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CELSO PINTO
Estados e estatais: o fim do milagre fiscal
O extraordinário desempenho fiscal do Brasil nos últimos três anos foi ajudado por
alguns fatores que não vão se repetir. Um deles foi a enorme ajuda dada pela desvalorização nas
contas dos Estados e das empresas estatais.
O ajuste foi impressionante. O
resultado primário (receita menos despesas, exceto juros) dos
Estados e das estatais saltou de
um déficit de 0,8% do PIB, em
1998, para um superávit de 1,6%
do PIB, no ano passado, uma
melhora de 2,4% do PIB. Além
disso, os Estados respeitaram o
pagamento da dívida renegociada com a União e a maioria se
enquadrou nos rígidos critérios
da Lei de Responsabilidade Fiscal.
Qual foi a mágica? O economista Raul Velloso acha que sem
o empurrão do câmbio e do petróleo, a história teria sido muito
diferente. A arrecadação de
ICMS pelos Estados deu um salto
que não teve nada a ver com o
comportamento da economia. A
preços de dezembro de 2001, deflacionados pelo IPCA, a arrecadação saltou de R$ 75,8 bilhões
em 1998 para R$ 97,5 bilhões em
2001, um aumento real de 28,6%.
A melhora pode ser explicada
por apenas três itens. A arrecadação com combustíveis, ajudada pela desvalorização e pelo aumento mundial no preço do petróleo, subiu 115% em termos
reais. Passou de 13,4% para
22,4% do total da arrecadação.
O ICMS com telecomunicações
subiu 94,6% em termos reais e,
em energia elétrica, 21,5%. Nos
dois casos, ajudado pelas regras
de reajuste pós-privatização, que
atrelaram os preços ao índice
que mais refletiu a desvalorização, o IGP.
Em todos os outros setores, o
ICMS cresceu apenas 5% nominais, abaixo do crescimento do
PIB neste período, de 6,8%. Quer
dizer, sem os três setores, os Estados teriam deixado de arrecadar
R$ 13 bilhões, e não teriam conseguido gerar superávits primários como o de 2001, de R$ 7,2 bilhões.
São Paulo, o Estado mais industrial, seguiu o padrão geral,
mas em menor escala. Enquanto
os três setores passaram de 31%
para 44% do total da arrecadação de ICMS nacional, em São
Paulo, eles subiram de 19% para
23%. O secretário da Fazenda de
São Paulo, Fernando Dall'Acqua, argumenta que não dá para
atribuir o ajuste paulista apenas
ao salto na receita. O ICMS subiu
1,8% de 98 a 2000, enquanto as
despesas caíram 8,3%. Graças ao
corte de despesas, a subida posterior do ICMS permitiu um desempenho muito melhor: em
2001 a despesa primária subiu
7,8%, incluindo um aumento de
7,4% no investimento, enquanto
a receita primária subiu 10,2% e
o superávit primário cresceu
52%. O maior problema fiscal
paulista (e dos outros Estados) é
a despesa com previdência, cujo
déficit chegou a R$ 6,9 bilhões
em 2001.
De todo modo, o que está acontecendo em São Paulo desde o
ano passado é uma tendência de
declínio na arrecadação de
ICMS que Velloso acha que vai
atingir todos os Estados. No primeiro semestre de 2001, o ICMS
paulista subiu 8,3%; no segundo,
apenas 0,5%. Em janeiro deste
ano caiu 1,6% e, em fevereiro,
4,5%. A queda nos preços dos
combustíveis, em janeiro, foi boa
para o consumidor mas um desastre para os Estados. Além disso, o impacto da desvalorização
acabou: a tendência do câmbio
real é, ao contrário, de alguma
valorização.
Outro problema é a criação do
novo imposto sobre combustíveis. Antes, o aumento dos preços
engordava o lucro da Petrobras
que virava superávit primário
das estatais. O novo imposto é fixo, independe do preço. É arrecadado pelo governo central, mas,
como tem que ser aplicado em
transporte, não vira superávit
primário.
Além dos problemas não totalmente resolvidos, como o previdenciário, da alta carga tributária e com impostos ruins, do fim
das grandes privatizações, dos
esqueletos fiscais não absorvidos,
da necessidade de renovação da
CPMF até o fim de 2003 (supondo que será prorrogada agora), o
futuro presidente poderá não
contar com uma ajuda tão grande de Estados e estatais. É uma
herança fiscal menos confortável
do que os resultados recentes indicariam.
A armadilha do PIB
O PIB despencou no ano passado, com três trimestres seguidos
de queda. Um efeito foi ter colocado o país, oficialmente, em recessão. Outro, foi criar uma armadilha estatística. A média de
2001 ficou bem acima do ponto
final, gerando uma herança estatística negativa. Se a economia
ficar estável neste ano, a simples
comparação entre a média do
ano com a de 2001 gerará uma
queda (estatística) do PIB de
1,8%, como mostrou Marcelo
Carvalho, do JP Morgan.
Para conseguir chegar ao PIB
projetado pelo mercado (2,4%),
ou pelo FMI (2,5%) para este
ano, supondo que o crescimento
seja linear, a economia teria de
estar crescendo, em termos
anualizados, perto de 9% no último trimestre, no cálculo do
Morgan, ou 8,5%, num cálculo
mais antigo do CSFB-Garantia.
Ou seja, se o mercado e o fundo
estiverem certos, a economia estará, na margem, crescendo uma
barbaridade no final do ano, algo só comparável à euforia pós-Plano Real, no segundo semestre
de 1994, o que ajudaria politicamente num ano eleitoral. Se, ao
contrário, as projeções do Morgan (1%) ou do CSFB (1,6%) estiverem corretas, o número será
uma decepção política, ainda
que a realidade seja melhor do
que a estatística.
E-mail:
CelPinto@uol.com.br
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