São Paulo, domingo, 15 de abril de 2001

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NO PLANALTO

Em meio a elefante$, FHC não vê as formiguinha$

JOSIAS DE SOUZA
DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Enquanto o escândalo da $udam era apenas um elefante fazendo piruetas à sua frente, FHC tratou-o com desdém. Só depois que o caso virou uma manada de elefantes rumo à sua biografia, pôs fim à política do pouco-caso.
FHC está agora às voltas com um esforço contraditório: tenta salvar o que resta da reputação ética do principado ao mesmo tempo em que negocia com Jader Barbalho o preço da lealdade do "PMDBreu".
Preocupado em esquivar-se das trombas que ainda balançam à sua volta, FHC não tem olhos para formiguinhas que começam a escalar-lhe o sapato.
O presidente deveria chamar Francisco Dornelles para uma conversa. Quanto antes melhor. Uma das formigas está prestes a ganhar a altura da meia de Sua Excelência.
Iniciaria o diálogo de forma seca. Perguntaria: "Por que diabos, senhor ministro, Renato Basto Visco continua pendurado à folha de pagamento do Ministério do Trabalho?"
Assessor especial de Dornelles, Renato Visco carrega um prontuário que não condiz com o súbito surto de moralidade que varre Brasília. Ele é protagonista de relatórios da Secretaria Federal de Controle, o mesmo órgão de auditoria que coleciona, desde 1997, os desvios da $udam.
Detectaram-se malfeitorias variadas na gestão de Renato Visco à frente da diretoria de Admini$tração Geral do INPI (Instituto Nacional de Propriedade Industrial). Ele ganhou o cargo à época em que Dornelles era ministro da Indústria e Comércio. Perdeu-o no finalzinho da breve passagem de Celso Lafer pela pasta, rebatizada de Ministério do Desenvolvimento. Alcides Tápias contabiliza agora o estrago.
Somando-se os malfeitos conhecidos de Visco, chega-se a um beliscão de cerca R$ 6 milhões na bolsa da Viúva. A conversa com Dornelles não trará o dinheiro de volta. Mas pode evitar que a formiga alcance a epiderme do soberano, picando-lhe a batata da perna.
Dornelles dirá a FHC que Visco é inocente. Do contrário não o teria reempregado em sua assessoria pessoal. E não restará a FHC senão a alternativa de mergulhar na papelada produzida pelos auditores. Ao final da leitura, o presidente terá diante de si os seguintes fatos:
1) Em 98, Renato Visco pôs em marcha o "INPI 2000". Trata-se de plano concebido em Brasília, sob Dornelles, para "modernizar" a repartição, dando-lhe cara nova em dois anos;
2) Ofício com o timbre do INPI recomendou a contratação do IEL (Instituto Euvaldo Lodi), de Brasília, para tocar o projeto. Assinam o papel Orlando Roberto Rocha e Marco Antônio Vieira Cabral, "coordenadores" do "INPI 2000". Um detalhe confere às assinaturas um ar de falsidade ideológica: nenhum deles é funcionário do INPI;
3) O contrato com o IEL (R$ 8,3 milhões) foi assinado às pressas e sem licitação. Súbito, os dois signatários do ofício-fantasma do INPI postaram-se do outro lado do balcão. Passaram de "coordenadores" a "consultores". Orlando recebeu R$ 540 mil. Marco Antônio, R$ 280 mil;
4) Renato Visco liberava pessoalmente as faturas. Ao todo, o IEL fisgou no INPI R$ 4,5 milhões. Não mordeu mais porque a cabeça de Visco foi levada à bandeja;
5) José Graça Aranha, atual presidente do INPI, chegou à repartição em julho de 99. No mês seguinte, sentindo o cheiro de queimado, cancelou o contrato com o IEL. O instituto deveria entregar 15 produtos, de pesquisa de opinião pública a estudos de terceirização e de informática. O monturo de papéis virou lixo. Encontra-se trancafiado numa sala. Parte do que fora contratado sumiu;
6) O INPI vinha tocando, em parceria com a Organização Mundial da Propriedade Intelectual, vinculada à ONU, um programa muito parecido com o "INPI 2000". Interrompido por Renato Visco, o programa foi retomado por Graça Aranha. Está orçado em US$ 10 milhões, dos quais US$ 6 milhões, o equivalente a R$ 12,6 milhões, já escorregaram da bolsa da Viúva;
7) O absurdo "INPI 2000" soma-se a despautério já conhecido. Renato Visco tentou reformar o prédio do INPI, na Praça Mauá, no Rio. Contratou, no início de 98, a DW Engenharia, para fazer o "projeto básico" da obra. O orçamento foi aprovado em menos de 24 horas. Despenderam-se, de novo sem licitação, R$ 368 mil;
8) No final de 98, a mesma DW Engenharia petiscou mais R$ 1,1 milhão por conta de um "projeto executivo" da obra. Obra que, orçada em R$ 25 milhões, foi brecada graças a uma ação do sacrossanto Ministério Público.
Renato Visco tomou chá de sumiço na quinta e na sexta-feira. Em oportunidade anterior, dissera que nada fez de errado. Acha que será inocentado pelo TCU e pela Justiça.
Um detalhe deixa ainda mais rico o caso. Eduardo Godoy Assumpção, funcionário que presidiu uma comissão criada para investigar o "INPI 2000", pode perder o emprego. Além de condenar as ações de Renato Visco, a comissão de Eduardo acusou Graça Aranha, o presidente do INPI, de ter retardado providências para elucidar o caso.
Em ofício dirigido a Alcides Tápias, Graça Aranha refutou as acusações da comissão e teve anuladas as acusações. Em cartas endereçadas a Tápias e ao próprio FHC, Eduardo cobrou providências. Seu comportamento gerou a abertura de um processo disciplinar que pode custar-lhe o contracheque.
Ainda que se considere imprópria a conduta de Eduardo, será no mínimo curioso vê-lo arrancado de uma folha de pagamento em que Renato Visco parece ter lugar cativo.


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