|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
OPERAÇÃO ANACONDA
Defensores e contrabandista de cigarros tratam de manifestação de juiz preso pela Operação Anaconda
Grampo revela acerto de sentença judicial
ANDRÉA MICHAEL
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Um conjunto de 16 trechos de
gravações, produzidas em escutas
telefônicas feitas pela Polícia Rodoviária Federal, revela uma nova
ramificação do suposto esquema
de venda de sentenças e manipulação de inquéritos policiais.
As fitas, obtidas pela Folha, ligam José Roberto Eleutério da Silva, o Lobão, apontado pela Polícia
Federal como o maior contrabandista de cigarros do país, ao juiz
João Carlos da Rocha Mattos.
Nos diálogos gravados pela polícia, Lobão e os advogados Francisco e Emerson Scapatício, pai e
filho, acertam detalhes de decisões do juiz Rocha Mattos. As
sentenças beneficiaram Lobão.
No dia 1º de julho, Rocha Mattos deferiu pedidos feitos pelos
advogados de Lobão. Liberou 504
caixas com cigarros nacionais
sem o selo do IPI (Imposto sobre
Produtos Industrializados) e seis
veículos (três caminhões, um trator, uma Kombi e um Vectra).
Camuflados
Os cigarros estavam nos veículos em volumes camuflados por
outras mercadorias. Apreendida
pela Polícia Federal em 14 de
maio, toda a carga encontrava-se
retida num depósito localizado
no bairro da Lapa, em São Paulo.
Nos diálogos captados pelo
grampo, o advogado Francisco
Scapatício demonstra domínio
sobre os interesses de Lobão na 4ª
Vara da Justiça Federal em São
Paulo, onde Rocha Mattos despachava. No último dia 7, o juiz foi
preso pela Operação Anaconda.
Em 10 de junho, os advogados
apresentaram cinco pedidos de
restituição, relativos à mercadoria
e aos veículos. Em nenhum deles
apresentaram-se como representantes de Lobão, mas de pessoas
que a PF identificou como seus
testas-de-ferro. Dias depois, as escutas revelaram o contrabandista
como o verdadeiro interessado na
liberação do material apreendido.
O teor dos diálogos -associado
aos despachos de Rocha Mattos- sustenta uma nova denúncia do Ministério Público Federal
(MPF) em São Paulo. Foi apresentada na última quarta-feira ao Tribunal Regional da 3ª Região. Acusa o juiz da prática de corrupção
passiva. Lobão e seus advogados
são acusados de corrupção ativa.
"E o que o JC falou?"
Numa das conversas, gravadas
com autorização da Justiça Federal de Brasília, Emerson e Lobão
conversam sobre um processo
criminal. O advogado recomenda
ao cliente que aceite, no momento
em que o juiz propuser, a suspensão do processo.
Trata-se de um artifício legal no
qual o réu se livra da condenação,
mas não pode cometer nenhum
crime nos dois anos subsequentes
à suspensão, sob pena de o processo voltar a tramitar.
Lobão aborda um segundo assunto: "E o outro negócio, meu filho?". "Das mercadorias?", questiona Emerson. Lobão confirma.
Em outro diálogo, Emerson
busca informações com o pai, o
advogado Francisco Scapatício.
"Pai, o senhor foi lá na 4ª Vara,
né? E as restituições lá? E o que o
JC [João Carlos] falou? Tô com o
Lobão aqui na linha."
Munido do relato do pai, Emerson informa ao cliente: "Lobão,
chegou do MP [Ministério Público]. (...) Fica tranquilo. Está tudo
dentro do estipulado. Só deu vistas ao MP para não dar na cara do
que está sendo feito. Entendeu?".
Em 1º de julho, Emerson informa a Lobão que "agora já está tudo encaminhado". Mas o cliente,
ansioso, quer saber mais: "O que
tem de novidade? Que dia mais ou
menos sai?".
Emerson novamente pede o socorro do pai. Fornecidas as informações sobre a tramitação dos
pedidos de restituição, indica a
Lobão o que fazer para cumprir o
"combinado". Diz ele: "Segunda-feira, os ofícios na mão, daí você já
traz a parte do combinado para
entregar para a pessoa".
Prisões
Foram obtidas, no total, cerca
de 40.000 gravações, em nove meses de escuta. Compõem a base da
investigação, conduzida pelo Ministério Público Federal em Brasília. Lobão foi preso em 3 de setembro. A PF estima que seus negócios movimentem cerca de US$
2 milhões por semana. Teria em
sua folha de pagamento cerca de
cem policiais só em São Paulo.
Por distribuição, coube ao juiz
Ali Mazloum, da 7ª Vara da Justiça Federal em São Paulo, um outro despacho relacionado ao caso
Lobão. Nesse processo, o MPF denunciou, entre outros, Ari Natalino da Silva, dono da Petroforte,
que chegou a ser uma das principais distribuidoras de combustível do país, e o delegado federal
Alexandre Crenite.
Na ocasião, Ali Mazloum buscou conhecer o conteúdo das gravações em sua totalidade. No entendimento dos procuradores, o
juiz estaria agindo em nome da
suposta quadrilha revelada pela
Operação Anaconda.
A investigação, conduzida pela
PF durante 17 meses, revelou a
existência de uma suposta quadrilha que, além de extorquir dinheiro de empresários, oferecia,
mediante pagamento, manipulação de inquéritos policiais e sentenças judiciais.
"Abuso de poder"
O episódio levou a Procuradoria
a incluir Ali na denúncia que
aponta formação de quadrilha. O
grupo é, ainda de acordo com os
procuradores, liderado por Rocha
Mattos e também inclui o juiz Casem Mazloum, da 1ª Vara da Justiça Federal em São Paulo.
Diz a denúncia, no item "ameaça e abuso de poder", que o "juiz
[Ali Mazloum] exigiu [dos policiais Wendel e Marcos] ter acesso
a todo o material de Brasília".
Mazloum, continua a denúncia,
chegou a ameaçá-los de prisão.
Conforme relato dos policiais, o
juiz afirmou, em tom de ameaça,
que "a corda sempre arrebenta do
lado mais fraco", diante da negativa quanto à entrega das fitas.
Na suposta quadrilha, de acordo com a denúncia da Procuradoria, os irmãos Casem e Ali "ocupam funções peculiares", "pois
têm jurisdição em processos de
interesse dos mentores daquela,
bem como utilizam-se de serviços
prestados pela quadrilha para obter vantagens e/ou favores ilícitos.
Aproveitam-se da função jurisdicional para proteger os interesses
ilícitos da quadrilha".
Texto Anterior: Reforma aos pedaços: Palocci avaliza tributária em três etapas Próximo Texto: Outro lado: Advogados de Lobão negam ter negociado com juiz Rocha Mattos Índice
|