São Paulo, quarta-feira, 14 de abril de 2004

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SOMBRA NO PLANALTO

Em depoimento à CPI da Assembléia do Rio, ex-assessor do Planalto isenta o ministro José Dirceu de responsabilidade no caso

Waldomiro afirma ter sido chantageado

FABIANA CIMIERI
DA SUCURSAL DO RIO

VINICIUS QUEIROZ
DA FOLHA ONLINE, NO RIO

Exatos dois meses depois da divulgação da gravação que o implica suposta corrupção e crime eleitoral, o ex-subchefe de Assuntos Parlamentares da Casa Civil Waldomiro Diniz apresentou ontem sua defesa publicamente.
Em depoimento de cinco horas à Comissão Parlamentar de Inquérito da Assembléia do Rio que investiga a Loteria do Estado do Rio de Janeiro, Waldomiro disse ter sido chantageado pelo empresário de jogos Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira, por meio do jornalista Mino Pedrosa.
O ex-assessor disse, sem precisar a data, ter sido procurado recentemente por Cachoeira para que interferisse na discussão sobre regulamentação dos bingos que transitava na Casa Civil.
"Essa fita foi gravada com o intuito de me causar constrangimento. Guardada durante todo esse tempo, só poderia servir para aquele momento adequado, quando eu me recusasse a cumprir algum de seus apelos. Quero dizer ao Brasil que eu fui, estou sendo, chantageado", disse, com olhos marejados.
Waldomiro entregou cópias de ofícios que teriam sido enviados à Procuradoria Geral da República, ao Ministério da Justiça e à Controladoria Geral da União relatando a suposta chantagem. Atribuiu à "timidez" o fato de não ter tomado medida dura. Disse que, se tivesse sido mais enfático, poderia ser considerado "herói nacional".
Waldomiro pediu desculpas "àqueles que depositaram total confiança em mim e que hoje são cobrados como se fossem beneficiários dos meus atos". Ele isentou o ministro José Dirceu, de quem era subordinado na Casa Civil, de ter feito indicação a seu favor. Também isentou os ex-governadores do Rio Anthony Garotinho (PMDB), que o nomeou para o cargo, e Benedita da Silva (PT), que o manteve na posição.
Foi a primeira vez que Waldomiro expôs sua versão do caso. A CPI apura supostas fraudes na sua gestão à frente da Loterj, de fevereiro de 2001 a dezembro de 2002. A comissão decidiu promover uma acareação entre Waldomiro e Cachoeira, sem data definida. Veja trechos do depoimento.
 

PECADO E VERGONHA "Cometi um pecado. Cometi um pecado ao tentar ajudar um amigo, Armando Dile. Ao tentar ajudá-lo, tornei-me refém de uma engenharia criminosa, uma gravação premeditada, feita por uma pessoa inescrupulosa [Cachoeira], que a fez para aferir benefícios financeiros a seus negócios. O homem que aqui comparece é uma pessoa envergonhada, de alma quebrada. Não tenho medo de ser investigado. Preciso disso para que eu possa voltar a andar de cabeça erguida e olhar aos que depositaram em mim total confiança e que hoje são cobrados como se beneficiários fossem de meus atos. Quero dizer que a essas pessoas peço desculpas pelo constrangimento que as causei. Estou pronto [para ser investigado]. Não usarei subterfúgios. O medo não protege ninguém. Estou à disposição para falar a verdade."
Ao ser questionado pelo deputado Paulo Melo (PMDB) sobre sua amizade com Dile, Waldomiro disse: "Era uma relação cordial, profissional, mas não freqüentava a casa dele nem nos encontrávamos nos fins de semanas".

CHANTAGEM "No início de 2003, recebo em meu gabinete uma ligação do Mino Pedrosa. Ele me disse: "Waldomiro, queria me certificar sobre uma fita em que você está pedindo dinheiro para o bicheiro de Goiás, Carlos Cachoeira, para campanha". Eu disse: "Olha, eu desconheço esse assunto, vamos apurar"." Waldomiro disse ter ligado para Cachoeira para saber sobre a fita. Teriam se encontrado em Brasília.
Segundo o ex-assessor, por não ter aceito "propostas escusas" de Cachoeira, Pedrosa publicou reportagem contra ele, em junho de 2003, na revista "Isto É", que aponta o seu suposto envolvimento com mafiosos internacionais ligados ao bingo. "Cachoeira queria que eu, no governo federal, facilitasse negócios para ele. Eu disse não, não e não." Waldomiro disse ter sido procurado de novo, por Cachoeira, que propôs interferência na discussão sobre regulamentação dos bingos que transitava na Casa Civil. "Eu não fui."

ARMANDO DILE "Carlos Ramos me disse que gostaria de ter Armando o assessorando. Dile trabalhava comigo com contrato firmado via agência de publicidade [Giovanni FCB, no Rio]. Descontados os impostos e a comissão da agência, Armando deveria receber algo em torno de R$ 5.000. Carlos Ramos fez uma proposta para ele que era, no mínimo, o triplo disso."
"Ele foi trabalhar a convite de Carlos Ramos e não por imposição do presidente da Loterj [na época, Waldomiro]. Eu estava ali [na gravação divulgada pela revista "Época'] para ajudar um amigo em dificuldade. Carlos Cachoeira contratou Armando Dile e não mantinha a regularidade de seus pagamentos." Em depoimento ao Ministério Público Federal, Cachoeira disse que contratou Dile pois Waldomiro o "coagiu". Dile morreu em dezembro de 2002.

A COMISSÃO DE 1% "A partir daquele momento, Carlos Ramos ofereceu a ele [Dile] não mais um salário, e sim uma participação no projeto dele, 1%. Mas com uma condição: que eu acertasse, que eu pedisse. O roteiro da conversa foi premeditado."

A PRIMEIRA FITA "Armando Dile já era assessor de Cachoeira quando me ligou e pediu uma reunião, às 19h. Disse para fazermos na Loterj, mas Dile disse que ele [Cachoeira] queria me mostrar as instalações [do consórcio Combralog, que acabara de vencer licitação para loteria online] num escritório em Botafogo [zona sul do Rio]." Segundo Waldomiro, Dile disse que Cachoeira gostaria de contribuir com as campanhas eleitorais.

A FITA NO AEROPORTO "Não me lembro dos detalhes dessa conversa." Para Waldomiro, o áudio da conversa só seria divulgado se beneficiasse o autor das gravações. Disse que as conversas que teve com Cachoeira na época foram para que ele cumprisse o contrato entre Combralog e Loterj. A fita mostra Waldomiro recebendo uma sacola, que era de uma livraria e, dentro dela, havia jornais, disse o ex-assessor.

INTERESSES DE CACHOEIRA "Por que esse senhor [Cachoeira] nutre por mim tanto ódio, usou expediente criminoso de gravar uma fita há dois anos e divulgá-la agora? Foi porque eu não cedi naquilo a que ele não tinha direito. Ele se sentiu prejudicado e, por isso, usou outros subterfúgios. Virei refém dessa situação."

EDITAL DA LOTERJ Negou ter modificado o edital de loterias de múltiplas chances, vencido pela empresa Hebara, conforme concluiu sindicância da Loterj. Na fita, ele diz para Cachoeira redigir com Dile as alterações que gostaria de fazer. "O pedido de alteração do edital foi feito em março, muito antes da conversa com Cachoeira."

GTECH "Estive com profissionais da GTech depois da ligação desse senhor [Cachoeira], que me chantageava e dizia que eu só precisava encontrar os empresários, dizer que nós tínhamos um contrato no Rio e que estava tudo bem."
O primeiro encontro de Waldomiro com funcionários da GTech aconteceu num hotel em Brasília, em 6 de janeiro de 2003, quando já era subsecretário de Assuntos Parlamentares, com a participação de Cachoeira.

SONEGAÇÃO FISCAL Os rendimentos de Waldomiro na Loterj chegavam a R$ 12.500, apesar de seu salário ser de R$ 4.500. O restante era complementado pela Fundação Parque Alta Tecnologia de Petrópolis (RJ), como ajuda de custo. Waldomiro admitiu ter sonegado essa complementação à Receita Federal.


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