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São Paulo, sábado, 15 de novembro de 2003

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OPERAÇÃO ANACONDA

Defensores e contrabandista de cigarros tratam de manifestação de juiz preso pela Operação Anaconda

Grampo revela acerto de sentença judicial

ANDRÉA MICHAEL
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Um conjunto de 16 trechos de gravações, produzidas em escutas telefônicas feitas pela Polícia Rodoviária Federal, revela uma nova ramificação do suposto esquema de venda de sentenças e manipulação de inquéritos policiais.
As fitas, obtidas pela Folha, ligam José Roberto Eleutério da Silva, o Lobão, apontado pela Polícia Federal como o maior contrabandista de cigarros do país, ao juiz João Carlos da Rocha Mattos.
Nos diálogos gravados pela polícia, Lobão e os advogados Francisco e Emerson Scapatício, pai e filho, acertam detalhes de decisões do juiz Rocha Mattos. As sentenças beneficiaram Lobão.
No dia 1º de julho, Rocha Mattos deferiu pedidos feitos pelos advogados de Lobão. Liberou 504 caixas com cigarros nacionais sem o selo do IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) e seis veículos (três caminhões, um trator, uma Kombi e um Vectra).

Camuflados
Os cigarros estavam nos veículos em volumes camuflados por outras mercadorias. Apreendida pela Polícia Federal em 14 de maio, toda a carga encontrava-se retida num depósito localizado no bairro da Lapa, em São Paulo.
Nos diálogos captados pelo grampo, o advogado Francisco Scapatício demonstra domínio sobre os interesses de Lobão na 4ª Vara da Justiça Federal em São Paulo, onde Rocha Mattos despachava. No último dia 7, o juiz foi preso pela Operação Anaconda.
Em 10 de junho, os advogados apresentaram cinco pedidos de restituição, relativos à mercadoria e aos veículos. Em nenhum deles apresentaram-se como representantes de Lobão, mas de pessoas que a PF identificou como seus testas-de-ferro. Dias depois, as escutas revelaram o contrabandista como o verdadeiro interessado na liberação do material apreendido.
O teor dos diálogos -associado aos despachos de Rocha Mattos- sustenta uma nova denúncia do Ministério Público Federal (MPF) em São Paulo. Foi apresentada na última quarta-feira ao Tribunal Regional da 3ª Região. Acusa o juiz da prática de corrupção passiva. Lobão e seus advogados são acusados de corrupção ativa.

"E o que o JC falou?"
Numa das conversas, gravadas com autorização da Justiça Federal de Brasília, Emerson e Lobão conversam sobre um processo criminal. O advogado recomenda ao cliente que aceite, no momento em que o juiz propuser, a suspensão do processo.
Trata-se de um artifício legal no qual o réu se livra da condenação, mas não pode cometer nenhum crime nos dois anos subsequentes à suspensão, sob pena de o processo voltar a tramitar.
Lobão aborda um segundo assunto: "E o outro negócio, meu filho?". "Das mercadorias?", questiona Emerson. Lobão confirma.
Em outro diálogo, Emerson busca informações com o pai, o advogado Francisco Scapatício. "Pai, o senhor foi lá na 4ª Vara, né? E as restituições lá? E o que o JC [João Carlos] falou? Tô com o Lobão aqui na linha."
Munido do relato do pai, Emerson informa ao cliente: "Lobão, chegou do MP [Ministério Público]. (...) Fica tranquilo. Está tudo dentro do estipulado. Só deu vistas ao MP para não dar na cara do que está sendo feito. Entendeu?".
Em 1º de julho, Emerson informa a Lobão que "agora já está tudo encaminhado". Mas o cliente, ansioso, quer saber mais: "O que tem de novidade? Que dia mais ou menos sai?".
Emerson novamente pede o socorro do pai. Fornecidas as informações sobre a tramitação dos pedidos de restituição, indica a Lobão o que fazer para cumprir o "combinado". Diz ele: "Segunda-feira, os ofícios na mão, daí você já traz a parte do combinado para entregar para a pessoa".

Prisões
Foram obtidas, no total, cerca de 40.000 gravações, em nove meses de escuta. Compõem a base da investigação, conduzida pelo Ministério Público Federal em Brasília. Lobão foi preso em 3 de setembro. A PF estima que seus negócios movimentem cerca de US$ 2 milhões por semana. Teria em sua folha de pagamento cerca de cem policiais só em São Paulo.
Por distribuição, coube ao juiz Ali Mazloum, da 7ª Vara da Justiça Federal em São Paulo, um outro despacho relacionado ao caso Lobão. Nesse processo, o MPF denunciou, entre outros, Ari Natalino da Silva, dono da Petroforte, que chegou a ser uma das principais distribuidoras de combustível do país, e o delegado federal Alexandre Crenite.
Na ocasião, Ali Mazloum buscou conhecer o conteúdo das gravações em sua totalidade. No entendimento dos procuradores, o juiz estaria agindo em nome da suposta quadrilha revelada pela Operação Anaconda.
A investigação, conduzida pela PF durante 17 meses, revelou a existência de uma suposta quadrilha que, além de extorquir dinheiro de empresários, oferecia, mediante pagamento, manipulação de inquéritos policiais e sentenças judiciais.

"Abuso de poder"
O episódio levou a Procuradoria a incluir Ali na denúncia que aponta formação de quadrilha. O grupo é, ainda de acordo com os procuradores, liderado por Rocha Mattos e também inclui o juiz Casem Mazloum, da 1ª Vara da Justiça Federal em São Paulo.
Diz a denúncia, no item "ameaça e abuso de poder", que o "juiz [Ali Mazloum] exigiu [dos policiais Wendel e Marcos] ter acesso a todo o material de Brasília".
Mazloum, continua a denúncia, chegou a ameaçá-los de prisão. Conforme relato dos policiais, o juiz afirmou, em tom de ameaça, que "a corda sempre arrebenta do lado mais fraco", diante da negativa quanto à entrega das fitas.
Na suposta quadrilha, de acordo com a denúncia da Procuradoria, os irmãos Casem e Ali "ocupam funções peculiares", "pois têm jurisdição em processos de interesse dos mentores daquela, bem como utilizam-se de serviços prestados pela quadrilha para obter vantagens e/ou favores ilícitos. Aproveitam-se da função jurisdicional para proteger os interesses ilícitos da quadrilha".


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