São Paulo, quinta-feira, 15 de agosto de 2002

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

CANDIDATOS NA FOLHA

Lula e Ciro citam pactos espanhóis de 1977; há equívocos e acertos na comparação

Pactos de Moncloa invadem debate da sucessão

CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA

Os Pactos de Moncloa, firmados na Espanha em 1977, são os acordos mais citados pelos políticos brasileiros e, talvez, mais desconhecidos pela maioria deles, sem impedir que voltassem à agenda.
Nas sabatinas que a Folha está promovendo com os candidatos à Presidência, os pactos foram mencionados pelos dois primeiros entrevistados, Luiz Inácio Lula da Silva e Ciro Gomes, justo os que lideram todas as pesquisas.
Os Pactos de Moncloa são de fato adaptáveis ao Brasil de 2002?
Depende do ângulo pelo qual são analisados. Um equívoco comum no Brasil é tomar os acordos como de transição do autoritarismo para a democracia.
A Espanha vivera uma guerra civil (1936-39, 1 milhão de mortos), seguida pela sufocante ditadura do general Francisco Franco Bahamonde, morto em 1975.
Franco gabava-se de, em termos institucionais, ter deixado "todo atado y bien atado". Enganou-se: as ataduras que pretendiam assegurar a manutenção da institucionalidade franquista após a morte do ditador foram desfeitas no curto espaço de um ano e meio, entre a morte de Franco (novembro de 75) e as primeiras eleições livres desde a guerra civil (junho de 77).
Os pactos de Moncloa foram aprovados pelo Congresso de Deputados, com um único voto contra, em outubro, quando a transição já havia sido completada, com a eleição, quatro meses antes.
Do ponto de vista institucional, o acordo servia para cobrir um fator de "decisiva importância" nas jovens democracias: "Dar a margem necessária de eficácia nos primeiros anos para assegurar sua continuidade", como escreve Enrique Fuentes Quintana, doutor em Ciência Política, no livro "A Transição que Deu Certo" (Trajetória Cultural, 1989).
Desse ponto de vista, portanto, o acordo, no Brasil, teria que ser feito na gestão José Sarney (1985-90), que foi quem fez a transição.
Sarney entregou o poder com o mais amplo leque de liberdades públicas vivido pelo país, ao mesmo tempo longe da "eficácia" citada por Fuentes Quintana. Doze anos depois, a continuidade da democracia não está em causa.
Um segundo equívoco, insinuado tanto por Lula como por Ciro, diz respeito à dissolução da identidade eleitoral dos partidos que assinaram os pactos espanhóis.
Lula e Ciro justificam suas esdrúxulas alianças como uma espécie de "preview" de um Moncloa tupiniquim. Mas, na Espanha, não houve beija-mão entre o líder conservador Adolfo Suárez e o dirigente socialista Felipe González, os principais artífices dos acordos. Ao contrário: permaneceram adversários eleitorais.
No campo econômico, há muita similitude entre as agendas da Espanha-77 e do Brasil-2002, ainda que, não raro, com sinal trocado.
Os Pactos de Moncloa atacavam os seguintes pontos principais:
1 - Política monetária rígida (juros altos). No Brasil, candidatos falam em baixar os juros, mas é razoável supor que um pacto facilitaria adotar medidas para a redução de juros com menos riscos.
2 - Política fiscal igualmente apertada. No Brasil, tanto a Lei de Diretrizes Orçamentárias para 2003 como o acordo com o FMI, endossado pelos principais candidatos, já prevêem superávit fiscal primário (receitas do governo menos despesas, fora juros).
3 - Adoção do câmbio flutuante e desvalorização da peseta, para facilitar as exportações, melhorando o resultado das contas externas. No Brasil, o câmbio já é flutuante, e o problema é inverso: conter a desvalorização do real.
4 - Centrais sindicais concordaram com moderação nos reajustes salariais, que passaram a ser feitos pela inflação prevista, e não passada (o velho esquema de indexação desmontado pelo Real).
No Brasil do presente, o problema é de novo inverso: os salários estão sendo corroídos mês a mês.
Os pactos deram certo? No curto prazo, sim. A inflação despencou de 44% ao ano, em julho de 77, para 17%, um ano depois.
Mas foi o próprio êxito que asfixiou o acordo. Os bons resultados não foram creditados à democracia, a serem compartilhados por todos os atores político-eleitorais, mas apenas ao governo de turno.
No final de 1978, os pactos de Moncloa expiraram, "obtendo algumas margens de equilíbrio melhores que as de junho de 1977, porém com um sistema econômico só parcialmente reformado e uma estrutura produtiva com ajustes decisivos ainda pendentes", avalia Fuentes Quintana.
A rigor, o país só se modernizou ao se integrar à Europa, a partir de 1986, com a torrente de fundos europeus. Esse tipo de pacto não está ao alcance de nenhum político ou partido brasileiro.



Texto Anterior: No Ar - Nelson de Sá: Rebeldes
Próximo Texto: Campanha: Tucano recua e deve poupar Ciro na TV
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.