São Paulo, terça-feira, 14 de março de 2000


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SÃO PAULO
Ex-mulher de Pitta afirma que irmão de ex-presidente disse o que sabia para investigação posterior
"Sou o Pedro Collor de saias", diz Nicéa

Moacyr Lopes Júnior/Folha Imagem
A ex-primeira-dama Nicéa Pitta, protegida por seguranças, ao chegar para depoimento a promotores e procuradores, em Sâo Paulo


 "Pitta é corrupto, tem dinheiro no exterior e fez caixa-dois com o dinheiro de empresas"

 "Vou processá-lo por danos morais por me expor, a mim e a meus filhos, apenas por vaidade"

ANGÉLICA SANTA CRUZ
da Reportagem Local

"Eu sou o Pedro Collor de saias." Ao tomar como modelo o irmão de Fernando Collor que deflagrou o processo que resultou no impeachment do ex-presidente, Nicéa Pitta, 53, definiu seu estado de espírito, horas antes do depoimento que prestou ontem ao Ministério Público. "Ele disse o que sabia. Mas a imprensa e os parlamentares tiveram que ir atrás para comprovar as denúncias. Esse caso é como o do Pedro Collor." Ela propõe submeter-se a um detector de mentiras na tentativa de reforçar suas acusações ao prefeito Celso Pitta, de quem está em processo de separação. Nicéa falou à Folha, em duas ocasiões ontem, sendo a primeira, no início da madrugada, quando jantava no seu apartamento, com os móveis cobertos para protegê-los da pintura nas paredes em andamento. A seguir, os principais pontos das entrevistas:

CAIXA-DOIS -
"Celso Pitta é corrupto, tem dinheiro em contas no exterior e fez caixa-dois com o dinheiro de empresas, as de ônibus, por exemplo. Já vi reuniões aqui em casa com empresários de algumas das maiores empresas do setor. Eles falavam em valores, verbas. Não lembro quanto. Esses empresários ofereceram dinheiro para que ele não regulamentasse os perueiros. Eu fiquei irritada e saí da sala. Mas Pitta aceitou."

PEDRO COLLOR -
"Espero que tudo seja apurado. É como no caso do Pedro Collor. Ele disse o que sabia. Mas a imprensa e os parlamentares tiveram que ir atrás para comprovar as denúncias. Esse caso é como o do Pedro Collor. Sou o Pedro Collor de saias."

PROVAS -
"Na semana passada, antes de ir à Rede Globo, procurei o procurador de Justiça. Queria dar a ele o que tenho. E tenho provas em relação às denuncias das contas do exterior e à operação de suborno feita por Augusto Meinberg e Armando Mellão. Uma é a cópia do extrato em nome de João Carlos Martins. No caso do suborno, é porque presenciei as conversas. É a minha palavra. Posso passar por um detector de mentiras."

MOTIVOS -
"Meus filhos, Victor e Roberta, pediram que eu fizesse isso. Resolvemos apontar as irregularidades juntos. Demorei muito para falar porque pensava no peso de fazer isso com o pai dos meus filhos. Mas julgamos que é preciso. A partir do momento em que descobrimos que ele não conseguiu se manter longe de toda essa lama, resolvemos que eu deveria falar."

PRECATÓRIOS -
" Sofremos muito na época dos precatórios. Chorei e rezei o tempo inteiro. Mas ele se explicou e, depois, as contas da prefeitura foram aprovadas pelo Tribunal de Contas. Achei que ele estava certo. Hoje duvido."

PROPINAS -
"Se algum vereador não recebeu, então que vá cobrar Meinberg e Armando Mellão porque, nesse caso, eles deixaram de pagar."

SINAIS DE RIQUEZA -
"Ele usa como desculpa o empréstimo de R$ 600 mil que recebeu do empresário Jorge Yunes. Esse dinheiro está esticando muito... Deve ser um elástico para poder sustentar meu marido por tanto tempo. Mas só deve gastar quando sair do governo. Aí vocês vão ver."

JOÃO CARLOS MARTINS -
"João Carlos Martins apareceu aqui na nossa residência há uns quatro meses. Quem o trouxe foi o Cid Vieira, que dizia ser o nosso advogado - mas não era. Eles vieram acompanhados do Augusto Meinberg. Até entendo que o João Carlos esteja se defendendo, coitado. Foi usado para proteger meu marido. Aliás, ex-marido."

PROCESSO -
"Tenho razões para processá-lo e o farei no momento certo. Vou processá-lo por danos morais por me expor, a mim e a meus filhos, apenas para manter a vaidade proporcionada pela política."

SINAIS DE VAIDADE -
"No caso dos precatórios, no Frangogate, no caso da compra do Vectra e do aluguel do carro do banco Vetor. Eu nunca tinha ouvido falar nesse banco. Depois, quando ele mesmo confessou que ia devolver o dinheiro, fiquei sabendo pelos jornais. No Frangogate ele sabia perfeitamente que a prefeitura estava comprando produtos da A D'oro. Mas não me preveniu para que eu não trabalhasse para a empresa na época. Prova da minha inocência é que nem sequer fui indiciada. Mas Pitta não participou de minha defesa, não foi depor a meu favor. Fui com um advogado indicado por ele, mas a defesa foi por mim e por Deus."

ACUSAÇÕES -
"Deixo minhas contas bancárias à disposição de quem quiser investigar. Nunca me envolvi nessa sujeira."

SEPARAÇÃO -
"Na verdade, estou aliviada de ter me libertado de um ser humano de quem hoje tenho tanta pena. Ele quer se valorizar com esses argumentos. Quem pediu a separação fui eu, em setembro. Peço a ele que use sua experiência para fazer essa moça com quem está hoje feliz."

INFIDELIDADE -
"(Pitta) está com uma moça. Embarcou para Paris com ela. Não sei quem é. Ele já foi infiel várias vezes e agora seria até falta de imaginação minha ainda ter ciúmes dele."

MOTIVO DO DIVÓRCIO -
"Foi porque ele deixou de atender a um pedido de ajuda da minha filha. Era por uma razão muito forte e grave. Ali foi a gota d'água. Tive que embarcar sozinha para resolver tudo."

PROBLEMA EM NY -
"Minha filha foi morar em Nova York com uma parente do meu marido, por imposição dele. As duas tiveram um problema muito grave. Fui lá sozinha e registrei um boletim de ocorrência. Não vou dizer o que aconteceu até que a cópia desse B.O. chegue às minhas mãos. Não falo mais sem estar documentada. Mas meu marido não ajudou minha filha naquele momento. Há seis meses que Roberta não fala com ele. Celso Pitta sempre foi um pai ausente. Não sei porque levei tantos anos deixando que meus filhos convivessem com essa dor. Hoje me culpo por isso."

AMEAÇA -
"Tivemos uma ameaça contra meu filho, há duas semanas. Meu filho vinha pedindo a meu marido que ele entrasse com uma separação amigável. Mas Celso Pitta deixou de atender meu filho e deu uma ordem no flat onde mora para que não o deixassem subir. Um dos seguranças que estão lá com ele, um policial militar chamado Ricardo, tentou impedir que o Victor esperasse pelo pai na rua. Meu filho insistiu em ficar. O segurança disse: "Quando terminar a administração do seu pai, eu dou um tiro na sua cabeça". Procuramos o Secretário de Segurança Pública, o doutor Petrelluzzi, e ele determinou a abertura de um inquérito. Veja que ironia. Poucos dias antes, Celso Pitta pediu ao governador Mário Covas a saída desse secretário. Foi o mesmo secretário que, de forma muito discreta, socorreu nosso filho."

IMPEACHMENT -
"Peço que isso tudo seja apurado. Acho que se eu estivesse no lugar dele eu reconheceria os erros e pediria perdão para a população."

DISCORDÂNCIAS COM MALUF -
"Foi aos poucos. Comecei a discordar dele com o tempo. Aos domingos, Paulo Maluf fazia uma reunião em sua casa. Celso Pitta voltava sempre acabado de lá. Uma vez, o Reynaldo de Barros falou no viva-voz, durante um telefonema, uma frase do gênero: "Esse negrão está acabando com nosso nome, doutor Paulo!". Eu dizia para meu marido reagir a essas coisas. O senhor Paulo Maluf também fugiu de suas responsabilidades nos problemas apontados na sua administração. Foi ele o vendedor de frangos para a prefeitura, junto com o filho dele, Flávio. E também com o marido da Hebe Camargo. Aliás, quando a senhora Hebe Camargo defende o Maluf em seu programa, não é de graça. O marido dela, Lélio, tem uma granja que vendia frango para a A D'oro. Então, quando meu marido e Paulo Maluf romperam publicamente, acreditei e até fiquei feliz. Com o tempo, vi que Pitta continuava sem reagir porque estava cumprindo uma estratégia combinada antes da campanha."

ACORDO -
"O senhor Paulo Maluf prometeu a Pitta que ele seria candidato à Prefeitura de São Paulo desde que suportasse fazer uma péssima administração. Caso Maluf não ganhasse para o governo, ele seria candidato à prefeitura novamente. E teria o argumento de que voltou para consertar as falhas do Pitta. Por isso essa guerra aparente entre os dois. Note que agora é o Pitta que agride o Covas, coisa que antes era o Maluf que fazia. Mas Maluf não vai ser prefeito porque Deus é pai."

PENA -
"Quando voltei, Jorge Yunes disse que o Pitta caiu numa profunda depressão. Ele chorava, ficava muito triste. Então resolvi fazer as coisas aos poucos. Usava argumentos existenciais. Eu e meus filhos ficamos com pena. Mas chegou um momento em que não suportamos mais."


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