São Paulo, Domingo, 14 de Fevereiro de 1999
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Os dólares que faltam

CELSO PINTO

É mais difícil, hoje, renovar uma linha comercial externa de financiamento para o Brasil do que era no auge da crise, em setembro do ano passado.
Dois bancos que operam pesado nesta área calculam que a renovação das linhas que estão vencendo, nos bancos de primeira linha, tem ficado de 20% a 30% do total. Em setembro, a renovação chegava a uns 40%.
A oferta de linhas comerciais melhorou um pouco do final de outubro até o início de dezembro, com a expectativa do pacote de ajuda externa ao Brasil. Desde que o Congresso rejeitou a taxação dos inativos, em dezembro, a situação só piorou.
Os bancos internacionais estão esperando para ver. Antes de fatos novos positivos, como o novo acordo com o FMI e a votação da CPMF, previstos para a primeira quinzena de março, é difícil que mude o cenário. Os bancos ainda têm medo de um colapso ou de serem forçados a colocar dinheiro no Brasil.
No entanto, se mudar o humor e as linhas comerciais voltarem, a melhora no fluxo de dólares pode ser mais do que proporcional, diz Marco Kheirallah, do Banco Matrix. Seu argumento é interessante.
O Brasil começou a perder financiamentos à exportação em agosto do ano passado. De janeiro a julho do ano passado, a média mensal de fechamento de câmbio de exportação foi de US$ 4,4 bilhões. De agosto do ano passado a janeiro deste ano, a média caiu para US$ 3,8 bilhões, em parte refletindo a menor disponibilidade de linhas de financiamento.
(Em janeiro, o câmbio de exportação caiu para apenas US$ 2,9 bilhões, por outras razões. A expectativa de uma desvalorização maior, antes e logo depois da livre flutuação, fez muitos exportadores adiarem o fechamento de câmbio.)
Tipicamente, as linhas para exportação são por seis meses. Quer dizer, o exportador fecha o câmbio hoje, ajudando a engordar as reservas, mas só embarca a mercadoria dali a três ou seis meses.
Quando o financiamento é fortemente reduzido, muitos exportadores são obrigados a fechar o câmbio no momento do embarque. Quer dizer, seis meses depois da redução das linhas, o câmbio de exportação passa a refletir cada vez mais fechamentos no embarque. Por essa razão, um eventual aumento nas linhas para exportação vai gerar um impacto duplo sobre o fluxo de dólares.
De um lado, o fluxo não estará sendo reduzido por exportações que embarcam hoje mas foram financiadas há três, quatro ou seis meses (quando o câmbio foi fechado). De outro, exportadores poderiam financiar exportações dos próximos seis meses (ou mais, se as regras mudarem), antecipando o impacto cambial positivo futuro.
O fluxo, portanto, poderia ir além dos níveis anteriores à crise, pelo menos por alguns meses. Kheirallah aposta que, nesta hipótese, poderia haver equilíbrio do fluxo cambial já em março.
Há um porém. Na situação anterior de câmbio controlado e juros estratosféricos, o financiamento às exportações significava tomar dinheiro barato, em dólar, no exterior, convertê-lo em reais e aplicá-lo por seis meses, com enorme lucro. Por isso, muitas empresas tomavam esses créditos mesmo sem ter exportações, "alugando" exportações futuras de outros. Era um ganho especulativo. Havia, portanto, algum inchaço nos números dos financiamentos antes da crise.
Esse atrativo da aplicação interna diminuiu, porque agora existe risco cambial (de o real valorizar). Para os exportadores, de todo modo, continua o interesse em antecipar os recursos e a própria receita da exportação futura, em dólares, é proteção contra oscilações cambiais.

Itamar e a CPIF
O governador Itamar Franco está convencido de que tem o direito (divino?) de empurrar suas contas para o resto do Brasil. Ele não quer negociar. Deu um ultimato: Brasília tem que lhe abrir os cofres sem exigir nada em troca.
Como dinheiro não nasce nas árvores do cerrado, cada centavo sem condições que Brasília der para Itamar terá que ser tirado do resto do país. Para tornar a negociação mais transparente, Itamar deveria propor a criação de um novo imposto, a CPIF, Contribuição Provisória para Itamar Franco, uma taxa que todo brasileiro, exceto os mineiros, lhe pagaria. Eleito presidente, em 2002, Itamar transformaria a CPIF em imposto definitivo.
Itamar tem todo o direito de preferir elevar os salários dos funcionários em lugar de demiti-los, recomprar as ações da Cemig em vez de privatizá-la e até de nacionalizar a Fiat. Quando elegeram Itamar, os mineiros sabiam (ou deveriam saber) suas idéias. Se der certo, Itamar provará, em definitivo, que o neoliberalismo está morto.
O que não faz sentido é Itamar achar que o resto do país deve doar dinheiro para ele pôr suas idéias em prática. O Ceará, a Bahia e o Maranhão são Estados muito mais pobres do que Minas, mas equilibraram suas finanças e, com isso, ganharam espaço para investir em suas idéias. Será injusto obrigá-los a usar seu dinheiro para sustentar as idéias de Itamar.



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