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São Paulo, domingo, 14 de dezembro de 2003

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PT NO DIVÃ

Senadora alagoana provoca em admiradores reações semelhantes às dos eleitores do presidente após a vitória

Gabinete de Helena vira local de "romaria"

RAFAEL CARIELLO
DA REPORTAGEM LOCAL

Bernardino Furtado, 59, abraça Heloísa Helena. Viajou três dias de ônibus, desde Apuí, no Amazonas, antes de chegar ao gabinete da senadora alagoana em Brasília. "O Lula está doido. Ele e o Genoino", diz, sem soltá-la.
Na última semana, a rotina de Helena foi marcada por cenas como essa -e grupos de pessoas aguardavam na entrada de seu gabinete para repeti-la. Ameaçada de expulsão do PT, havia uma estranha semelhança entre essa Heloísa Helena e o Luiz Inácio Lula da Silva de 2002 no tipo de reação que provocavam nas pessoas.
Vieram estudantes de Rondônia, assistentes sociais de Alagoas, funcionários públicos de Brasília, vereadores do interior de São Paulo para participar da "romaria" ao Senado.
Além das pessoas da "Casa". "Para mim, é Nossa Senhora no céu e a sra. aqui na terra", diz o funcionário da Subsecretaria de Comissões Rosmair da Silva, 45, ao vê-la passar no corredor.
Durante um dos debates no plenário sobre a reforma da Previdência, um repórter chama a senadora do canto reservado à imprensa. Ela vem, pensando tratar-se de uma pergunta sobre a matéria em debate. O jornalista, que pediu para não ser identificado, desejava apenas se solidarizar com Helena e desejar-lhe boa sorte no domingo, durante a reunião do Diretório Nacional do PT, quando seu expurgo seria confirmado ou não.
Helena responde, atende aos pedidos de fotos e autógrafos, aparentando calma maior que a de seus admiradores -apesar de sua conhecida estridência.
Numa das cartas de apoio que recebeu, a remetente critica a "forma" como a senadora apresenta suas idéias: "Por favor, reflita sobre o que lhe digo. Busque ajuda fazendo ioga, tai-chi-chuan, meditação ou terapia".
A exemplo do que acontecia com Lula na campanha presidencial ou após a vitória, algumas pessoas choram ao encontrá-la. "Desculpe, eu vou chorar", diz Maria do Carmo Pimentel, presidente da Associação Gaúcha dos Fiscais de Previdência, após já ter chorado na sala de Helena e voltar a fazê-lo do lado de fora, durante uma sessão de fotos.
Outro que chorou foi o amazonense Bernardino Furtado. "Se você sair, não sou mais PT", disse a ela. Depois chora e afirma: "Eles vão pagar, vão pagar". E volta a criticar Lula e os rumos do atual governo.

Lula e Suplicy
Helena também responsabiliza o presidente pelo processo que sofre no partido.
"Nunca compartilhei da análise preconceituosa de setores da elite nacional, que sempre apresentaram Lula como um despreparado e facilmente influenciável na condução do poder. Até porque ele é a maior liderança da América Latina", afirma. "Essa análise vale para o bem e para o mal. Não tenho dúvida de que todas as decisões tomadas pela cúpula palaciana do partido têm direta interferência dele."
"O que mais dói", ela diz, é não entender as razões da mudança, da discrepância entre o que considera as propostas históricas de seu partido e o atual governo.
"Isso para mim é que é o mais doloroso. Para mim é muito doloroso. É evidente que essa mudança, que esse abismo não pode ser atribuído a nada que esteja no âmbito da psicologia humana -por mais que a gente brinque que alguém, mais cedo ou mais tarde, irá para um divã por dupla personalidade ideológica."
Questionada sobre alguma possível explicação, responde: "Mas qual? Ninguém consegue".
As críticas ao presidente são frequentes nas cartas que recebe. Diz uma das remetentes: "Uma coisa que me deixa pasma, e até mesmo envergonhada de ser brasileira é ver o papel que o Lula está fazendo". Mais adiante, a mesma admiradora afirma: "Vamos falar de Eduardo Suplicy [senador pelo PT paulista]. Sou fanzona do Eduardo também, mas confesso: não estou conseguindo entender a sua calmaria".
Helena reconhece em Suplicy seu principal aliado nos últimos meses. Ele dá uma outra razão, além da política, para apoiar a senadora: "Ela e a [atual ministra do Meio Ambiente] Marina [Silva] foram meus anjos da guarda durante todo o período em que aconteceu a minha separação. Conversavam comigo, dialogavam, brincavam. Num momento de dificuldade, é natural que eu seja solidário com ela".
Na entrada do gabinete de Suplicy há uma bandeira de campanha do presidente Lula. Na do senador Aloizio Mercadante (PT-SP) há uma mão em forma de "L", com a estrela símbolo do partido. Na de Heloísa Helena, há uma bandeira do PT, emoldurada.
"Me incomoda tanto pensar no que ela fará com essa bandeira, que vou me empenhar com todas as forças para que não seja expulsa", diz Suplicy.
Helena dá a resposta: vai tirá-la de lá. "Se eu for expulsa, tenho que fazer isso."
"Então imagine o que é isso. Imagine juntar todas as camisetas que eu tenho -todas as camisetas que eu uso em casa, 99% têm alguma coisa do PT. Vou juntar todas as minhas coisas que lembram o PT. Todas as lembranças físicas, botar tudo isso numa caixa, vedar e mandar para a casa de alguém. Para que numa noite de saudade a gente não queira remexer e reviver a própria história."


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