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São Paulo, quinta-feira, 15 de maio de 2003

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CELSO PINTO

As razões para o BC intervir no câmbio

O Banco Central não deve intervir no câmbio, porque um burocrata não sabe melhor do que o mercado qual o nível "correto" do dólar. O mercado, como diz a boa teoria econômica, sempre encontra o nível de equilíbrio. Até porque o BC não é capaz de fixar o valor real do câmbio, só o nominal: se ele for muito alto, a inflação acaba reduzindo o valor real do câmbio e todos saem perdendo.
Certo? Errado, diz o ex-presidente do BC Ibrahim Eris. Essa tem sido a essência do argumento do governo para deixar o real se apreciar em relação ao dólar, mas é um equívoco, a seu ver, mesmo sob a ótica econômica ortodoxa.
Não há teoria econômica convincente que prove que um mercado onde há incertezas gere equilíbrio. Só haverá equilíbrio no câmbio se houver equilíbrio em outros mercados que o afetam. Não é o caso. Pelo menos quatro indicadores estão fora de equilíbrio: os juros, o crescimento, o nível de "hedge" e o tamanho das reservas.
Juros de 26,5%, projetando juros reais, em 12 meses, de 16,2%, estão em desequilíbrio. Seguram o crescimento econômico abaixo do pleno emprego, a longo prazo. O que gera um saldo na balança comercial alto, mas não inteiramente sustentável.
O nível de "hedge" oferecido pelo governo através dos títulos indexados ao câmbio está muito acima do razoável. O excesso veio de uma ação do BC, ano passado, para tentar conter o nervosismo do mercado com as eleições. O nível das reservas líquidas (descontado o dinheiro do FMI) tampouco é o necessário para um país com a vulnerabilidade externa do Brasil.
Em todos esses casos, um BC ativo poderia reduzir o desequilíbrio. Os juros podem cair (se a inflação permitir), pode-se recomprar títulos cambiais e comprar dólares no mercado para recompor as reservas. Não há nada errado em ter o BC ativo. Ele não deve perseguir um nível específico de taxa de câmbio, mas pode e deve atuar para corrigir desequilíbrios.
Hoje há uma discussão sobre o que fazer com uma entrada exagerada de capitais especulativos de curto prazo. Alguns, como o senador Aloizio Mercadante, defendem a taxação desses capitais. Eris propõe uma solução mais simples. O BC deveria calcular qual o nível de ingresso de capitais de curto prazo em condições normais. O que ultrapassasse esse nível, o BC poderia recomprar no mercado privado de câmbio, formando uma reserva extra que poderia ser utilizada quando esse capital mais especulativo quisesse sair do país.
Todas essas ações, no fundo, ajudariam, também, a reduzir a volatilidade do câmbio. A volatilidade é inerente às moedas periféricas, argumenta. São mercados pequenos, sujeitos a fluxos globais enormes. O problema é quando se confunde efeitos da volatilidade com tendências de longo prazo.
Um exemplo dramático foi o impacto da privatização nos anos FHC. Ajudou a aumentar o fluxo de dólares e os investimentos diretos de uma maneira não sustentável a longo prazo. No entanto, como esse fator excepcional persistiu por vários anos, foi visto como tendência, levou a uma sobrevalorização do real e desmontou o setor exportador, com consequências graves e duradouras.
A segunda boa razão para o BC intervir no câmbio, portanto, seria tentar compensar o impacto provocado por fatos excepcionais. "Quanto mais o BC interferir, melhor, porque vira rotina", diz Eris. A diferença entre um bom e um mau BC será a arte de fazê-lo sem defender níveis específicos, mas corrigindo distorções.
Eris vai além e acha que o BC também pode intervir no câmbio por razões de política industrial. O argumento de que o BC não consegue fixar o câmbio real não o convence. Isso é verdade a longo prazo, mas a curto e médio prazo é possível manter o câmbio mais desvalorizado sem virar inflação. A Ásia fez isso por décadas, como objetivo de política industrial, com muito sucesso. Câmbio alto, mas estável, é compatível com redução da inflação.
Como saber o nível ideal de dólar? Existem maneiras de medir a sustentabilidade, diz. Se a um nível "X" de câmbio, gera-se uma conta externa que exige a rolagem, digamos, de 70% a 80% dos títulos que vencem para fechar, pode ser razoável. Se exige a rolagem de 120% dos títulos, não. Se o câmbio está num nível muito fora do que parece sustentável, o BC deve intervir.
O ponto central de Eris é que não há nada errado em intervir, nem do ponto de vista da melhor teoria econômica. O câmbio flutuante puro não existe. Portanto, não se trata de escolher entre defender o mercado ou a heterodoxia e sim de discutir a melhor opção de política econômica.

E-mail: CelPinto@uol.com.br


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