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Presidente defende "novo contrato internacional"
CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A OXFORD
Se o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva colocou como
prioridade a construção de um
"novo contrato social", o presidente em funções, Fernando
Henrique Cardoso, prefere defender "um novo contrato internacional, amparado não na lógica da
supremacia, mas em uma nova
ética, a da solidariedade".
A linguagem dos dois é muito
semelhante. Muda apenas o âmbito, o que é explicável: Lula fala
para o público interno e FHC o fez
ontem para um público muito específico, professores e alunos de
uma das mais sofisticadas grifes
do mundo acadêmico, a Universidade de Oxford.
O presidente brasileiro foi o
convidado de 2002 para cumprir
o desejo de Cyrill Foster, que
doou fundos para a universidade
britânica na condição de que, a
cada ano, fosse chamada uma
pessoa "proeminente e sincera"
para falar sobre democracia.
Foi o que fez FHC, em uma aula
na qual, na prática, repetiu a pregação que fez ao longo de todo o
seu mandato, em torno da necessidade de criar mecanismos de
"governança global democrática", título, aliás de sua palestra.
"Costumo dizer que a economia
está globalizada, mas a política
não", disse o presidente para uma
platéia de cerca de 450 pessoas
que o aplaudiu com força ao ser
apresentado e repetiu a dose, de
pé, ao terminar a fala.
Entre os presentes, Chelsea
Clinton, a filha do ex-presidente
norte-americano Bill Clinton, estudante de Oxford, que achou
"excelente" a palestra, mas explicou assim a sua presença: "São
poucos os chefes de Estado que
vêm aqui". Também compareceu
André Lara Resende, ex-presidente do BNDES, que está desde
setembro em Oxford.
Sociedade e instituições
O novo "contrato internacional" proposto por FHC deveria
ter duas vertentes: ser "sensível
aos anseios dos novos atores na
dinâmica internacional, a começar pelos movimentos sociais,
mas que também reconheça a indispensável mediação dos Estados nacionais".
Quando lhe pediram opinião
sobre o Fórum Social Mundial,
que se realiza em Porto Alegre e é
exatamente o convescote anual
do movimento social, FHC preferiu pôr a ênfase nas instituições
mais que nos movimentos sociais.
"O movimento social é importante, traz boas idéias e inspiração, mas o que necessitamos é
reorganizar as instituições".
Aproveitou para a primeira de
duas cutucadas no PT: lembrou
que os organizadores do Fórum
de Porto Alegre foram derrotados
na eleição. Depois, em resposta à
pergunta de Lara Resende sobre
seus sucessos e frustrações, contabilizou a reforma, "pela metade",
da Previdência como uma frustração, mas atribuiu-a aos que se
opuseram a ela e "agora estarão
no poder" e terão que fazê-la.
"Vou apoiá-los", ironizou.
Para Lula, no entanto, voltou a
usar sempre palavras de elogio.
Disse que estava "feliz" porque,
pela primeira vez em 40 anos, um
presidente democraticamente
eleito transmitiria o cargo a outro
presidente escolhido nas mesmas
condições (o caso anterior deu-se
em 1961, quando Juscelino Kubitschek passou a faixa para Jânio
Quadros, que renunciaria sete
meses depois).
Mais: a passagem de cargo se
daria para a oposição, e "um tipo
muito específico de oposição,
muito agressiva".
Além disso, seu sucessor é "um
líder da classe trabalhadora", o
que prova, segundo FHC, que,
"mesmo em um país tão desigual
como o Brasil ainda é, a idéia de
democracia está enraizada". Tão
enraizada, completou, que o Brasil foi capaz de eleger alguém de
fora do establishment.
Ainda sobre o futuro governo,
FHC fez questão de afirmar que
deixava para Lula todas as possibilidades abertas nas negociações
em que o Brasil está envolvido,
em especial a da Alca (Área de Livre Comércio das Américas).
"Posso dizer que meu sucessor
herdará uma base sólida para a
defesa de uma integração hemisférica justa e equilibrada", disse.
FHC aproveitou as perguntas
para definir-se como de esquerda,
se por esquerda se entender quem
é a favor da justiça social: "A justiça social é sempre um valor para a
esquerda. Nesse sentido, não há
dúvida de que sou de esquerda".
Mas, se esquerda for defender o
papel do Estado na economia ou a
imposição de regras por um partido à sociedade, FHC não aceita o
rótulo. Para ele, esses dois comportamentos representam "uma
utopia regressiva, como se fosse
possível voltar à primeira metade
do século 20".
Terminada a fala, quando os
aplausos pararam, Leslie Bethel,
presidente do Centro de Estudos
Brasileiros da Universidade, despediu-se assim: "Já estamos sentindo sua falta".
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