São Paulo, quinta-feira, 14 de março de 2002

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CELSO PINTO

Estados e estatais: o fim do milagre fiscal

O extraordinário desempenho fiscal do Brasil nos últimos três anos foi ajudado por alguns fatores que não vão se repetir. Um deles foi a enorme ajuda dada pela desvalorização nas contas dos Estados e das empresas estatais.
O ajuste foi impressionante. O resultado primário (receita menos despesas, exceto juros) dos Estados e das estatais saltou de um déficit de 0,8% do PIB, em 1998, para um superávit de 1,6% do PIB, no ano passado, uma melhora de 2,4% do PIB. Além disso, os Estados respeitaram o pagamento da dívida renegociada com a União e a maioria se enquadrou nos rígidos critérios da Lei de Responsabilidade Fiscal.
Qual foi a mágica? O economista Raul Velloso acha que sem o empurrão do câmbio e do petróleo, a história teria sido muito diferente. A arrecadação de ICMS pelos Estados deu um salto que não teve nada a ver com o comportamento da economia. A preços de dezembro de 2001, deflacionados pelo IPCA, a arrecadação saltou de R$ 75,8 bilhões em 1998 para R$ 97,5 bilhões em 2001, um aumento real de 28,6%.
A melhora pode ser explicada por apenas três itens. A arrecadação com combustíveis, ajudada pela desvalorização e pelo aumento mundial no preço do petróleo, subiu 115% em termos reais. Passou de 13,4% para 22,4% do total da arrecadação. O ICMS com telecomunicações subiu 94,6% em termos reais e, em energia elétrica, 21,5%. Nos dois casos, ajudado pelas regras de reajuste pós-privatização, que atrelaram os preços ao índice que mais refletiu a desvalorização, o IGP.
Em todos os outros setores, o ICMS cresceu apenas 5% nominais, abaixo do crescimento do PIB neste período, de 6,8%. Quer dizer, sem os três setores, os Estados teriam deixado de arrecadar R$ 13 bilhões, e não teriam conseguido gerar superávits primários como o de 2001, de R$ 7,2 bilhões.
São Paulo, o Estado mais industrial, seguiu o padrão geral, mas em menor escala. Enquanto os três setores passaram de 31% para 44% do total da arrecadação de ICMS nacional, em São Paulo, eles subiram de 19% para 23%. O secretário da Fazenda de São Paulo, Fernando Dall'Acqua, argumenta que não dá para atribuir o ajuste paulista apenas ao salto na receita. O ICMS subiu 1,8% de 98 a 2000, enquanto as despesas caíram 8,3%. Graças ao corte de despesas, a subida posterior do ICMS permitiu um desempenho muito melhor: em 2001 a despesa primária subiu 7,8%, incluindo um aumento de 7,4% no investimento, enquanto a receita primária subiu 10,2% e o superávit primário cresceu 52%. O maior problema fiscal paulista (e dos outros Estados) é a despesa com previdência, cujo déficit chegou a R$ 6,9 bilhões em 2001.
De todo modo, o que está acontecendo em São Paulo desde o ano passado é uma tendência de declínio na arrecadação de ICMS que Velloso acha que vai atingir todos os Estados. No primeiro semestre de 2001, o ICMS paulista subiu 8,3%; no segundo, apenas 0,5%. Em janeiro deste ano caiu 1,6% e, em fevereiro, 4,5%. A queda nos preços dos combustíveis, em janeiro, foi boa para o consumidor mas um desastre para os Estados. Além disso, o impacto da desvalorização acabou: a tendência do câmbio real é, ao contrário, de alguma valorização.
Outro problema é a criação do novo imposto sobre combustíveis. Antes, o aumento dos preços engordava o lucro da Petrobras que virava superávit primário das estatais. O novo imposto é fixo, independe do preço. É arrecadado pelo governo central, mas, como tem que ser aplicado em transporte, não vira superávit primário.
Além dos problemas não totalmente resolvidos, como o previdenciário, da alta carga tributária e com impostos ruins, do fim das grandes privatizações, dos esqueletos fiscais não absorvidos, da necessidade de renovação da CPMF até o fim de 2003 (supondo que será prorrogada agora), o futuro presidente poderá não contar com uma ajuda tão grande de Estados e estatais. É uma herança fiscal menos confortável do que os resultados recentes indicariam.

A armadilha do PIB
O PIB despencou no ano passado, com três trimestres seguidos de queda. Um efeito foi ter colocado o país, oficialmente, em recessão. Outro, foi criar uma armadilha estatística. A média de 2001 ficou bem acima do ponto final, gerando uma herança estatística negativa. Se a economia ficar estável neste ano, a simples comparação entre a média do ano com a de 2001 gerará uma queda (estatística) do PIB de 1,8%, como mostrou Marcelo Carvalho, do JP Morgan.
Para conseguir chegar ao PIB projetado pelo mercado (2,4%), ou pelo FMI (2,5%) para este ano, supondo que o crescimento seja linear, a economia teria de estar crescendo, em termos anualizados, perto de 9% no último trimestre, no cálculo do Morgan, ou 8,5%, num cálculo mais antigo do CSFB-Garantia. Ou seja, se o mercado e o fundo estiverem certos, a economia estará, na margem, crescendo uma barbaridade no final do ano, algo só comparável à euforia pós-Plano Real, no segundo semestre de 1994, o que ajudaria politicamente num ano eleitoral. Se, ao contrário, as projeções do Morgan (1%) ou do CSFB (1,6%) estiverem corretas, o número será uma decepção política, ainda que a realidade seja melhor do que a estatística.

E-mail:
CelPinto@uol.com.br



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