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CANDIDATOS NA FOLHA
Lula e Ciro citam pactos espanhóis de 1977; há equívocos e acertos na comparação
Pactos de Moncloa invadem debate da sucessão
CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA
Os Pactos de Moncloa, firmados
na Espanha em 1977, são os acordos mais citados pelos políticos
brasileiros e, talvez, mais desconhecidos pela maioria deles, sem
impedir que voltassem à agenda.
Nas sabatinas que a Folha está
promovendo com os candidatos à
Presidência, os pactos foram
mencionados pelos dois primeiros entrevistados, Luiz Inácio Lula da Silva e Ciro Gomes, justo os
que lideram todas as pesquisas.
Os Pactos de Moncloa são de fato adaptáveis ao Brasil de 2002?
Depende do ângulo pelo qual
são analisados. Um equívoco comum no Brasil é tomar os acordos como de transição do autoritarismo para a democracia.
A Espanha vivera uma guerra
civil (1936-39, 1 milhão de mortos), seguida pela sufocante ditadura do general Francisco Franco
Bahamonde, morto em 1975.
Franco gabava-se de, em termos
institucionais, ter deixado "todo
atado y bien atado". Enganou-se:
as ataduras que pretendiam assegurar a manutenção da institucionalidade franquista após a morte
do ditador foram desfeitas no curto espaço de um ano e meio, entre
a morte de Franco (novembro de
75) e as primeiras eleições livres
desde a guerra civil (junho de 77).
Os pactos de Moncloa foram
aprovados pelo Congresso de Deputados, com um único voto contra, em outubro, quando a transição já havia sido completada, com
a eleição, quatro meses antes.
Do ponto de vista institucional,
o acordo servia para cobrir um fator de "decisiva importância" nas
jovens democracias: "Dar a margem necessária de eficácia nos
primeiros anos para assegurar
sua continuidade", como escreve
Enrique Fuentes Quintana, doutor em Ciência Política, no livro
"A Transição que Deu Certo"
(Trajetória Cultural, 1989).
Desse ponto de vista, portanto,
o acordo, no Brasil, teria que ser
feito na gestão José Sarney (1985-90), que foi quem fez a transição.
Sarney entregou o poder com o
mais amplo leque de liberdades
públicas vivido pelo país, ao mesmo tempo longe da "eficácia" citada por Fuentes Quintana. Doze
anos depois, a continuidade da
democracia não está em causa.
Um segundo equívoco, insinuado tanto por Lula como por Ciro,
diz respeito à dissolução da identidade eleitoral dos partidos que
assinaram os pactos espanhóis.
Lula e Ciro justificam suas esdrúxulas alianças como uma espécie de "preview" de um Moncloa tupiniquim. Mas, na Espanha, não houve beija-mão entre o
líder conservador Adolfo Suárez e
o dirigente socialista Felipe González, os principais artífices dos
acordos. Ao contrário: permaneceram adversários eleitorais.
No campo econômico, há muita
similitude entre as agendas da Espanha-77 e do Brasil-2002, ainda
que, não raro, com sinal trocado.
Os Pactos de Moncloa atacavam
os seguintes pontos principais:
1 - Política monetária rígida (juros altos). No Brasil, candidatos
falam em baixar os juros, mas é
razoável supor que um pacto facilitaria adotar medidas para a redução de juros com menos riscos.
2 - Política fiscal igualmente
apertada. No Brasil, tanto a Lei de
Diretrizes Orçamentárias para
2003 como o acordo com o FMI,
endossado pelos principais candidatos, já prevêem superávit fiscal
primário (receitas do governo
menos despesas, fora juros).
3 - Adoção do câmbio flutuante
e desvalorização da peseta, para
facilitar as exportações, melhorando o resultado das contas externas. No Brasil, o câmbio já é
flutuante, e o problema é inverso:
conter a desvalorização do real.
4 - Centrais sindicais concordaram com moderação nos reajustes salariais, que passaram a ser
feitos pela inflação prevista, e não
passada (o velho esquema de indexação desmontado pelo Real).
No Brasil do presente, o problema é de novo inverso: os salários
estão sendo corroídos mês a mês.
Os pactos deram certo? No curto prazo, sim. A inflação despencou de 44% ao ano, em julho de
77, para 17%, um ano depois.
Mas foi o próprio êxito que asfixiou o acordo. Os bons resultados
não foram creditados à democracia, a serem compartilhados por
todos os atores político-eleitorais,
mas apenas ao governo de turno.
No final de 1978, os pactos de
Moncloa expiraram, "obtendo algumas margens de equilíbrio melhores que as de junho de 1977,
porém com um sistema econômico só parcialmente reformado e
uma estrutura produtiva com
ajustes decisivos ainda pendentes", avalia Fuentes Quintana.
A rigor, o país só se modernizou
ao se integrar à Europa, a partir de
1986, com a torrente de fundos
europeus. Esse tipo de pacto não
está ao alcance de nenhum político ou partido brasileiro.
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