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CELSO PINTO
As razões para o BC intervir no câmbio
O Banco Central não
deve intervir no câmbio,
porque um burocrata não sabe
melhor do que o mercado qual
o nível "correto" do dólar. O
mercado, como diz a boa teoria econômica, sempre encontra o nível de equilíbrio. Até porque o BC não é capaz de fixar o valor real do câmbio, só o
nominal: se ele for muito alto,
a inflação acaba reduzindo o
valor real do câmbio e todos
saem perdendo.
Certo? Errado, diz o ex-presidente do BC Ibrahim Eris. Essa
tem sido a essência do argumento do governo para deixar
o real se apreciar em relação
ao dólar, mas é um equívoco, a
seu ver, mesmo sob a ótica econômica ortodoxa.
Não há teoria econômica
convincente que prove que um
mercado onde há incertezas
gere equilíbrio. Só haverá equilíbrio no câmbio se houver
equilíbrio em outros mercados
que o afetam. Não é o caso. Pelo menos quatro indicadores
estão fora de equilíbrio: os juros, o crescimento, o nível de
"hedge" e o tamanho das reservas.
Juros de 26,5%, projetando
juros reais, em 12 meses, de
16,2%, estão em desequilíbrio.
Seguram o crescimento econômico abaixo do pleno emprego, a longo prazo. O que gera um saldo na balança comercial alto, mas não inteiramente sustentável.
O nível de "hedge" oferecido
pelo governo através dos títulos indexados ao câmbio está
muito acima do razoável. O
excesso veio de uma ação do
BC, ano passado, para tentar
conter o nervosismo do mercado com as eleições. O nível das
reservas líquidas (descontado
o dinheiro do FMI) tampouco
é o necessário para um país
com a vulnerabilidade externa
do Brasil.
Em todos esses casos, um BC
ativo poderia reduzir o desequilíbrio. Os juros podem cair
(se a inflação permitir), pode-se recomprar títulos cambiais e
comprar dólares no mercado
para recompor as reservas.
Não há nada errado em ter o
BC ativo. Ele não deve perseguir um nível específico de taxa de câmbio, mas pode e deve atuar para corrigir desequilíbrios.
Hoje há uma discussão sobre
o que fazer com uma entrada
exagerada de capitais especulativos de curto prazo. Alguns,
como o senador Aloizio Mercadante, defendem a taxação
desses capitais. Eris propõe
uma solução mais simples. O
BC deveria calcular qual o nível de ingresso de capitais de
curto prazo em condições normais. O que ultrapassasse esse
nível, o BC poderia recomprar
no mercado privado de câmbio, formando uma reserva extra que poderia ser utilizada quando esse capital mais especulativo quisesse sair do país.
Todas essas ações, no fundo,
ajudariam, também, a reduzir
a volatilidade do câmbio. A
volatilidade é inerente às moedas periféricas, argumenta.
São mercados pequenos, sujeitos a fluxos globais enormes. O
problema é quando se confunde efeitos da volatilidade com
tendências de longo prazo.
Um exemplo dramático foi o
impacto da privatização nos
anos FHC. Ajudou a aumentar
o fluxo de dólares e os investimentos diretos de uma maneira não sustentável a longo prazo. No entanto, como esse fator
excepcional persistiu por vários anos, foi visto como tendência, levou a uma sobrevalorização do real e desmontou o
setor exportador, com consequências graves e duradouras.
A segunda boa razão para o
BC intervir no câmbio, portanto, seria tentar compensar o
impacto provocado por fatos
excepcionais. "Quanto mais o
BC interferir, melhor, porque
vira rotina", diz Eris. A diferença entre um bom e um mau
BC será a arte de fazê-lo sem
defender níveis específicos,
mas corrigindo distorções.
Eris vai além e acha que o BC
também pode intervir no câmbio por razões de política industrial. O argumento de que o BC não consegue fixar o câmbio real não o convence. Isso é
verdade a longo prazo, mas a
curto e médio prazo é possível
manter o câmbio mais desvalorizado sem virar inflação. A
Ásia fez isso por décadas, como
objetivo de política industrial,
com muito sucesso. Câmbio alto, mas estável, é compatível
com redução da inflação.
Como saber o nível ideal de
dólar? Existem maneiras de
medir a sustentabilidade, diz.
Se a um nível "X" de câmbio,
gera-se uma conta externa que
exige a rolagem, digamos, de
70% a 80% dos títulos que vencem para fechar, pode ser razoável. Se exige a rolagem de 120% dos títulos, não. Se o
câmbio está num nível muito
fora do que parece sustentável,
o BC deve intervir.
O ponto central de Eris é que
não há nada errado em intervir, nem do ponto de vista da
melhor teoria econômica. O
câmbio flutuante puro não
existe. Portanto, não se trata
de escolher entre defender o
mercado ou a heterodoxia e
sim de discutir a melhor opção
de política econômica.
E-mail: CelPinto@uol.com.br
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