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ENTREVISTA
Partidos que venceram eleição têm de deixar "discursos de palanque" para assumir gestão concreta, afirma ministro
Vitória amadurecerá oposição, diz Malan
MARIO SERGIO CONTI
ENVIADO ESPECIAL AO RIO DE JANEIRO
O ministro da Fazenda, Pedro Malan, 57, passou o feriado de quinta-feira no Rio de Janeiro. Pela manhã, fez
uma palestra num seminário de economistas da América Latina e do Caribe. Depois, almoçou com Stanley Fischer, vice-diretor-gerente do Fundo Monetário Internacional. No final da tarde, colocou óculos escuros e boné,
saiu de seu apartamento no Jardim Botânico e deu uma
caminhada em volta da lagoa Rodrigo de Freitas. No
passeio, encontrou um seu antecessor no Ministério da
Fazenda, o ex-governador Ciro Gomes, que estava
acompanhado de sua namorada, a atriz Patrícia Pillar.
Entre um compromisso e outro, Malan deu uma longa
entrevista à Folha, na qual analisou a situação econômica do Brasil, contou como pretende se comportar
com os novos prefeitos, fez um balanço da sua gestão
no Ministério da Fazenda, deu a sua visão do Brasil e
explicou por que não quer ser candidato à Presidência.
O ministro vê na vitória dos partidos de oposição em
diversas capitais uma possibilidade de amadurecimento. "Não se gere uma cidade de grande porte com
discursos de palanque. A gestão exige conhecimento
das receitas, a investigação do que fazer para tornar os
investimentos mais eficazes. Esse processo aumenta a
racionalidade do debate econômico e combina com o
amadurecimento da atividade política", declara.
Folha - O novo aumento do preço
do petróleo levará a um aumento
dos combustíveis no Brasil?
Malan - Não dá para dizer no
momento se haverá aumento ou
não. Está havendo uma grande
volatilidade no preço do barril. O
preço de hoje, segundo a maioria
dos analistas, não constitui a tendência de estabilização no médio
e no longo prazos. A menos que
os conflitos no Oriente Médio adquiram uma outra proporção, a
perspectiva é de declínio no preço
do petróleo. Não há razão, portanto, para acreditar que os preços de hoje vieram para ficar, o
que nos levaria a fazer um reajuste
imediato dos preços domésticos.
Não há discussão interna no governo sobre o aumento dos combustíveis. Por outro lado, seria irresponsável dizer que não haverá,
em nenhuma hipótese, reajuste
de preço.
Folha - O ministro Pedro Parente
disse no mês passado que o governo não estava esperando o segundo turno das eleições municipais
para aumentar os combustíveis. O
Banco Central produziu uma ata
com estudos a respeito desse aumento. E o sr. diz que não há discussão interna no governo sobre o
tema. Não há contradição entre essas três posições?
Malan - Não. O que o ministro
Pedro Parente quis dizer, e concordo com ele, é que não existe a
visão de que o governo já haveria
decidido o aumento e estaria esperando apenas o segundo turno
para regulamentá-lo, com o intuito de não perder votos. Quanto à
ata do Banco Central, quem se der
ao trabalho de ler o documento
perceberá que se trata de exercícios e projeções, baseados em diferentes hipóteses. É perfeitamente natural que técnicos do banco
façam esses exercícios. Mas isso
não significa que uma decisão tenha sido tomada.
Folha - Qual é hoje o grau de vulnerabilidade do Brasil em relação a
um choque do petróleo como o dos
anos 70 e à possibilidade de que o
ciclo de expansão da economia
americana termine abruptamente?
Malan - A vulnerabilidade é
muito menor do que no passado.
O Brasil está caminhando para
produzir mais de 80% do petróleo
que consome, além de termos o
programa do álcool. Quanto à
economia americana, ninguém
tem bola de cristal para prever em
detalhe o que acontecerá, mas um
número crescente de analistas
acredita que haverá "soft landing"
(aterrissagem suave). Não haverá,
está se tornando um consenso,
uma abrupta taxa de correção do
crescimento da economia americana. A situação brasileira, caso
ocorra o "soft landing", será administrável.
Folha - Não será necessário rever
a taxa de crescimento da economia
brasileira?
Malan - Desde outubro do ano
passado, venho dizendo que a taxa de crescimento do Brasil neste
ano será de em torno de 4%, o que
está se confirmando. Para 2001 e
2002, acho que ela poderá crescer,
em média, 4,5%. Essas metas continuam ao nosso alcance.
Folha - Por que o Brasil tem as taxas de juros mais altas do mundo?
Malan - Devido a uma combinação de vários fatores. Primeiro, o
legado do passado. O Brasil é um
país que decretou uma moratória
num passado não tão distante. Há
uma década, houve um monumental confisco de poupanças e
contas correntes. Depois, há ainda propostas políticas, como a do
recente plebiscito sobre a dívida.
Por fim, nós temos ainda um
desequilíbrio estrutural: desejos e
demandas por determinados gastos que são impossíveis de serem
atendidos no atual regime fiscal.
Dito isso, lembro que, em março
do ano passado, a taxa de juros estava em 45% e hoje está em 16,5%,
o que em termos reais é pouco
mais de 10%.
Folha - Além de ser a taxa de juros
mais alta do mundo, segundo o deputado Delfim Netto (PPB-SP),
nunca houve na história do mundo
um país que mantivesse os juros
tão altos. Isso não é uma anomalia?
Malan - Não fiz pesquisa para saber se é o mais longo período de
juros altos na história da humanidade. Mas, se assim é, é a expressão de outras anomalias na economia, como é o caso do desequilíbrio estrutural e crônico entre
desejos de gastos e a capacidade
de atendê-los. Esse fenômeno foi
mascarado durante décadas por
uma vergonhosa e humilhante taxa de inflação. O Brasil tem o título, não muito meritório, de ser o
recordista mundial de inflação
entre o início dos anos 60 e o começo dos anos 90. Batemos o Zaire do general Mobutu, a Nicarágua em guerra civil e o nosso vizinho do sul, que teve duas hiperinflações no período. Vivemos um
período de ilusão, de enorme faz-de-conta, que mascarava o desequilíbrio estrutural. Quando a inflação chega a níveis civilizados,
esse desequilíbrio aparece com
nitidez. Precisamos atacá-lo de
frente.
Folha - Em novembro de 1997, o
sr. declarou: "Os juros foram elevados para lidar com uma situação
emergencial. Tão logo a situação
emergencial passe, os juros cairão.
A turbulência não durará um ou
dois meses, na minha modesta avaliação". Continua a turbulência?
Malan - É bom não esquecer que
em 1998 houve a chamada crise
na Rússia. Na verdade, havia o risco de uma crise "sistêmica". A expressão "sistêmica" apareceu em
documentos do governo americano e de vários organismos internacionais. A crise não passara.
Folha - Como o sr. vai lidar com os
prefeitos eleitos por partidos de
oposição, em particular na questão
das dívidas dos municípios?
Malan - Acho positivo que pessoas de diferentes partidos tenham ganho prefeituras, inclusive de oposição. Vi na Itália o papel
que teve a eleição de partidos de
oposição para prefeituras de
grandes cidades. Isso dá maturidade aos partidos. Eles deixaram
de fazer discursos de palanque
contra a fome, a miséria, a violência, a corrupção. Tiveram de assumir a gestão concreta.
Não se gere uma cidade de grande porte com discursos de palanque. A gestão exige conhecimento
das receitas, a investigação do que
fazer para tornar os investimentos mais eficazes. Esse processo
aumenta a racionalidade do debate econômico e combina com o
amadurecimento da atividade
política.
No Brasil, veja o que aconteceu
com os dois primeiros governadores eleitos pelo PT, Vitor Buaiz,
no Espírito Santo, e Cristovam
Buarque, no Distrito Federal. A
administração de Buaiz foi inviabilizada pela militância petista no
Espírito Santo, a ponto de ele ter
de sair do partido. Cristovam
Buarque teve problemas para governar devido à militância.
Agora, há três governadores do
PT. Jorge Viana (AC) é um político de bom senso, que está fazendo
uma boa administração. Ele não
faz discurso de palanque e discute
racionalmente conosco os problemas do Estado. O Zeca do PT
(MS) tem um excelente secretário
da Fazenda, um técnico com
quem temos um excelente diálogo. Olívio Dutra (RS) teve um início meio conturbado, mas hoje
mantém uma discussão técnica
com o governo.
Com os prefeitos, será a mesma
coisa: manteremos diálogo com
todos, sem discriminar partidos.
Quanto às dívidas, elas foram
contratadas, são atos jurídicos
perfeitos e serão implementadas.
É aquilo que eu disse: a administração de um país, de um Estado
ou de um município não começa
do zero, no momento em que o
novo dirigente assume. Ele não
pode dizer que não tem nada a ver
com os compromissos assumidos
pelos seus antecessores.
Folha - O sr. admite renegociar a
dívida de alguns municípios pontualmente?
Malan - Há novos prefeitos dizendo que vão usar parte de suas
dívidas com a União para fazer
outras coisas. O que é a mesma
coisa que dizer que não vai pagar
a dívida. Ora, dívidas têm que ser
pagas.
Folha - Não é possível renegociar
nada mesmo em São Paulo, que está numa situação difícil e tem 13%
da receita líquida da cidade comprometida com o pagamento da dívida com a União?
Malan - Num nível geral, a responsabilidade pela melhoria de
São Paulo cabe primeiro aos seus
habitantes e à administração que
eles elegerem. O governo não se
furtará a ajudar São Paulo. Afinal,
estamos todos no mesmo barco,
que se chama Brasil. Não vale, no
entanto, dizer que o problema
maior da administração da cidade
são os 13% comprometidos e não
os outros 87%. Esses 87% são gastos de uma determinada maneira,
que pode ser revista.
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