São Paulo, quinta-feira, 14 de setembro de 2000

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Dívida externa só não é problema se o país seguir crescendo

FERNANDO RODRIGUES
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

As críticas do governo FHC ao plebiscito sobre a dívida externa são corretas apenas no cenário atual em que se encontra o Brasil, seja no plano interno como no externo.
Se o país parar de crescer, ou se ocorrer uma crise internacional, as empresas que devem no exterior podem ficar em dificuldade para pagar os seus compromissos.
Mais ou menos o que aconteceu no início de 99, quando houve a desvalorização do real. Ou no início da década de 80.
Hoje, a dívida externa está solucionada. Não é um problema, mas um alívio para as empresas privadas e também para o governo federal: as captações externas são uma fonte de dinheiro barato.
Também está correta a afirmação do ministro da Fazenda, Pedro Malan, sobre a mudança do perfil dos débitos brasileiros no exterior.
No início dos anos 90, a dívida externa total era de US$ 123,91 bilhões. Desse total, US$ 104,73 bilhões (84,5%) eram devidos pelo setor público. E só US$ 19,18 bilhões (15,5%) por empresas da iniciativa privada.

Mudou perfil
No início desta década, a dívida era concentrada. Um condomínio de cerca de 500 bancos -coordenado pelo norte-americano Citibank- detinha quase a totalidade da dívida brasileira.
Agora, é diferente. A dívida externa brasileira total é de US$ 231,35 bilhões. Só US$ 92,17 bilhões (39,8%) são devidos pelo setor público. O restante, US$ 139,17 bilhões (60,2%), está com o setor privado.
Além disso, não se deve mais para 500 bancos. Há milhares de credores do Brasil no exterior. Não é possível saber quantos credores há.
Os papéis das dívidas externas do Terceiro Mundo passaram, da década de 80 para cá, a ser negociados no mercado. Circulam de mão em mão diariamente. Seria impossível fazer uma renegociação em bloco agora no formato em que foi realizada a da primeira metade desta década.
Apesar desses argumentos a seu favor, o governo omite um dado importante. Em décadas passadas, a dívida externa brasileira também era em grande parte do setor privado nacional.
Depois da crise do petróleo e das moratórias do início da década de 80, as empresas brasileiras continuaram a pagar o que deviam. Mas o dinheiro era represado no Banco Central.
O que era dívida privada passava a ser dívida estatal. Assim, aos poucos, a dívida externa brasileira se tornou quase toda do governo federal.

Capacidade
O problema potencial da dívida externa não é ser pública ou privada, mas sim a capacidade de pagamento futuro do país.
Em um cenário de crescimento, não há crise. Mas a roda não pode parar.
Um exemplo: neste ano devem vencer US$ 30,014 bilhões da dívida externa brasileira. Quase nada será pago. A regra é rolar o máximo possível.
Numa crise recessiva, entretanto, vários credores podem preferir receber a fatura de uma vez, recusando a rolagem.
Na crise internacional de 98, o país perdeu US$ 28 bilhões de reservas de setembro a novembro daquele ano.
Hoje, as reservas são de US$ 31,126 bilhões.
Em resumo: se o país continuar a crescer, se os credores mantiverem a boa vontade de rolar os empréstimos vencidos, o país não terá problema.
Mas é impossível garantir que esse cenário se manterá eternamente.


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