São Paulo, sábado, 15 de junho de 2002

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INVESTIGAÇÃO

Depoimentos acusam indiciado por forjar dossiê em 98 de tentar reeditá-lo usando o paraíso fiscal de Luxemburgo

PF apura nova tentativa de "dossiê Caribe"

KENNEDY ALENCAR
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Depoimentos dados à Polícia Federal acusam Honor Rodrigues da Silva, indiciado em inquérito por falsificar e vender o dossiê Caribe, de planejar uma reedição do golpe. Segundo os depoimentos, dados por ex-sócios de Honor na trama original, ele quer vender informações falsas por até US$ 10 milhões, agora sobre suposta conta de tucanos no paraíso fiscal europeu de Luxemburgo. O golpe anterior usou os paraísos fiscais caribenhos das Bahamas e das Ilhas Cayman.
A Folha obteve os depoimentos de João Roberto Barusco e de Ney Lemos dos Santos, dois brasileiros radicados em Miami e ex-sócios de Honor na falsificação e venda do dossiê Caribe. A PF interrogou Barusco e Santos em Portugal, país onde estiveram no ano passado a fim de tentar fugir da investigação policial.
A PF e o Ministério Público Federal, segundo a Folha apurou, também têm indícios de que Honor, direta ou indiretamente, oferece "informações" a adversários de José Serra, cuja candidatura presidencial será oficializada hoje pelo PSDB. Ou seja, o golpe seria dado nas eleições deste ano.
O dossiê Caribe é um conjunto de papéis falsos sobre supostas contas no exterior da empresa CH, J & T Inc., com sede no paraíso fiscal das Bahamas, que pertenceria ao presidente Fernando Henrique Cardoso, a Serra, ao governador Mário Covas (morto no ano passado) e a Sérgio Motta, ministro das Comunicações que morreu em abril de 1998, antes de o caso surgir na imprensa.
FHC, Serra e Covas sempre negaram a suspeita. A empresa do dossiê Caribe foi comprada, de acordo com a investigação da PF, por Honor, Barusco e Santos por US$ 3.500, a fim de permitir a falsificação do dossiê Caribe.

Depoimentos
No depoimento, Barusco afirma que Honor disse a ele que criaria a seguinte versão: em 1998, na primeira viagem da dupla Barusco-Santos a Nova York para entregar os papéis falsos do dossiê Caribe ao um emissário de políticos brasileiros, um advogado norte-americano teria dado aos dois um "envelope onde constava simplesmente o número de uma conta, o nome de uma empresa e o país, Luxemburgo".
Segundo Barusco, Honor teve a idéia depois de "ver uma reportagem da Folha de S.Paulo fazendo uma ligação entre a empresa Hidrobrasileira [que pertenceu a Sérgio Motta" e Luxemburgo".
O segundo depoimento obtido pela Folha, o de Ney Lemos dos Santos, confirma o de Barusco. Segundo Santos, Honor quer espalhar a história de que existe "uma conta em Luxemburgo", vinculando-a "à empresa Hidrobrasileira, que pertenceu a Sérgio Motta durante 30 anos". Seria uma "nova tentativa de conseguir mais dinheiro e de manter a incerteza sobre a existência da já tão propalada conta" da cúpula tucana em um paraíso fiscal.
No final do ano passado, a PF localizou Barusco e Santos em Lisboa. Em 26 de novembro de 2001, os dois deram depoimentos aos delegados federais Paulo de Tarso Teixeira e Jorge Pontes, responsáveis pelo novo inquérito do "dossiê Caribe".
Barusco e Santos resolveram confessar para tentar reduzir penas de uma eventual condenação criminal ou obter até mesmo perdão judicial, o que dependerá da decisão do magistrado em eventual processo a ser aberto.
Segundo a PF, em 1998, o empresário radicado em Miami Luiz Cláudio Ferraz Silva foi o elo do trio Honor, Barusco e Santos com Leopoldo Collor, irmão do ex-presidente Fernando Collor de Mello, e com o então senador Gilberto Miranda (PFL). Os Collor e os Miranda teriam pago US$ 2,2 milhões pelo dossiê, diz a PF.
Honor, Barusco e Santos cometeram ao menos seis crimes: evasão de divisas, lavagem de dinheiro, formação de quadrilha, falsificação de documentos, estelionato e denunciação caluniosa. O inquérito está perto de ser concluído. No começo de agosto do ano passado, Honor fugiu de Miami, onde morava, para evitar responder a investigações da PF e das autoridades norte-americanas. Ele estaria vivendo hoje na América Central e foi indiciado indiretamente no inquérito da PF.

US$ 10 milhões
No depoimento à PF, Barusco afirma que a intenção de Honor é vender um "papel com uma conta inventada em Luxemburgo pelo valor de aproximadamente US$ 10 milhões".
Barusco conta ainda que um dos objetivos de Honor é tirar novamente "dinheiro dos Collor, de Miranda e Nahas". Como a Folha revelou em 20 de abril de 2000, o empresário Luiz Cláudio Ferraz Silva deu um depoimento assumindo a intermediação da venda do dossiê Caribe a Leopoldo Collor e Gilberto Miranda.
Miranda e Leopoldo teriam revendido o dossiê Caribe ao ex-prefeito Paulo Maluf, então adversário dos tucanos na eleição paulista de 1998. O investidor Naji Nahas teria usado o dossiê Caribe para especular no mercado financeiro. Um novo dossiê poderia voltar a gerar instabilidade política e ganho financeiro.
Maluf, Nahas, Miranda, Leopoldo e Fernando Collor sempre negaram envolvimento na operação. No entanto, está adiantada a investigação da PF sobre o envolvimento no caso dos irmãos Collor e de Gilberto Miranda.

Dossiê Luxemburgo
A reportagem que "inspirou" a nova história de Honor foi publicada pela Folha em 11 de agosto de 2001, mostrando que a PDI (Project Development International Corporation), empresa de fachada com sede no grão-ducado de Luxemburgo, foi criada para possibilitar a compra da Hidrobrasileira S/A.
A PDI foi criada em 25 de setembro de 1996, 15 dias antes da venda da Hidrobrasileira S/A. Motta estava afastado da empresa desde 1995, quando se tornou ministro. Em 27 de setembro de 1996, a empresa de Motta foi dividida em duas: a Hidrobrasileira S/A e a Hidrobrasileira Ltda.
A primeira foi comprada pela PDI, que teve prejuízo de US$ 4,6 milhões na operação. A segunda herdou os contratos de obras públicas e sua parte saudável foi vendida à empreiteira norte-americana Harza, passando a se chamar Harza-Hidrobrasileira.
Em mais de dois anos de investigação jornalística, não foi encontrada nenhuma prova que ligue a PDI a uma suposta conta da cúpula do PSDB no exterior.
Brasileiros residentes em Miami ouvidos pela Folha, inclusive em encontros do repórter com Honor, sempre alimentaram a versão de que, apesar de o dossiê Caribe ter se mostrado falso, haveria o verdadeiro. No entanto, nunca deram uma evidência concreta.



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