São Paulo, domingo, 15 de outubro de 2000

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ENTREVISTA
Partidos que venceram eleição têm de deixar "discursos de palanque" para assumir gestão concreta, afirma ministro
Vitória amadurecerá oposição, diz Malan

MARIO SERGIO CONTI
ENVIADO ESPECIAL AO RIO DE JANEIRO

O ministro da Fazenda, Pedro Malan, 57, passou o feriado de quinta-feira no Rio de Janeiro. Pela manhã, fez uma palestra num seminário de economistas da América Latina e do Caribe. Depois, almoçou com Stanley Fischer, vice-diretor-gerente do Fundo Monetário Internacional. No final da tarde, colocou óculos escuros e boné, saiu de seu apartamento no Jardim Botânico e deu uma caminhada em volta da lagoa Rodrigo de Freitas. No passeio, encontrou um seu antecessor no Ministério da Fazenda, o ex-governador Ciro Gomes, que estava acompanhado de sua namorada, a atriz Patrícia Pillar.
Entre um compromisso e outro, Malan deu uma longa entrevista à Folha, na qual analisou a situação econômica do Brasil, contou como pretende se comportar com os novos prefeitos, fez um balanço da sua gestão no Ministério da Fazenda, deu a sua visão do Brasil e explicou por que não quer ser candidato à Presidência.
O ministro vê na vitória dos partidos de oposição em diversas capitais uma possibilidade de amadurecimento. "Não se gere uma cidade de grande porte com discursos de palanque. A gestão exige conhecimento das receitas, a investigação do que fazer para tornar os investimentos mais eficazes. Esse processo aumenta a racionalidade do debate econômico e combina com o amadurecimento da atividade política", declara.

Folha - O novo aumento do preço do petróleo levará a um aumento dos combustíveis no Brasil?
Malan
- Não dá para dizer no momento se haverá aumento ou não. Está havendo uma grande volatilidade no preço do barril. O preço de hoje, segundo a maioria dos analistas, não constitui a tendência de estabilização no médio e no longo prazos. A menos que os conflitos no Oriente Médio adquiram uma outra proporção, a perspectiva é de declínio no preço do petróleo. Não há razão, portanto, para acreditar que os preços de hoje vieram para ficar, o que nos levaria a fazer um reajuste imediato dos preços domésticos. Não há discussão interna no governo sobre o aumento dos combustíveis. Por outro lado, seria irresponsável dizer que não haverá, em nenhuma hipótese, reajuste de preço.

Folha - O ministro Pedro Parente disse no mês passado que o governo não estava esperando o segundo turno das eleições municipais para aumentar os combustíveis. O Banco Central produziu uma ata com estudos a respeito desse aumento. E o sr. diz que não há discussão interna no governo sobre o tema. Não há contradição entre essas três posições?
Malan
- Não. O que o ministro Pedro Parente quis dizer, e concordo com ele, é que não existe a visão de que o governo já haveria decidido o aumento e estaria esperando apenas o segundo turno para regulamentá-lo, com o intuito de não perder votos. Quanto à ata do Banco Central, quem se der ao trabalho de ler o documento perceberá que se trata de exercícios e projeções, baseados em diferentes hipóteses. É perfeitamente natural que técnicos do banco façam esses exercícios. Mas isso não significa que uma decisão tenha sido tomada.

Folha - Qual é hoje o grau de vulnerabilidade do Brasil em relação a um choque do petróleo como o dos anos 70 e à possibilidade de que o ciclo de expansão da economia americana termine abruptamente?
Malan
- A vulnerabilidade é muito menor do que no passado. O Brasil está caminhando para produzir mais de 80% do petróleo que consome, além de termos o programa do álcool. Quanto à economia americana, ninguém tem bola de cristal para prever em detalhe o que acontecerá, mas um número crescente de analistas acredita que haverá "soft landing" (aterrissagem suave). Não haverá, está se tornando um consenso, uma abrupta taxa de correção do crescimento da economia americana. A situação brasileira, caso ocorra o "soft landing", será administrável.

Folha - Não será necessário rever a taxa de crescimento da economia brasileira?
Malan
- Desde outubro do ano passado, venho dizendo que a taxa de crescimento do Brasil neste ano será de em torno de 4%, o que está se confirmando. Para 2001 e 2002, acho que ela poderá crescer, em média, 4,5%. Essas metas continuam ao nosso alcance.

Folha - Por que o Brasil tem as taxas de juros mais altas do mundo?
Malan
- Devido a uma combinação de vários fatores. Primeiro, o legado do passado. O Brasil é um país que decretou uma moratória num passado não tão distante. Há uma década, houve um monumental confisco de poupanças e contas correntes. Depois, há ainda propostas políticas, como a do recente plebiscito sobre a dívida.
Por fim, nós temos ainda um desequilíbrio estrutural: desejos e demandas por determinados gastos que são impossíveis de serem atendidos no atual regime fiscal. Dito isso, lembro que, em março do ano passado, a taxa de juros estava em 45% e hoje está em 16,5%, o que em termos reais é pouco mais de 10%.

Folha - Além de ser a taxa de juros mais alta do mundo, segundo o deputado Delfim Netto (PPB-SP), nunca houve na história do mundo um país que mantivesse os juros tão altos. Isso não é uma anomalia?
Malan
- Não fiz pesquisa para saber se é o mais longo período de juros altos na história da humanidade. Mas, se assim é, é a expressão de outras anomalias na economia, como é o caso do desequilíbrio estrutural e crônico entre desejos de gastos e a capacidade de atendê-los. Esse fenômeno foi mascarado durante décadas por uma vergonhosa e humilhante taxa de inflação. O Brasil tem o título, não muito meritório, de ser o recordista mundial de inflação entre o início dos anos 60 e o começo dos anos 90. Batemos o Zaire do general Mobutu, a Nicarágua em guerra civil e o nosso vizinho do sul, que teve duas hiperinflações no período. Vivemos um período de ilusão, de enorme faz-de-conta, que mascarava o desequilíbrio estrutural. Quando a inflação chega a níveis civilizados, esse desequilíbrio aparece com nitidez. Precisamos atacá-lo de frente.

Folha - Em novembro de 1997, o sr. declarou: "Os juros foram elevados para lidar com uma situação emergencial. Tão logo a situação emergencial passe, os juros cairão. A turbulência não durará um ou dois meses, na minha modesta avaliação". Continua a turbulência?
Malan
- É bom não esquecer que em 1998 houve a chamada crise na Rússia. Na verdade, havia o risco de uma crise "sistêmica". A expressão "sistêmica" apareceu em documentos do governo americano e de vários organismos internacionais. A crise não passara.

Folha - Como o sr. vai lidar com os prefeitos eleitos por partidos de oposição, em particular na questão das dívidas dos municípios?
Malan
- Acho positivo que pessoas de diferentes partidos tenham ganho prefeituras, inclusive de oposição. Vi na Itália o papel que teve a eleição de partidos de oposição para prefeituras de grandes cidades. Isso dá maturidade aos partidos. Eles deixaram de fazer discursos de palanque contra a fome, a miséria, a violência, a corrupção. Tiveram de assumir a gestão concreta.
Não se gere uma cidade de grande porte com discursos de palanque. A gestão exige conhecimento das receitas, a investigação do que fazer para tornar os investimentos mais eficazes. Esse processo aumenta a racionalidade do debate econômico e combina com o amadurecimento da atividade política.
No Brasil, veja o que aconteceu com os dois primeiros governadores eleitos pelo PT, Vitor Buaiz, no Espírito Santo, e Cristovam Buarque, no Distrito Federal. A administração de Buaiz foi inviabilizada pela militância petista no Espírito Santo, a ponto de ele ter de sair do partido. Cristovam Buarque teve problemas para governar devido à militância.
Agora, há três governadores do PT. Jorge Viana (AC) é um político de bom senso, que está fazendo uma boa administração. Ele não faz discurso de palanque e discute racionalmente conosco os problemas do Estado. O Zeca do PT (MS) tem um excelente secretário da Fazenda, um técnico com quem temos um excelente diálogo. Olívio Dutra (RS) teve um início meio conturbado, mas hoje mantém uma discussão técnica com o governo.
Com os prefeitos, será a mesma coisa: manteremos diálogo com todos, sem discriminar partidos. Quanto às dívidas, elas foram contratadas, são atos jurídicos perfeitos e serão implementadas. É aquilo que eu disse: a administração de um país, de um Estado ou de um município não começa do zero, no momento em que o novo dirigente assume. Ele não pode dizer que não tem nada a ver com os compromissos assumidos pelos seus antecessores.

Folha - O sr. admite renegociar a dívida de alguns municípios pontualmente?
Malan
- Há novos prefeitos dizendo que vão usar parte de suas dívidas com a União para fazer outras coisas. O que é a mesma coisa que dizer que não vai pagar a dívida. Ora, dívidas têm que ser pagas.

Folha - Não é possível renegociar nada mesmo em São Paulo, que está numa situação difícil e tem 13% da receita líquida da cidade comprometida com o pagamento da dívida com a União?
Malan
- Num nível geral, a responsabilidade pela melhoria de São Paulo cabe primeiro aos seus habitantes e à administração que eles elegerem. O governo não se furtará a ajudar São Paulo. Afinal, estamos todos no mesmo barco, que se chama Brasil. Não vale, no entanto, dizer que o problema maior da administração da cidade são os 13% comprometidos e não os outros 87%. Esses 87% são gastos de uma determinada maneira, que pode ser revista.


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