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São Paulo, domingo, 14 de dezembro de 2003

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OPERAÇÃO ANACONDA

Juiz Rocha Mattos e ex-mulher, em conversa gravada, fazem referência a auditor que teria levado R$ 100 mil

Esquema tinha ramificação na Receita

FREDERICO VASCONCELOS
DA REPORTAGEM LOCAL

A Operação Anaconda, que revelou as articulações de uma suposta quadrilha criminosa no Judiciário e na Polícia Federal para negociar a venda de sentenças, trouxe à tona as ramificações desse grupo na Receita Federal.
Como desdobramento das escutas telefônicas e de documentos apreendidos, o MPF (Ministério Público Federal) pretende colocar uma lente de grau em antigas operações suspeitas envolvendo funcionários, ex-auditores da Receita Federal e membros do Judiciário.
Um exemplo é o desarquivamento, no início deste mês, de controvertido processo criminal instaurado no final dos anos 80 na Justiça Federal, em São Paulo.
Nesse processo, o juiz federal João Carlos da Rocha Mattos, considerado um dos mentores da suposta quadrilha, chegou a extinguir uma punição de prisão aplicada pelo presidente do Tribunal Regional Federal ao auditor fiscal da Receita Federal Carlos Roberto Fujihara, 50.

Preso em flagrante
Fujihara havia sido preso em flagrante ao fazer uma autuação numa grande empresa em São Paulo, com situação fiscal irregular. Ele foi denunciado por tentativa de concussão (extorsão realizada por funcionário público no exercício do cargo).
No grampo realizado pela Polícia Federal, há transcrição de conversas entre Rocha Mattos e Norma Cunha, ex-mulher do juiz e ex-auditora da Receita Federal, com menção a R$ 100 mil que teriam sido "levados" por Fujihara.
Nos diálogos em que aparece o nome de Fujihara, há referências ao juiz federal Casem Mazloum e, segundo a PF, referência indireta à juíza Adriana Pileggi de Soveral, da 8ª Vara Criminal Federal.
Na busca e apreensão da Operação Anaconda, foram encontrados no escritório do empresário Wagner Rocha (o Peru) petições de advogados de Fujihara e cópias de habeas corpus no mesmo processo criminal que está sendo desarquivado na Justiça.
As versões sobre o episódio envolvendo o auditor no final dos anos 80 variam. Ex-colegas da Receita Federal dizem que Fujihara foi preso com US$ 300 mil, tendo alegado que guardara aquela soma como "prova" de tentativa de corrupção por parte da empresa.
No MPF, prevalece a versão de que a empresa gravara sigilosamente entendimentos propostos pelo auditor para livrar a companhia de uma autuação. As gravações foram consideradas provas ilícitas pelo juiz Rocha Mattos, que determinou a destruição das fitas e absolveu Fujihara.
A Procuradoria da República recorreu, com base na transcrição das conversas nos autos. O TRF condenou Fujihara a dois anos de prisão em regime aberto.
Rocha Mattos extinguiu a punição. Como a empresa pagara a dívida e tivera extinta a punibilidade, o juiz estendeu o benefício ao auditor fiscal que cometera ilícito.
A decisão de Rocha Mattos foi derrubada pelo TRF, sob o argumento de que o juiz de primeira instância não tinha competência para modificar uma determinação daquela Corte.
Os advogados de Fujihara entraram com recursos no Superior Tribunal de Justiça e no Supremo Tribunal Federal, negados nas duas Cortes. Criou-se um grande conflito que se arrastou durante meses e, finalmente, o auditor fiscal foi beneficiado com a prescrição e extinção da punibilidade.
Fujihara exerce atualmente as atividades de auditor fiscal em Taboão da Serra (SP). Para alguns colegas da Receita Federal, ele é considerado uma peça secundária em relação aos personagens da Operação Anaconda. Na avaliação do MPF, a ex-auditora Norma Cunha tinha papel mais relevante. Ela mantinha relações de amizade com a irmã do juiz Rocha Mattos, a também ex-auditora da Receita Federal Vera Cecília Vieira de Moraes. Segundo a Polícia Federal, foi na casa de Vera Cecília que Rocha Mattos teria escondido, horas antes de ser preso, documentos e um computador.

Retirada de documentos
Apesar de Fujihara ser visto como personagem auxiliar, o MPF registra o sumiço de um processo disciplinar interno aberto pela Receita Federal contra o auditor.
Fujihara também é alvo de outra sindicância por suspeita de retirada de documentos internos privativos da Receita Federal para reforçar a defesa do desembargador Roberto Haddad. Em abril, Haddad foi afastado do TRF por suspeita de enriquecimento ilícito e falsificação de documentos do imposto de renda.
Na mesma ação penal que Haddad responde por crimes contra a fé pública, no Superior Tribunal de Justiça, é réu outro funcionário da Receita Federal: Cláudio Maldonado Machado, acusado de participar do esquema de falsificação de documentos públicos para beneficiar o desembargador.
Fujihara e Maldonado têm em comum o fato de serem defendidos pelo advogado Lindemberg da Mota Silveira, ex-subprocurador geral do Tesouro Nacional.
Silveira é citado na Comissão Parlamentar de Inquérito dos Combustíveis por suposto envolvimento em operações de "lavagem de dinheiro" e é réu em ação criminal que tramita na Justiça Federal, em São Paulo, ao lado do empresário Ari Natalino, proprietário da Petroforte, acusado de contrabando e de adulteração de combustíveis.


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