São Paulo, quinta-feira, 14 de novembro de 2002

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TRANSIÇÃO

Se não cumprir o acordo, Brasil vira uma Argentina, afirma presidente

FHC diz que Lula deve seguir o FMI e critica "Fome Zero"

Lula Marques/Folha Imagem
O presidente FHC cumprimenta Chelsea, filha do ex-presidente Bill Clinton e aluna em Oxford


DA REDAÇÃO

O presidente Fernando Henrique Cardoso concedeu ontem entrevista à BBC Brasil, na cidade britânica de Oxford, na qual afirmou que Luiz Inácio Lula da Silva (PT) precisa cumprir o acordo com o FMI para que o Brasil não se transforme numa Argentina. Ele criticou ainda a retomada de "programas assistencialistas", referindo-se ao "Fome Zero".
FHC disse que não acredita que o Brasil possa trilhar o mesmo caminho que a Argentina: "Não acredito nisso, porque a economia brasileira é muito mais organizada. O governo brasileiro tem mais instrumentos para contra-atacar a crise do que o argentino".
Ele aproveitou então para mandar um recado a Lula: "Confiando que o novo governo seja competente para manter o funcionamento dos instrumentos do sistema de decisões do governo, eu não acho que vá acontecer nada parecido com o que aconteceu na Argentina. Espero que não".
Depois de afirmar que "não gosta de dar conselhos para presidente", FHC declarou que não há alternativa para seu sucessor senão cumprir o acordo com o FMI (Fundo Monetário Internacional), que se comprometeu a emprestar US$ 30 bilhões ao país: "Se não cumprir [o acordo], se não tiver um governo capaz de produzir superávit, diminuir a dívida e não dar o calote lá fora, nós vimos o que acontece [lembrando da Argentina]", disse. "O espaço aí é muito pequeno. Se tivesse uma alternativa, eu teria seguido."
Questionado sobre o programa "Fome Zero", afirmou que "não tem sentido voltar a uma concepção assistencialista", desnecessária "no grau de aperfeiçoamentos sociais já existentes no Brasil".
Ele criticou o programa "porque há a introdução de técnicas que foram ultrapassadas durante meu governo". Uma das propostas petistas é a distribuição de cupons à população carente, que poderia trocá-los por alimentos em estabelecimentos credenciados pelo governo: "Acho que o novo governo vai precisar rever o impulso inicial, porque o impulso inicial é antigo, não é novo".
FHC disse que "há casos raros de fome no Brasil". Segundo ele, "o que há é subnutrição": "Eu diria subnutrição, mais do que fome. Porque dá a impressão que um terço dos brasileiros não come. Isso não é verdade", afirmou.
"Não existe esse fenômeno de gente morrendo de fome no Brasil", disse. "A fome atinge maciçamente regiões da África e da Ásia. No Brasil, existia fome quando havia seca e quando não havia programas compensatórios. Hoje [os programas" já existem".
FHC destacou que seu governo tem "programas de combate à subnutrição", que devem ser levados adiante pelo governo Lula. Ele disse que é "bom" quando o novo governo usa o mote do "combate à fome": "Não diria que é um instrumento de marketing, e sim uma forma de ele [Lula] chamar a atenção para a área social".
Ele criticou, porém, o modelo assistencialista: "Em vez de distribuir alimentos que se compra no Sul e se leva para o Nordeste, o que é caro, nós fizemos programas como a Bolsa-Escola, que tem nove milhões de crianças."
O presidente disse ainda que Lula terá de aprofundar iniciativas sociais já lançadas por ele e citou o caso da reforma agrária. "Agora, é preciso sempre tomar cuidado por causa da inflação, não se pode gastar mais do que é possível arrecadar. Existe a situação internacional, que não está sob controle do governo", disse.
O presidente criticou a oposição que o PT fez ao seu governo: "Esse é o maior problema que temos para diminuir a taxa de juros e a inflação: o déficit público. Se ele tentar [a reforma da Previdência Social], eu apóio. Não vou fazer o que o PT fez: votar contra".


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