujeito ao regime comum.
Também causa polêmica a distinção feita entre o agente político e o público. Para o promotor de Justiça Wallace Martins, autor do livro "Probidade Administrativa", o tratamento diferenciado é fruto de uma interpretação distorcida da legislação. "Se prevalecer essa decisão, apenas o servidor menos graduado estará sujeito à ação de improbidade."
O promotor Sílvio Marques, responsável pela ação bilionária contra Maluf, concorda. "Uma eventual mudança será um duro golpe no combate à corrupção."
Já o advogado Eduardo Nobre, especialista em direito público e um dos defensores de Maluf, disse que o STF acerta ao diferenciar os dois. "Um político chega ao cargo por vontade do povo. O agente público é concursado. Um político não pode estar sujeito o tempo todo a ações do Ministério Público, que processa até quando tem a menor desconfiança."
Rodrigo Collaço, presidente da Associação dos Magistrados do Brasil (AMB), disse que, se isso acontecer, será um "fato lamentável". O advogado Luiz Fernando Pacheco discorda. Para ele, como a improbidade tem caráter punitivo (limita direitos políticos), o político estaria sujeito a duas punições. "O atual entendimento deve prevalecer."


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