São Paulo, quinta-feira, 14 de novembro de 2002

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Presidente defende "novo contrato internacional"

CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A OXFORD

Se o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva colocou como prioridade a construção de um "novo contrato social", o presidente em funções, Fernando Henrique Cardoso, prefere defender "um novo contrato internacional, amparado não na lógica da supremacia, mas em uma nova ética, a da solidariedade".
A linguagem dos dois é muito semelhante. Muda apenas o âmbito, o que é explicável: Lula fala para o público interno e FHC o fez ontem para um público muito específico, professores e alunos de uma das mais sofisticadas grifes do mundo acadêmico, a Universidade de Oxford.
O presidente brasileiro foi o convidado de 2002 para cumprir o desejo de Cyrill Foster, que doou fundos para a universidade britânica na condição de que, a cada ano, fosse chamada uma pessoa "proeminente e sincera" para falar sobre democracia.
Foi o que fez FHC, em uma aula na qual, na prática, repetiu a pregação que fez ao longo de todo o seu mandato, em torno da necessidade de criar mecanismos de "governança global democrática", título, aliás de sua palestra.
"Costumo dizer que a economia está globalizada, mas a política não", disse o presidente para uma platéia de cerca de 450 pessoas que o aplaudiu com força ao ser apresentado e repetiu a dose, de pé, ao terminar a fala.
Entre os presentes, Chelsea Clinton, a filha do ex-presidente norte-americano Bill Clinton, estudante de Oxford, que achou "excelente" a palestra, mas explicou assim a sua presença: "São poucos os chefes de Estado que vêm aqui". Também compareceu André Lara Resende, ex-presidente do BNDES, que está desde setembro em Oxford.

Sociedade e instituições
O novo "contrato internacional" proposto por FHC deveria ter duas vertentes: ser "sensível aos anseios dos novos atores na dinâmica internacional, a começar pelos movimentos sociais, mas que também reconheça a indispensável mediação dos Estados nacionais".
Quando lhe pediram opinião sobre o Fórum Social Mundial, que se realiza em Porto Alegre e é exatamente o convescote anual do movimento social, FHC preferiu pôr a ênfase nas instituições mais que nos movimentos sociais.
"O movimento social é importante, traz boas idéias e inspiração, mas o que necessitamos é reorganizar as instituições".
Aproveitou para a primeira de duas cutucadas no PT: lembrou que os organizadores do Fórum de Porto Alegre foram derrotados na eleição. Depois, em resposta à pergunta de Lara Resende sobre seus sucessos e frustrações, contabilizou a reforma, "pela metade", da Previdência como uma frustração, mas atribuiu-a aos que se opuseram a ela e "agora estarão no poder" e terão que fazê-la. "Vou apoiá-los", ironizou.
Para Lula, no entanto, voltou a usar sempre palavras de elogio. Disse que estava "feliz" porque, pela primeira vez em 40 anos, um presidente democraticamente eleito transmitiria o cargo a outro presidente escolhido nas mesmas condições (o caso anterior deu-se em 1961, quando Juscelino Kubitschek passou a faixa para Jânio Quadros, que renunciaria sete meses depois).
Mais: a passagem de cargo se daria para a oposição, e "um tipo muito específico de oposição, muito agressiva".
Além disso, seu sucessor é "um líder da classe trabalhadora", o que prova, segundo FHC, que, "mesmo em um país tão desigual como o Brasil ainda é, a idéia de democracia está enraizada". Tão enraizada, completou, que o Brasil foi capaz de eleger alguém de fora do establishment.
Ainda sobre o futuro governo, FHC fez questão de afirmar que deixava para Lula todas as possibilidades abertas nas negociações em que o Brasil está envolvido, em especial a da Alca (Área de Livre Comércio das Américas). "Posso dizer que meu sucessor herdará uma base sólida para a defesa de uma integração hemisférica justa e equilibrada", disse.
FHC aproveitou as perguntas para definir-se como de esquerda, se por esquerda se entender quem é a favor da justiça social: "A justiça social é sempre um valor para a esquerda. Nesse sentido, não há dúvida de que sou de esquerda".
Mas, se esquerda for defender o papel do Estado na economia ou a imposição de regras por um partido à sociedade, FHC não aceita o rótulo. Para ele, esses dois comportamentos representam "uma utopia regressiva, como se fosse possível voltar à primeira metade do século 20".
Terminada a fala, quando os aplausos pararam, Leslie Bethel, presidente do Centro de Estudos Brasileiros da Universidade, despediu-se assim: "Já estamos sentindo sua falta".


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